Surfe e medicina

Minhas costas travaram

Dr. Guilherme Vieira Lima explica como cuidar bem da coluna para aproveitar as ondas em todas as condições.

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Mar grande e coluna lesionada pode tornar-se uma combinação dolorosa.

Muitas vezes, procurando uma desculpa para não entrar no mar quando as ondas estão subindo muito, o surfista usa do artifício que a coluna “travou”. O texto desse mês vem defender esses amigos que, mesmo sendo motivo de chacota dos companheiros, podem mesmo estar com a coluna lesionada.

As queixas de dores na coluna são frequentes em inúmeras modalidades esportivas. No surfe, a incidência de queixas dolorosas da coluna é alta, variando entre 56 a 60% dos surfistas. Quando está deitado remando, ele assume uma postura de extensão prolongada de forma ativa de toda coluna, com rotação constante do tronco, criando uma biomecânica complexa dessa estrutura.

Ao se levantar na prancha, promove uma hiperextensão brusca das vértebras colaborando ainda mais para a sobrecarga local, e durante as manobras com constante mudança de direção, existe um frequente movimento torsional do tronco.

As dores lombares em sua grande maioria são de origem muscular devido a falta de condicionamento. Quando a musculatura entra em estafa ou está despreparada, as demais estruturas da coluna vertebral ficam desprotegidas e susceptíveis a lesões. Essa sobrecarga pode trazer desconforto, sensação de queimação nas costas e geralmente acompanha de dores e limitações de outras partes do corpo como ombros e quadris.

Ilustração da coluna lombosacral: pars articulares / Espodiólise / Espondilolistese

A atitude em hiperextensão exerce também stress nos ligamentos paravertebrais e na região da pars articulares das vértebras e pode causar a espondilólise e a espondilolistese. A primeira é uma fratura por fadiga do istmo vertebral, em geral na quinta vértebra lombar, já a segunda é definida como uma translação de um corpo vertebral sobre a vértebra caudal adjacente em uma direção anterior ou, nos casos mais graves, anterior e caudal.

O sintoma prevalente de ambas é a dor paravertebral lombossacral, sendo pior com as atividades físicas, hiperextensão lombar e após tempo prolongado na mesma posição acompanhada de restrição de mobilidade. Nas crianças, a espondilolistese geralmente é assintomática, e os primeiros sinais são a exagerada lordose lombar e encurtamento dos isquiotibiais. Radiculopatia (sintoma neurológico devido a compressão da raíz nervosa) é menos comum, porém é observada com a translação progressiva quando a instabilidade está presente.

Trabalhos recentes mostram que restrições da mobilidade do ombro também podem afetar a coluna no surfe. Os estudiosos evidenciaram que quanto mais restrito o movimento do ombro, mais o atleta necessita girar o tronco para remar, e dessa forma, sobrecarrega ainda mais a coluna.

Uma outra patologia da coluna vertebral associada ao surfe é a Mielopatia do Surfista, que consiste numa lesão medular aguda não traumática de provável etiologia isquêmica, secundária também à hiperextensão prolongada da coluna vertebral. Essa rara doença foi primeiramente descrita em 2004, e sua fisiopatologia ainda não é bem descrita. Acredita-se que ela ocorra devido a um comprometimento vascular transitório da medula dorso-lombar devido a postura prolongada. Normalmente associada a surfistas iniciantes comumente em sua primeira experiência, indivíduos saudáveis, sem problemas espinhais ou vasculares prévios.

Hiperextensão da coluna durante a remada e também no movimento de furar a onda.

A queixa inicial é a dor aguda nas costas e espasmos musculares. Cerca de uma hora após o estímulo inicial, surgem diminuição de força e sensibilidade dos membros inferiores, podendo afetar a função vesical/intestinal e a marcha. Na maioria dos casos esse déficit neurológico é recuperado, porém a doença é grave e requer atendimento médico de urgência.

Para continuar fazendo bonito quando o mar está bombando recomenda-se:

– Fortalecer a musculatura do CORE
– Realizar exercícios de alongamento de toda a coluna, da musculatura isquitibial e do ombro
– Não exceda em muito tempo as sessões de surfe
– Muita hidratação antes e depois das sessões
– Soltura muscular após o surfe
– Aquecimento antes de iniciar a surfar

A melhora maneira de aproveitar o surfe ao máximo é prevenindo-se. Procure uma equipe multidisciplinar de médico / fisioterapeuta / educador-físico para uma orientação e preparo. Evite a automedicação, na vigência do problema procure um médico e não insista em surfar pois poderá causar um dano maior.

Cuide bem da sua coluna para aproveitar as ondas em todas as condições!

Cartaz da Conferência Mundial de Medicina do Surfe de 2019.

Nota: A Conferência Mundial de Medicina do Surfe de 2019 (World Conference on Surfing Medicine #WCSM19) acontecerá entre os dias 10 e 13 de abril em Torquay, Victoria, Austrália. Muitos assuntos como este serão abordados no encontro. Saiba mais aqui.