Marcelo Madruga

Poesia descreve surfe ou morte

Bodyboarder gaúcho escreve poema sobre um dia de surfe, emoções e desafios na praia de Cidreira (RS).

0
Marcelo Madruga no pós surfe na Praia de Cidreira (RS) com seu irmão Rafa e amigo Sandro ZB.

Marcelo Madruga, bodyboarder de 50 anos, funcionário público municipal de Porto Alegre (RS), empresário e atleta corredor, apresenta poema escrito no ano de 1996, em que descreve uma vivência na Praia de Cidreira (RS).

Marcelo começou a escrever naquela época, em função de muitos sentimentos que estavam “represados” e foram “escoados com muita força”. De lá pra cá, com algumas pausas, não parou mais de escrever.

Tudo no texto se desenvolveu em cima de uma situação real que aconteceu com ele, no inverno de 1991..

O local se chamava, na verdade, Costa do Sol, tipo bairro de Cidreira. Naquela época, pouco habitado e com muitos pescadores.

Na construção do poema, Marcelo revela que as palavras simplesmente “vieram em sua mente” e não parou de escrever até terminar.

Disse que escreveu sobre o verdadeiro cenário que enfrentou, mar grande, frio etc. Uma curiosidade é que depois dessa situação, vivenciou mais três como essa. Porém, disse que estava mais preparado.

Surf or Die

E aí está ele…

Como é bela a sua plenitude, seu horizonte azul, sua constância, sua harmonia.

É majestoso!

Completo meu peito com seu aroma maresia.

Sinto os pés na areia fina e leve que me fazem cócegas.

Porém, de uma hora para outra, sua face se transforma.

Agita-se o gigante adormecido.

O impacto do lip no inside é ensurdecedor.

Paira o medo na costa.

Pavor e excitação se encontram em uma dança na minha cabeça.

Coração acelera.

As ondas prometem alucinações.

O mar chama.

Minha metade monge, metade paz, metade reflexão, proíbe meu ímpeto.

Avisa silenciosamente o perigo.

A luta está travada.

A porção guerreira, porção sagas, porção desbravadora, obriga o passo.

Indica a chance ímpar.

A espada vence a cruz.

Iemanjá abre os braços.

Então, me atiro ao imenso pavoroso.

Inicialmente, as barreiras são pequenas, fracas.

Paro e peço proteção.

Não será sacrifício, inicio a oração.

Palavras que pedem à natureza sua cooperação.

No outside, imensas morras se formam.

A visão é de prazer e horror.

Êxtase e terror.

Adrenalina já me devora. Flui. Corrente forte.

As vagas passam e para trás deixo a segurança do banhista.

Já estamos frente a frente.

Ela abre sua garganta e mostra seus dentes.

Espuma de desejo.

Como que recuperando sua voz, para momentaneamente.

O sinal é esse.

Remo, desesperadamente, para suas costas.

Na sua retaguarda, aguardo as sobras de suas cristas.

A praia já é, apenas, um claro cheio de pontos bronzeados,

Que ás vezes desaparece.

Chega o momento.

Gigantescas, elas vêm.

Medo?

Já não há.

Agora, só drop me guia.

Adianto e, na base, giro ao encontro de seu véu.

Sua força ecoa como uma sinfonia dos deuses.

Rasgo sua curvatura e entoco no cristalino túnel tubular.

Lá dentro sou Netuno. Homem peixe. Parte do elemento.

Mas o sonho vira pesadelo.

A minha frente surge uma corda esticada. Maldita guilhotina.

Sem chance para fugir, o carrasco baixa seu machado.

O tempo para. Sem soluções. Sem visão. Sem respiração.

A prancha parte e me deixa com o leash de recordação.

Ficamos, apenas, a armadilha do pescador e eu.

A fúria do todo poderoso cai sobre mim com potência.

A morte, ao meu lado, se instala.

Penso em viver, no entanto, o combate é desigual.

A batalha começa.

Se perder, tenho consciência de que não haverá retorno.

Serei perdedor para sempre.

A fraqueza desordena meus movimentos.

Minha clemência é ouvida e a prece atendida.

Aos frangalhos retorno ao continente.

O sal ainda verte de meus olhos, corpo exala cansaço.

Curiosa, a multidão avança e observa.

Um menino desenha curvas em minha direção, seu instrumento, minha prancha.

Fecho as pálpebras e reflito.

O som do mar fica manso, convidativo.

Calmo e sereno, parecendo lagoa.

Veias dilatam e aquecem as entranhas.

O sol queima a pele que pede água.

Ruge, novamente, o imenso enfurecido.

Recomeça a bombar magníficas ondulações.

As maiores que já havia visto.

Imediatamente, troco de cordinha, peço a proteção divina e me atiro ao belo oceano.

A esperança é a de um ótimo dia de surfe.