Espêice Fia

Surfaholic, o vício de surfar

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Edição número 52 da Surfaholic: revista de sucesso criada por um brasileiro no Japão. Foto: Reprodução.

Fábio Gouveia, entrevistado da primeira edição, guarda números antigos até hoje. Foto: Reprodução.

Temporada havaiana de 1993. De descendência japonesa, o brasileiro Ricardo Gibo pergunta se tenho uma prancha para vender. Me parecia que o cara remava em suas primeiras ondas ali, no fundo de pedra de Rocky Point.

De longe aquele não seria o local mais adequado para se aprender a surfar. Coragem havia de sobra, mas definitivamente as pancadas da prancha e das pedras acarretaram em vários hematomas. Dias depois encontrei Gibo em Sunset e nem preciso falar nas ondas que ele levou na cabeça tentando dropá-las.

Desde então nunca mais o vi surfando e não sei se ele se tornou um bom surfista. Mas vi que sua mesma garra e perseverança, mostrada na aprendizagem, o levaram a montar a Revista Surfaholic no Japão.

Já no ano seguinte, nas etapas do “WCT”, era possível ver a revista com muitas fotos de brasileiros, não só dos surfistas, mas muitas vezes clicadas por fotógrafos brasileiros. Alguns inclusive eram colunistas e assinavam algumas páginas.

Outro dia tentava dar uma arrumada em meus arquivos de revistas antigas quando me deparei com uma Surfaholic. A primeira coisa que veio em mente foi: onde se encontra o Gibo? O ex-fotógrafo Marcelo Pretto, também colaborador na época, foi minha fonte para o contato.


Depois de alguns e-mails trocados, descobri que o Gibo mora no Hawaii e trabalha em um barco com turistas. Alguém precisa de um guia interprete em japonês aí?

Gibo, quando começou a fazer a Surfaholic?

Comecei em 1994, logo depois que você ganhou o campeonato em Hebara Beach (Fábio Gouveia foi campeão da etapa do WCT em 1992 no Japão). Lembro que na revista inaugural coloquei uma entrevista sua.

A revista ainda está na ativa?

Fiz a revista no Japão por 12 anos, até que me mudei para o Hawaii. Aqui todos os anos faço algumas edições, mas não como no Japão, já que aqui no Hawaii o mercado do surf é muito pequeno se comparado ao do Japão.

Você vive no Hawaii e faz passeios com um catamarã. Por que mudou de negócio? O surf ficou fraco no Japão?

Em 2003 vim cobrir os campeonatos aqui no Hawaii. Conheci a Leila (esposa), uma nativa local do North Shore e que ficou grávida do meu filho, Jonah Kainalu. Quando me mudei para o Hawaii ele já tinha nascido e, como eu já tinha vontade de morar aqui, aproveitei esse destino.

 

O Japão sempre foi uma máquina de fazer dinheiro! Pensei que seria a mesma coisa no Hawaii, mas aqui a galera do surf não tem muito dinheiro e, como tive mais duas filhas (Bella Lei Aloha e Serena Kailani), tive que sair um pouco do mercado e comecei a trabalhar de tradutor de japonês nos barcos.

Levava a galera para nadar com os golfinhos e ver as baleias. Sempre trabalhei em barcos 5 estrelas. A empresa até pagou me pagou um curso em escola para que eu virasse capitão. Precisava ganhar dinheiro para sustentar a família, quando parei de fazer a revista no Japão ainda tinha muitos patrocínios. A revista nunca faliu, eu que parei de trabalhar, pois estava cansado de morar no Japão.

Como era a receptividade da revista no Japão?

Muito boa! Em 12 anos entraram cerca de US$ 5 milhões no meu banco. Eram cerca de US$ 500 a US$ 700 mil por ano. Eu era rico e não sabia! Eu tinha três mil livrarias e mil surf-shops onde vendiam a revista.

Tinham os Seven Elevens e outras redes de mercados, foi um grande sucesso! Foi uma das maiores revistas de surf do Japão, fizeram várias matérias comigo na televisão. A revista Tokio Jornal me escolheu como um dos estrangeiros mais bem-sucedidos nos negócios dentro do país.

 

Tive patrocínio de todas as maiores marcas ao mesmo tempo: Quiksilver, Billabong, Volcom, Dragon, Arnette, Rip Curl, entre outras. Tive todas as marcas por mais de dez anos, foi uma época muito boa da minha vida. Enquanto os “pros” tinham três, quatro patrocínios, eu tinha todos ao mesmo tempo.

Como era a receptividade dos brasileiros por lá? A galera se interessava no surf do Brasil?

Depois que você e o Teco Padaratz surgiram as coisas mudaram. Outros nomes como Jojó de Olivença, Tadeu Pereira, Renan Rocha, Guilherme Herdy, Neco e alguns outros que surgiram levantaram a moral do surf no Japão.

 

Na verdade, o surf do Japão é influenciado muito pelo surf da Califórnia! Eles idolatram os norte-americanos. Mas tem a galera que gosta mais dos brasileiros e a galera que gosta dos australianos também!

Houve uma época em que os surfistas do Japão estavam em ascensão, mas de uma hora pra outra só vejo o Masatoshi Ono. O que aconteceu?

Tem a galera que arrebenta lá também, mas eles são muito fechados e os juízes lá roubam muito na cara dura. Os que têm bons patrocinadores sempre estão na frente. Antes tinha a galera da ASP Asia e a galera da JPSA (Japan Pro Surfing Tour). Os da JPSA correm só no Japão e os da ASP Asia correm os WQS e os campeonatos de fora. É que os patrocinadores investem muito nas revistas e nos campeonatos locais.

Agora, só uma observação. As fábricas de prancha no Japão, quase todas, gastam facilmente US$ 100 mil por ano em propagandas em revistas, mais campeonatos e salário dos atletas. Geralmente as fábricas nos outros lugares do mundo não fazem este tipo de investimento. Investem mais em passagens para campeonatos. No Japão eles preferem investir em surf trips também porque saem mais fotos nas revistas.

Nunca teve ideia de botar uma revista no Brasil? Acha que teria espaço para mais uma?

Sempre tive vontade e ainda tenho! Estou pensando em ir ao Brasil. Coisa nova sempre tem espaço, só depende da qualidade do material. Acho que o mercado do Brasil está muito bom! O surf está muito forte!

Na verdade tenho um conhecimento internacional que muita gente não tem. Estou pensando em fazer a Surfaholic Internacional e vender em vários países, tipo a Surfer, Surfing. Isso é muito bom para quem é fabricante e quer vender os produtos para o mercado internacional. Para exportar ou importar para outros países.

Qual o melhor surfista japonês de todos os tempos?

No Japão há muitos surfistas bons, com qualidades diferentes. Eu gosto muito do Takayuki Wakita, porque ele surfa bem em ondas grandes, pequenas e tem uma boa personalidade.

Como está seu surf, pegando muitas ondas?

Meu surf melhorou muito! Morando no Hawaii o que mais faço é surfar! Agora aqui é verão e tem dado altas ondas no South Shore.

Qual a sua onda preferida no mundo?

É difícil dizer, há tantas ondas boas! Já peguei muitos mares de sonhos, dias inesquecíveis na ilha de Nijima, Japão. Na Indonésia também, como Uluwatu. No Hawaii tem Rock Point, V-Land ou Clowd Nine nas Filipinas. Nas piscinas de ondas do Japão foram coisas inesquecíveis para surfar no inverno. Tem uma que já não existe mais, a Wild Blue, de Yokohama.


Você acompanha o WT?

Tento acompanhar o máximo possível para estar sempre por dentro e atualizado. Hoje em dia é mais fácil porque tem tudo pela internet. Antigamente eu viajava para fazer a cobertura dos campeonatos, hoje em dia é tudo on-line. Ficou muito mais fácil de acompanhar as competições do WT.

Viu as recentes proezas do Adriano Mineirinho? Sabe do Danilo Couto?

Na verdade ele (Mineirinho) faz o mesmo papel que você fez no passado. Acho que será o primeiro campeão mundial brasileiro no circuito da ASP. Desde quando era pequeno, o via surfar em V-Land e nessa época já achava que ele teria um bom futuro.

Já o Danilo vou fazer uma matéria com ele porque ele merece. Conheci ele quando ainda era estudante e morava em Haleiwa. Eu fui o primeiro a publicar uma foto dele na revista. Acho que ele merece, ficou muitos anos correndo atrás, se dedicou bastante e conseguiu chegar onde chegou.

Qual a última edição que fez da Surfaholic?

A última revista foi a edição de número 53, ficou muito boa! Tem altas fotos e matérias. Em breve todos poderão ver online também pelo site Surfaholic Maganize.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.