Banalidades Frutíferas

25 anos de mídia

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Noite inesquecível no Circo Voador, quando Regina Casé e outros integrantes do Asdrúbal Trouxe o Trombone prestigiaram a estreia de Mandrix Joe. Foto: Arquivo Pessoal.

A vida andava meio chata e monótona no Galeão. Final de 1984 e o Rio de Janeiro continuava lindo como sempre.

 

E eu tinha dois empregos no aeroporto. Trabalhava no balcão de informações da Infraero e ganhava um salário que não dava pra nada.

 

E era estagiário da agência de notícias Airpress, não ganhava nada, mas me divertia demais.

 

Era um estágio legal e eu me virava sob orientação do grande jornalista Ismael Santos, o cara que me ensinou a ser repórter e que também trabalhava na sucursal do Estadão.

 

Eu não ganhava um tostão na Airpress, mas publiquei algumas reportagens bacanas com o então senador Tancredo Neves, craque Zico, ministro Helio Beltrão, ex-presidente da Venezuela Andrés Perez…

 

Com minha mulher Celia Almudena e Claujones durante o Sundek Classic, 1987, Ubatuba (SP). Foto: Arquivo Pessoal.

Estagiava pela manhã e, à tarde, ia para o balcão do desembarque doméstico com um uniforme nada a ver para dar informação e levar desaforo pra casa.

 

Ficava vendo o povo indo e voltando e eu ficando ali feito idiota. Eu era casado com uma ex-lizabeth e sentia que o casamento estava com os dias contados porque eu ficava paquerando uma Maristela que trabalhava na Flumitur e ficava no balcão atrás do meu com aquele olhar de “você não soube me amar”.

 

Então, eu ficava lá meio de saco cheio da vida, fumando e tragando, trabalhando e esperando por dias melhores que nunca chegavam a não ser quando estava de folga e ia surfar na Barra ou Ipanema.

 

Enquanto isso, eu fazia uns audiovisuais com meu brother Marcelo Torok, um paulista como eu que morava no Rio, colega no curso de jornalismo da Estácio de Sá e que fazia altas fotos.

 

A gente produziu Conflito de Gerações Às Avessas, a história de Lsdéia e sua filha careta; Paranópera Urbana, que contava a vida de um cara que morava dentro de um saco de sonho; e Mandrix Joe, um maluco que gostava de tocar guitarra imaginária, um precursor do air guitar e que nem imaginava que um dia isto iria virar moda.

 

Chegamos a exibir os áudios na Funarte e no Circo Voador numa noite de Lobão e os Ronaldos.
A gente tava montando a história do homem que virou alga-marinha, que nunca chegou a ser exibido, e, durante rolê pelo bairro do Flamengo, onde moravam meus pais, vi um amigo na capa da revista Veja exposta numa banca de jornal.

 

Não acreditei, era o Claujones na capa da revista, irmão do meu brother Ado, parceiro do surf junto com o Nelsinho quando eu ainda morava em São Paulo nos anos 70.

 

Claudio Martins, de bigode, tava na capa com outros caras e umas minas, segurando um adesivo da Fluir na altura do peito. Peguei a revista para ler e vi que a reportagem da capa se referia a uma pesquisa sobre comportamento de jovens, algo então inédito no Brasi. E o Claudio era um dos personagens por ser dono da Fluir, lançada um ano antes.

 

Aquilo alegrou meu dia. Afinal, eu nunca tinha visto um amigo na capa de revista nenhuma, quanto mais na Veja, principal revista do país na época.

 

No dia seguinte, de volta ao balcão redondo do aeroporto, eu tinha acabado de comentar com meu colega Carlinhos a respeito do Alemão na capa da revista quando ouvi alguém chamar meu nome: “Juninho, Juninho!”.

 

Olhei para o lado e não acreditei: era o Claujones em pessoa desembarcando no aeroporto! “Brother, acabei de falar de você para o meu amigo, que loucura você aparecer por aqui justamente agora!”.

 

Claudio sacou as três primeiras edições da Fluir de uma maleta e falou que estava na cidade para vender anúncios. Conversamos um pouco e falei que estava cursando jornalismo e pedi para ele me arrumar um emprego na revista.

 

“Claro, Juninho! Mas escreva alguma coisa para o editor conhecer o seu trabalho. Se ele gostar, fica mais fácil arrumar um emprego pra você”, disse.

 

Fiquei admirado com a coincidência de ver o Claudio na capa da revista num dia e dar de cara com ele no aeroporto no outro. Interpretei aquilo como um presságio de dias melhores, porque eu gostava de morar no Rio, mas me achava sem muitas perspectivas profissionais na cidade e tinha um certo medo de me tornar parte integrante daquele balcão para sempre.

 

Aí, fiquei pensando no que escrever para enviar à Fluir. Eu nunca tinha escrito pra revista de surf e peguei minha coleção de Brasil Surf para me inspirar. Enquanto folheava uma BS, comecei a pensar na Maristela, a garota da Flumitur.

 

Era uma gatinha maneira e eu queria impressioná-la. Como era uma mina que gostava de Frank Zappa e era metida a intelectual, tanto que citava Sartre e outros chatos durante meus xavecos sem futuro, pensei em escrever uma história meio sem noção de um surfista sustentado pela tia que ia de São Paulo pra Camburi pegar umas ondas e transar com Sharlene e Sharlina, gêmeas meio doidas que tinham cabelo, olhos e pele cor de mel, clones legítimas de minha colega Francine, a gata mais linda do Galeão.

 

Passei um tempo rabiscando aquela tranqueira intitulada Banalidades Frutíferas, uma crônica que falava de “estereotipadas bonecas cremosas romanticamente mecânicas”, até tomar coragem de mostrar pra Maristela antes de enviar pra Fluir.

 

Ela achou legal e deu a maior força para eu mandar pra revista. Também mostrei a crônica ao meu pai e para o Torok. Eles também curtiram e só aí eu me animei para colocar no correio.

 

Os dias se passaram e já era janeiro de 1985 quando peguei uma pneumonia depois do Rock in Rio, como todo mundo que dormiu na lama depois do show inesquecível do AC/DC. Enquanto me recuperava em casa viajando de febre, recebi um telegrama de Alexandre Andreatta, editor da Fluir.

 

Entrei em transe e telefonei no ato. Ele queria me conhecer e pediu para eu ir a São Paulo. Peguei o primeiro ônibus e tudo saiu do jeito que eu imaginava: recebi um convite para ser redator da revista.

 

Nossa, era tudo que eu queria, sair do Galeão, onde estava desde 1980, para trabalhar com o surf. Voltei ao Rio, pedi demissão, entreguei o apartamento e me mandei de volta a SP, para começar meu trabalho na Fluir na primeira semana de março de 1985. E no primeiro dia de trabalho fiquei chocado ao ver o Banalidades na Fluir 9, meu primeiro texto assinado. 

 

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Com Dadá Figueiredo, personagem da minha melhor entrevista publicada na Fluir. Foto: Agobar Júnior.

Meu casamento logo foi pro espaço porque a minha ex achava que este negócio de escrever em revista de surf não tinha futuro. E o meu romance com a Maristela também não passou de um sonho de verão e de uma fantasia platônica. Eu tinha uma mulher e cobiçava outra. Resultado, fiquei sem nenhuma nem outra, o que não deixou de ser interessante para quem estava largado na paulicéia do Rose Bom Bom.

Mas, não demorou muito para eu me encantar pela primeira garota que eu conheci na volta a São Paulo, minha colega de redação Celia Almudena, mãe dos meus três filhos maravilhosos: Daniel, Caio e Luiza.

 

Bem, minha passagem pela Fluir foi bastante conturbada. Fui demitido três vezes até voltar recentemente, desta vez como colunista, convidado por Kiko Carvalho, atual diretor de redação.

 

Damien Hobgood em Pipe numa foto que fiz com Mavica 1.0. Foto: Juninho.

Mas pude escrever algumas matérias que eu gostei bastante, como uma entrevista com o Dadá Figueiredo, que até hoje é comentada porque o cara mostrava todo seu lado polêmico e contestador de uma forma muito autêntica e agressiva para os padrões da época.

 

Também escrevi Cardápio Imaginário do Surfista Laricado, juntamente com meu brother Marcelo Barros, hoje um dos meus sócios do Waves. Era um troço totalmente sem sentido sobre delícias como couve-floater, torta de neocreme, pão de morey-burger, lenquilha, frango ao molho curren e outras porcarias.

 

Até recebi e publiquei uma carta que dizia ser aquele o pior texto da história da Fluir, o que me deixou bastante orgulhoso da façanha.

 

Dei sorte ao pegar Kelly Slater saindo do mar em Pipe e consegui uma entrevista exclusiva para o Waves. Foto: Maria Pugliese.

Bem, o tempo passou e fui trabalhar em outras mídias do surf como a revistas Inside (onde publiquei Swell de lata invade o litoral), Hardcore (Manobras Impussyveis), Venice… E também fiz alguns frilas para a Folha de S. Paulo, Folha da Tarde (atual Agora), revista Imprensa (20 anos de Playboy; Ricardo Teixeira, carrasco de jornalistas)…

 

Publiquei um artigo pesado sobre heavy-metal na Trip, isso quando o Sepultura ainda não havia saído das trevas do underground brasileiro. E também fui empresário do Ratos de Porão. Até escrevi algumas letras em parceria com o João Gordo – Video Macumba, C.R.A.C.K., Satanic Bullshit e Suposicollor. Outro lance legal foi uma reportagem sobre futebol no Carandiru para a revista Placar – A bola corre solta na cadeia.

 

Uma outra entrevista que eu fiz e me marcou foi com Dr. Know, guitarrista do Bad Brains, feita por telefone e publicada no Folhateen. Fiquei muito surpreso quando o cara disse que gostava de Frank Zappa e de Wes Montgomery, dois mestres do rock e do jazz, justamente ele, um punk genial, criador do crossover entre reggae e hardcore.  

 

Só que eu nunca fui muito disciplinado para trabalhar na grande imprensa e também não dava muito certo nestes empregos muito formais, ao contrário de minha linda Mudeninha, que passou mais de dez anos na Folha e tornou-se uma editora muito moderna e ótima em tudo.

 

Até que em 1998, recebi do Claudio um convite para editar o Waves e aqui estou até hoje. Enfim, são 25 anos nesta mídia bacana e descontraída do surf. E por conta deste trabalho no esporte, fui ao Hawaii, Califórnia e México.

 

Ganhei sem merecer um prêmio de melhor repórter do surf em 2003, pois eu nunca me considerei um bom repórter, oferecido pela Assembléia de São Paulo. E também participei de duas premiações pela melhor cobertura do circuito mundial pela ASP na categoria revista (Best Print Media), pela Fluir e pela Hardcore. E nas duas vezes ganhamos o prêmio com meu parceiro editor Reinaldo Andraus, o famoso Dragão das antiguidades guarujinas. 

 

Não peguei muita onda boa no período porque nunca surfei legal. Mas conheci Kelly Slater, entrevistei o shaper Dick Brewer… publiquei colunas do Picuruta Salazar, do Dadá Figueiredo e do Tulio Brandão. Lancei novos nomes do jornalismo-surf como Ricardo Macario, hoje editor-chefe da Fluir, Nancy Geringer, atualmente no marketing da Hang Loose, Gerson Filho, Steven Allain, Ader Oliveira (o grande Adernalina), Sylvio Mancusi, Fernando Iesca (Infernando), Lucas Conejero e a nova revelação Alexandre Versiani.

 

E também dei sorte de trabalhar com o melhor webmaster do surf interplanetário: Rafael Sobral, que além de dominar toda a tecnologia que envolve um site, é alvinegro praiano, o que o torna uma pessoa ainda mais espacial.

 

Entre outros grandes momentos de minha carreira simples e modesta, que não tem muito a ver com o grande público, mas que eu gostei de ter vivido no mundo do surf, conheci o shaper havaiano Ben Aipa durante um banquete da ASP no Hawaii. E aproveitei para contar que no verão de 1976, em Unamar (RJ), surfei com uma stinger-swallow feita por ele e que até dei um cutback sem querer.

Já ia esquecendo, mas também entrevistei Dick Dale para a Venice. Pai da surf music, avô do punk rock e tiozinho gente boa, não resisti e pedi um autógrafo durante uma balada na Star Point.

 

Nestes 25 anos, vivi intensamente o sonho do surf, com todos os altos e baixos, alegrias e decepções. Mas, assim é a vida e me considero um privilegiado por ainda estar aqui neste meio, me divertindo e aproveitando as ondas que abriram para mim, principalmente nos últimos anos com o Waves e o seu ambiente interativo.

 

Claudio, às vezes penso em como é que teria sido sem o teu apoio em tantos momentos de minha vida. Por isso, valeu por tudo, pela oportunidade, pela amizade durante tantos anos e pela confiança na minha intuição virtual e real. Valeu também meus outros sócios Marcelo “Marcelones” Barros, Rafinha Sobral, Jorge Heck e Marcelo Lacerda – este último sobretudo pelo upgrade intelectual, psicológico, moral e cívico que nos oferece em cada reunião que equivale a um intensivão na FGV, incluindo pós-graduação em algum lugar bem conceituado do show-business empresarial. 

 

Obrigado também a todos que me deram apoio, minha família e grandes amigos e amigas que admiro e são inspiração como Marcelo Torok, Fernando “Grilão” Mesquita, Marcelo Bueno, Romeu e Xan Andreatta, Bruno Alves, Agobar Junior, Felipe Fernandes, Alberto “Cação” Sodré, Motaury Porto, João Benedan, Fred d’Orey, Mariangela Nicolellis, Francine Arruda, Debora Bresser, Erika Li, Cristiane de Vicq, Alessandra Nahra, Caroline Keller, Ana Busch, Cinthia Lira, Ricardo Cruz, Charles Varani, Cícero Lehman, Fábio Ruy, Bruno Lemos, Aleko Stergiou, Fernando Costa Netto, Sidão Tenucci, Roberto Price, Edilson Grão, Roberto Leite, Reinaldo Andraus, Maurício Moreira, Zé Lúcio Cardim, Mano Ziul, Antonio Ricardo, Ricardo Bocão, Luciano Ferrero, Fabinho Gouveia, Felipe Dantas, João Carvalho, Fabio Maradei, Dadá Figueiredo, Picuruta, Lequinho e Almir Salazar, Carlos Burle, Serginho Monaco, Cândido Neto, Wanderlei Romano, Luciano Coruja, Alexandre Piza, Arnaldo Hase, Levy Paiva, Nilton Pavin, Ari Schneider, Tulio Brandão… e tantos outros como Kiko “Lord K”, shaper de minha primeira prancha em 1976 e parceiro na produção de um jingle maluco de rádio gravado para uma Fluir de agosto.

 

Agradeço também, de coração, aos fiéis usuários que curtem o Waves, incluindo aqueles que também gostam de clicar para descer a lenha quando publicamos alguma mancada ou quando a matéria é bem lamentável – acontece… 

 

E, acima de tudo e de todos, Modena, minha espanhola morena de olhos verdes e de coração ardente, meu amor, minha musa e minha deusa, porque sem ela nada teria sentido e significado nesta minha vida de surfista que não deu muito certo nas ondas. Tanto que eu não tenho uma foto decente para colocar nesta matéria, pois eu só surfo legal na imaginação.