Leitura de Onda

O equilibrista e dona América

0

 

Leandro Bastos manobra para vencer o Oakley Pro e dar uma grande alegria para dona América. Foto: Aleko Stergiou.

O Sudoeste oprimia o potencial das esquerdas do Arpoador. O intervalo entre as séries fazia o espectador desviar a atenção para a molecada que se divertia nas cordas de slackline instaladas na areia, em frente ao evento.

 

Dentro d´água, na final do Oakley Rio Surf Pro, realizada no último domingo, Leandro Bastos tentava um troco justo no basco Aritz Aranburu, que já havia vencido o brasileiro numa final de Hang Loose nos tubos de Noronha.

 

A escassez de ondas boas levava a bateria a um insosso banho maria de notas 5 e 6, sem nada que valesse um aplauso verdadeiro.

 

Aranburu cozinhava um Pintxo no capricho para roubar de novo o caneco na casa do adversário, quando a história mudou de lado.

 

O locutor me fez desviar das crianças na corda bamba para a remada de Leandro, que ganhava uma série de presente quando tinha a prioridade.

 

Enquanto o moleque na slackline abusava dos saltos mortais, caindo de pé e outras vezes estatelado de costas na areia, dentro d´água o carioca veio sem inventar, para pontuar e acabar de vez com a zica contra o adversário basco.

 

A onda entrou na bancada e, para sorte de Leandro, tornou-se clean e formou o bowl que ele tanto precisava para desferir uma longa sequência de marteladas de backside, jogando água, na linha, sem perder velocidade, até a finalização.

 

No esporte, ganha quem não perde o equilíbrio diante das chances oferecidas – às vezes pela natureza, às vezes pelo acaso e outras vezes pelo adversário. Leandro não inventou moda, não quis surpreender com uma manobra progressiva da nova cartilha da ASP, mas fez o que sabe: surfou com muita pressão, no crítico da onda, sem perder a linha. Preciso. Saiu da onda com um 9,60, o caneco no colo e US$ 20 mil na conta bancária.

 

O mais importante foi ter tirado o selo de vitórias no WQS. Não sei qual é o tamanho da estrada que Leandro pode percorrer, mas chegar até aqui já é uma vitória e tanto.

 

Aos 25 anos, o carioca do Recreio pulou para 65º no novo ranking do World Tour, liderado pelo Kelly Slater. O caminho até a porta de entrada para a elite nunca esteve tão tortuoso, mas não há nada
impossível para quem sabe aproveitar as oportunidades que aparecem à sua frente, sem perder o equilíbrio nos momentos mais importantes.

 

Leandro dedicou a vitória à avó América, que insistia para que a deferência fosse feita a ela ainda viva. Em sua última vitória, ele havia homenageado a outra avó, já falecida.

 

Dona América sabe que, para realizar os sonhos mais difíceis, basta estar vivo. E já deve estar esperando a próxima homenagem.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves, da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".