Perfil

Rico de Souza não para

Ícone do surfe brasileiro celebra trajetória pioneira, compartilha experiências de vida e reflexões sobre o surfe brasileiro, negócios e a maior fonte de bem estar, o mar.

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Rico segue sua rotina de exercícios e surfe. Na foto ele vira em uma direita na Praia da Macumba.

Aos 73 anos, Rico de Souza é muito mais do que um nome histórico do surfe brasileiro: ele é referência quando se fala em pioneirismo, cultura de praia e preservação ambiental. Carioca do Leblon, começou a surfar no fim dos anos 1960 e integrou a chamada segunda geração do surfe carioca, ao lado de nomes Otávio Pacheco, Daniel Friedman, Lype Dilong, entre outros.

 

Com cinco décadas dedicadas ao esporte, Rico – o Mr. Aloha – acumulou títulos, viagens e projetos inovadores. Como competidor, foi bicampeão brasileiro (Ubatuba 1972/73), vice-campeão mundial amador (Porto Rico 1988). Ele também revitalizou o longboard no Brasil através de evento promovidos nos anos 1980 e nos anos 2000, quando promoveu o Circuito Petrobras Longboard Classic. Além disso Rico ainda tem um filme que conta sua história “Surfar é Coisa de Rico” e um livro biográfico. Rico é o único surfista no mundo a ter um carro com seu nome, o Agile Rico, resultado de uma parceria longínqua com uma montadora.

 

Rico foi um dos primeiros shapers brasileiros. Na foto, se divertindo em sua sala de shape, em Guaratiba, Rio de Janeiro. Anos 70.

Em termos de viagens, é o brasileiro com mais temporadas havaianas, além de já ter feito surf trips para praticamente todos os picos de surfe do mundo.

Como personalidade do esporte, foi eleito pelo jornal O Globo como um dos dez surfistas mais influentes do país, conduziu a Tocha Olímpica nos Jogos Olímpicos do Rio, além de ser considerado o Embaixador do Surfe Brasileiro.

 

Na foto Adriano de Souza, Rico e Erik de Souza, no Havaí. Essa foi a primeira vez de Mineiro no Havaí.

Fora da água, criou o primeiro serviço de previsão e checagem do mar, por telefone (Rico Disk Surf), teve a primeira equipe uniformizada do surfe brasileiro, bateu recorde da Maior Prancha já construída e de Maior Número de Surfistas na Mesma Onda, fundou a primeira escola de surfe do país, no Arpoador, em 1980, fez pranchas para grandes nomes do surfe mundial, entre outros. Realmente é até dificil colocar todas as credenciais do cara que foi o único atleta até hoje a ser patrocinado pela Rede Globo.

 

Equipe Rico, na Austrália – Gold Cost em 1978. Na foto, da esquerda para direita: Fredy D’orey, Roberto Valério, Rico e Valdir Vargas.

Nesta conversa, ele fala sobre o que o surfe lhe trouxe de mais valioso, o atual momento do esporte, sua rotina de treinos e atuação como comunicador e ambientalista.

Qual foi a coisa mais incrível que o surfe trouxe para a sua vida?
É difícil resumir, porque o surfe me deu tudo que tenho. Trouxe o lifestyle, a simplicidade, a valorização da natureza e das coisas boas da vida.

 

Rico e sua esposa Claudia.

Trouxe também minha família: conheci minha esposa, Claudia, em Saquarema, quando ela me entrevistava. Viajei o mundo inteiro graças ao surfe: Brasil de ponta a ponta, América Central, México, EUA, Havaí, Europa, Indonésia, África do Sul, Ilhas Reunião, Canárias. O surfe me deu oportunidades, respeito, amigos e até experiências únicas, como remar sozinho por longas distâncias no mar. Eu só tenho a agradecer a Deus.

 

Você sempre fala sobre humildade no mar. O que aprendeu com essa relação?
O mar ensina a ser humilde. Ele te coloca no lugar certo, mostra que você faz parte da natureza. Eu gosto muito de remar sozinho, sentir essa intimidade com o oceano. É um momento de meditação e humildade frente à grandeza do mar. Ali eu realmente me realizo. Já remei até a Ilha Redonda (Ipanema), ida e volta, 30 quilômetros.

 

Rico com uma de suas paixões, a Prona Board, prancha de remada.Reprodução / mídias sociais
Rico com uma de suas paixões, a Prona Board, prancha de remada.

Também fiz a travessia Buzios/Cabo-Frio e estou sempre buscando me integrar cada vez mais com a natureza, sempre com muito respeito e humildade. Essas experiências me ensinaram que o mar é mestre, e a gente precisa respeitá-lo. Sigo remando e buscando novos trajetos.

 

Foto clássica. Cabeludo nos anos 1970. Rico fez parte da geração que frequentou o Pier de Ipanema.Arquivo pessoal
Foto clássica. Cabeludo nos anos 1970. Rico fez parte da geração que frequentou o Pier de Ipanema.

Como você enxerga o atual cenário do surfe brasileiro?
É uma situação delicada. Temos o Brazilian Storm brilhando com Mineirinho, Medina, Toledo, Ítalo, Yago Dora e tantos outros, mas o surfe brasileiro ainda não conseguiu consolidar grandes marcas de surfwear locais. Nos anos 90, o surfe foi vendido de uma forma massificada, perdeu valor agregado. Hoje quem patrocina o esporte são empresas de fora do nicho, como operadoras de telefonia, montadoras de carros, bancos, empresas de nutrição, entre outros.

 

RIco mantém o Museu do Surf Rico.Arquivo pessoal
RIco mantém o Museu do Surf Rico.

É diferente do passado, quando vestir uma camisa da Hang Ten ou uma Company tinha muito significado. Hoje os surfistas consomem outras marcas. O surfwear não tem a mesma força. Isso também aconteceu por conta da massiva popularização através das falsificações. Mas de qualquer forma, somos a primeira potencia do surfe mundial em termos de resultados. E acredito que vamos seguir crescendo e melhorando a cada dia.

Rico segue atual. Na foto, rasgada na piscina.

 

Você sempre esteve envolvido com meio ambiente. Como é esse papel hoje?
Sou embaixador do Instituto Trata Brasil, que trabalha com saneamento. Sempre levantei a bandeira de cuidar das praias, desde o meu primeiro projeto com o Abílio Fernandes (ambientalista carioca responsável pelo projeto de revitalização da vegetação nativa nas praias do Rio. Abílio é pai do campeão brasileiro de surfe de 2008, Gustavo Fernandes).

 

Rico foi percussor no projeto de revitalização da vegetação nativa nas praias do Rio.Arquivo pessoal
Rico foi percussor no projeto de revitalização da vegetação nativa nas praias do Rio.

Começamos esse projeto em 2000, focado na preservação da vegetação nativa, e hoje já vemos resultados efetivos. A Praia da Macumba é um ótimo exemplo disso. Lá temos uma boa faixa preservada o que evita a erosão e mantém a praia e os fundos funcionando.

 

Em minhas palestras procuro abordar o tema da importância de deixarmos um legado para as próximas gerações. Acho fundamental. Ninguém quer praia suja. Isso faz parte do que eu acredito e defendo até hoje. Faço minha parte e acredito que se cada um fizer a sua a gente consegue melhorar cada vez mais.

 

Rico foi padrinho no surfe de Phil Rajzman, hoje bicampeão mundial de Longboard.

Seu networking é seu ouro?
Eu nunca tratei como “networking”. Eu fiz amigos. Viajando, fazendo pranchas, vivendo experiências. Hoje, no Aloha Podcast, recebo pessoas como Márcio Santoro, Evandro Mesquita, Gabriel Pensador, Marcello Serpa, Chumbinho. Ou seja, amigos de vários setores da sociedade. Eu não polemizo, não faço perguntas pesadas. Prefiro construir pontes, celebrar amizades.

 

E como você vê o papel da comunicação e do jornalismo de surfe hoje?
A gente ainda tem muito a crescer. Eu apoio veículos como o Waves e sigo também com o RicoSurf, onde o jornalismo mudou, ficou mais leve. É importante seguir em frente, contar boas histórias. O surfe merece esse espaço.

 

Rico e seu grande amigo, o lendário Clyde Aikau, falecido recentemente.

Para onde você acha que o mercado do surfe pode remar hoje?
Existem muitos caminhos. Piscinas de ondas são um mercado em expansão, que vai gerar empregos e abrir espaço para escolas, fotógrafos, shapers, influenciadores. Me sinto bem nesses novos ambientes. O surfe ainda tem muito a crescer, mas cada um precisa descobrir sua aptidão.

 

O que ainda te inspira no surfe? Qual é o seu combustível?
Ter saúde, qualidade de vida. Subir dez andares, remar da Macumba até Guaratiba, pegar minhas ondas, viajar. Isso não tem preço. Além disso, sigo fazendo o que amo: pranchas, eventos, palestras, podcast. Isso me dá energia. Vejo amigos que, ao se aposentar, perderam ânimo. Eu prefiro me cuidar e continuar ativo.

 

Rico pega uma direita em El Salvador.Arquivo pessoal
Rico pega uma direita em El Salvador.

Como é sua rotina de treinos e cuidados físicos?
Eu treino todos os dias. Acordo às 6h, tomo meu café e faço exercícios: remada, academia, bicicleta, depende do dia e da minha inspiração. Pular corda, por exemplo. Aprendi sozinho, inspirado pelo boxe que fazia com o Tortinho, só para manter a forma.

 

Cheguei a ficar uma hora pulando corda. Hoje faço menos, porque o impacto pesa, mas continuo. É prático: levo em qualquer viagem, até para o Havaí. Com cinco minutos já sinto o efeito. É simples, mas muito eficiente.

 

Rico segue surfando. Na foto, curtindo uma onda de piscina na Praia da Grama.

Enfim, quando o mar está bom, eu surfo; quando não está, eu malho. A disciplina é fundamental. Recentemente, em El Salvador, tomei uma pancada na perna, mas consegui seguir surfando porque estava preparado. A musculatura forte fez toda diferença.

 

E como foi a trip para El Salvador, já está pensando na próxima?
Peguei altas ondas em El Salvador. Água quente, direitas abrindo, foi realmente muito bom. Em breve embarco para a Nicarágua com mais de dez amigos, todos empresários e surfistas. É um país que ainda não conheço e já estou ansioso para pegar umas ondas por lá.

 

O americano Rory Russel, atleta da elite do surfe nos anos 1970, com uma prancha shapeada por Rico.Arquivo pessoal
O americano Rory Russel, atleta da elite do surfe nos anos 1970, com uma prancha shapeada por Rico.

Você foi um empreendedor e precursor do serviço de previsão e checagem do mar no Brasil. Conta um pouco desse caminho, desde as rádios até o podcast.
Olha, eu sempre vivi o mar. Minha vida sempre esteve ligada à praia. Lá atrás, eu tinha um parceiro para fazer as condições diárias do mar ele me ajudava mas um dia percebi que não era, digamos, uma parceria confiável.

 

Teve um dia que eu estava andando na Barra, o mar estava de ressaca, e o cara da rádio dizia que o mar estava pequeno. Isso me incomodava demais. Resolvi então fazer a previsão sozinho, com mais seriedade.

 

Rico com a Rico Maior Prancha do Mundo.

Daí surgiu o Disk Surf, que foi uma grande sacada numa época sem internet. Era um serviço, via telefone, pago. Lembro que a ligação custava R$ 2,95. Metade era imposto, outra parte ficava com a Telemar e o resto vinha pra mim. E mesmo assim era uma boa grana. Foi meu primeiro passo na comunicação do surfe, algo que deu muito certo.

 

Só que o serviço acabou quando a Anatel determinou que, se houvesse mais de 5% de reclamações, o número era suspenso. Não era contra mim, mas contra outros serviços como o Disk Sexo e o Disk Igreja.

 

Rico e o lendário Owl Chapman, na sala de shape. Rico já trabalhou com alguns dos maiores shapers do mundo.

O serviço acabou e ambos processaram a Telemar, que virou Oi. Eu nunca quis processar ninguém, então preferi seguir outro caminho e acabei patrocinado pela Telemar, e posteriormente pela Oi. Consegui patrocínios e logo migrei para a internet.

 

Em 2000, quando a Globo.com foi lançada, tive a sorte de hospedar meu site lá, pois já estava desenvolvendo um projeto com meu amigo, o saudoso Mano Ziul (brasileiro responsável pela criação dos sistema de notas ao vivo até hoje utilizado pela WSL) a fim de desenvolver um site. Já são 24 anos nessa parceria e até hoje escrevo para o Globo Esporte e mantenho o site ativo.

 

Rico recebe Pedro Scooby em seu podcast.

Como você enxerga o atual mercado de comunicação do surfe no Brasil?
Eu adoro ver o Waves, por exemplo, acho muito legal. E me sinto bem por ser amigo de todos os veículos. Sempre tive um relacionamento saudável com todos, desde a época da Fluir. Acho que o surfe é uma tribo só, é muito melhor termos surfistas de verdade na comunicação do que apenas gente do business.

 

Shau Ginella, Randy Rarick, um dos criadores do surfe profissional como conhecemos, e Rico no Havaí.

Você também se aventurou no podcast. Como foi esse processo de produção?
Sempre quis fazer um podcast, desde que eles surgiram. Mas gostar é uma coisa, realizar é outra. A ideia só saiu do papel quando meu filho Patrick entrou no projeto. Ele é casca-grossa, montou uma equipe, organizou as pautas, chamou diretor, e passamos quase um ano em pré-produção. Gravamos vários episódios antes do lançamento para garantir consistência.

 

Anúncio clássico dos calções Rico no anos 1980, Na foto Rico e o ator Kadu Molitenno.

No começo conseguimos dois patrocinadores, mas logo perdemos um, a Simples Reserva, que fechou, e o outro não pagava em dia. Eu acreditei no projeto, banquei do meu bolso e continuei. Foi trabalhoso e caro, mas valeu. Tivemos apoio também em parcerias com a WSL e produções maiores.

 

Hoje temos patrocinadores fortes, como a QBoa, que é líder no mercado sanitário no Brasil e a quinta maior do mundo, além de novas marcas que entraram recentemente.

 

Valeu o esforço?
Com certeza. É muito trabalho e disciplina, mas os resultados vieram. No ano passado atingimos 25 milhões de visualizações e este ano os números já estão maiores. É gratificante ver o retorno depois de tanto investimento, energia e dedicação.

 

Que mensagem você gostaria de deixar para os leitores do Waves?
Nunca deixe de sonhar. Os sonhos são o combustível da nossa vida. Aloha e boas ondas, Rico de Souza.