Pranchas de madeira

Siebert resgata essência

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Fuga da padronização é possível no surf. Foto: Arquivo Pessoal.

Meu primeiro contato com a arte de Felipe Siebert aconteceu durante a Mostra Floripa Cine Action em abril deste ano. A beleza clássica do longboard e da biquilha fish de madeira expostas no evento me cativaram ao primeiro olhar e despertaram questionamentos fundamentais sobre o surf e sua difícil conceituação como esporte ou forma de arte.
 
Quase todos concordam que o surf é muito mais que um esporte. Na teoria, podemos afirmar que o ato de deslizar sobre as ondas alcança mesmo o nível de arte, pois cada surfista tem a liberdade de se expressar sobre uma prancha da mesma forma que um músico é livre para compor, tocar e cantar o que bem entender. 
 
Na prática, ao analisarmos o surf no Brasil vemos que as

Processo de fabricação em madeira exige outros conhecimentos do shaper. Foto: Arquivo Pessoal.

coisas não funcionam bem assim. Basta olhar para a padronização que impera nas praias e logo surgem alguns

problemas essenciais: Afinal, quem determinou que as pranchas devem ser triquilhas com tamanho 6’2″ e rabeta squash? Quem foi que disse que o poliuretano deve ser a matéria-prima principal de uma prancha? Por que motivo todos tentam realizar as mesmas manobras numa onda?
 
A resposta a estas perguntas instigantes cai invariavelmente na falta de liberdade que esta padronização do surf impõe aos seus praticantes. Ainda na analogia com a arte, o que seria da música se todos os músicos se sentissem obrigados a tocar rock, com uma formação obrigatória de baixo, guitarra e bateria? Ou se os pintores só pudessem produzir quadros com um determinado tipo de tela e cartela de cores? No caso do surf, quantos iniciantes desistiram do esporte por

Laminação garante acabamento do equipamento. Foto: Arquivo Pessoal.

estarem utilizando equipamentos equivocados para o seu

estilo, técnica e habilidade?              
 
Felizmente estes conceitos parecem estar sendo quebrados com o advento de novas formas de surf e o resgate de antigas práticas, como comprovam a popularização do tow-in e do kitesurf, o fênomeno do stand-up-paddle, o ressurgimento das antigas alaias e dos clássicos pranchões de madeira. Práticas e estilos singulares, que encontram na liberdade de expressão sobre uma prancha o seu denominador comum.

 

Quando conheci a Siebert Woodcraft Surfboards confesso que pensei se tratar de alguma marca veterana da Califórnia, já que a paixão pelo estilo clássico, retrô, vintage, ou qualquer expressão que defina o resgate das antigas técnicas

Pranchas siebert revivem espírito clássico das origens do surf. Foto: Arquivo Pessoal.

de fabricação, é uma tendência muito valorizada na região que moldou a indústria do surf como a conhecemos hoje.

 

Mas para minha surpresa, o responsável por todo aquele feeling nostálgico de reverência à essência do surf era um camarada de apenas 31 anos aqui de Florianópolis, que em 2006 começou a produzir pranchas artesanais de madeira oca de reflorestamento – estilo hollow wood.
 
Com formação em Biologia e Engenharia, Felipe pesquisou a fundo o processo de fabricação deste tipo de prancha e desenvolveu sua técnica de forma consistente, aliando os conhecimentos do passado com a evolução natural do design e da tecnologia.

 

Movido pela busca da essência do surf e influenciado por shapers como Tom Wegener, ele hoje detém todas as ferramentas para produzir pranchas singulares, bonitas e de alta performance. Uma combinação que resulta em verdadeiras obras de arte que inspiram surfistas de todas as idades a experimentar novas formas de se expressar sobre as ondas.

 

Inserido no contexto de valorização das formas artesanais de produção, no respeito ao meio ambiente, no manejo sustentável dos recursos naturais, na liberdade de expressão através do surf, o trabalho de Siebert está em sintonia com as mais recentes tendências de comportamento do chamado “consumidor consciente”, que procura atributos intangíveis e experiências genuínas em sua relação com um produto – um caminho saudável que foge da mesmice e do marasmo capitalista da indústria de surf que ainda domina o mercado.

 

Um dos pioneiros no resgate das clássicas pranchas de madeira no Brasil, ele enxerga um horizonte promissor para a proposta de sua marca e seus produtos, recebendo encomendas de todas as regiões do Brasil e do exterior, que o mantém ocupado em tempo integral na sala de shape.

 

Um cuidado e dedicação disseminado em todo o material gráfico – banner, cartão e adesivos –

que reforça a percepção de alta qualidade dos produtos e de toda a comunicação da marca.

 

Na entrevista a seguir, ele revela um pouco da sua visão sobre o surf e os valores que envolvem o trabalho da Siebert Surfboards.

 

Na sua opinião, quais os valores essenciais que representam o surf como um estilo de vida?

 

Essa é uma questão bem complexa. Hoje em dia é moda ser surfista. Como o surf é um esporte que teve uma origem underground, na Califórnia nas décadas de 50 e 60 e um pouco depois no Brasil, contrariando e desafiando a sociedade, acredito que a verdadeiro espírito do surf está em buscar algo criativo e diferente. Justamente o contrário do que acontece hoje, onde quase todos querem ser igual ao Kelly Slater. Se isso fosse possível, até seria interessante.

 

Uma frase recente do Avelino Bastos, shaper da Tropical Brasil, para o Guia de Pranchas 2009 da revista Surfer define bem este sentimento: “Se o nosso estranho desejo de surfar como as outras pessoas desaparecesse, eu acredito que o futuro do design das pranchas seria muito melhor.”

 

Como você vê o crescimento do interesse pelo longboard e pelos modelos de pranchas clássicas no Brasil? Você acha que é um modismo passageiro, ou uma verdadeira mudança de mentalidade em relação ao surf?

 

O longboard é bem regionalizado no Brasil, com alguns focos como Rio de Janeiro, Santos, e Balneário Camboriu. Aqui em Florianópolis esta cultura não existe. Quando se fala de longboard, se fala de pranchas para iniciantes ou surfistas que não tem mais condições físicas par surfar de pranchinha.

Enquanto na Califórnia, Austrália, Europa as pranchas alternativas vem completando o quiver dos surfistas, aqui, mesmo os surfistas com pouca técnica ou condição física insistem em surfar somente com prancha iguais as dos profissionais do ASP World Tour. Esquecem que nem todo dia tem 1 metro de onda cavada e perfeita e passam o verão matando barata no inside.

 

Por este aspecto, acho que o longboard pode ter um bom crescimento no momento em que os surfistas perceberem que mesmo tendo uma triquilha como prancha principal, nada melhor do que um longboard para aproveitar aquele meio metrinho no verão.

 

Quais os principais desafios técnicos de se produzir uma prancha de madeira (hollow wood)? Que elementos você pretende agregar para aprimorar ainda mais os modelos da Siebert?

 

Atualmente, praticamente todos os desafios técnicos foram superados. Conseguimos trabalhar todas as questões de medidas da mesma forma que nas pranchas de espuma, como concaves e V-bottons por exemplo.Nos últimos dois anos, temos utilizados praticamente as mesmas técnicas.

Como já dispomos deste bloco de madeira 100% natural e biodegradável, estaremos dando início a alguns testes em técnicas de laminação utilizando materiais menos agressivos (alternativas às resinas e tecidos de fibra de vidro), mas acredito que ainda levará um bom tempo até deixarmos de usar totalmente as resinas atuais.
 
Este caminho será definido pelas escolhas dos clientes ao encomendarem suas pranchas. Os novos materiais, para serem utilizados em grandes escala e se difundirem, tanto nas pranchas de madeiras com em pranchas comuns, devem apresentar uma qualidade e resistência no mínimo igual aos materiais já conhecidos. Podem até ter um custo mais elevado, pois existem pessoas dispostas a investir num material não poluente, mas com a mesma qualidade dos já utilizados.

 

Como você enxerga a evolução da cultura do surf no Brasil em relação aos grandes centros – Califórnia, Hawaii e Austráia? (se é que realmente podemos dizer que temos uma cultura surf em nosso país).

 

Na Califórnia, o maior centro do longboard clássico, os campeonatos são completamente ignorados. Acompanho vários sites e revistas e nunca ouço falar o nome de alguns campeões mundiais de longboard como do havaiano Bonga Perkins e o Phil Razjman, surfistas com um estilo mais progressivo (moderno). Este é um reflexo das mudanças que vem acontecendo.

 

Venho estudando não só as pranchas, mas toda a cultura que permeia este revival de pranchas clássicas e alternativas que vem acontecendo no surf em todos estes grandes centros.

 

Coincidentemente este ressurgimento teve inicio há poucos anos, justamente no período em que iniciei minha primeira idéia de construir uma prancha de madeira. Foi algo que surgiu por acaso, sem influencia externa, mas que se encaixou perfeitamente nesta nova linha que vem crescendo.

 

Fora do Brasil, parece que o surf se fragmentou em duas vertentes. Uma que segue o estereótipo do surfista dos anos 90: bermuda larga e colorida, cabelo loiro parafinado, idolatra as grandes marcas de surf e seus patrocinados no circuito mundial. O típico surfista. Discriminado a algumas décadas, mas que atualmente está na moda.

 

Num outro extremo, esta nova perspectiva de enxergar o surf com foco na sua arte e cultura. Esta arte e cultura que teve início no Hawaii e se desenvolveu na Califórnia a partir dos anos 50, se distorceu ao longo destas ultimas décadas. Esta nova vertente valoriza as pequenas e importantes coisas do surf.

 

As surfshops que seguem esta nova tendência valorizam os produtos locais, produtos que não se encontram em outras lojas, produtos praticamente inéditos, produtos com alma. Roupas e estampas desenhadas por vários artistas/surfistas. Não são produtos fabricados na China por grandes corporações. Isto valoriza e desenvolve um estilo de surf próprio e peculiar de cada região.

 

Acredito que falta um pouco de personalidade para as pessoas seguirem a sua própria linha ao invés de querer ser igual a todos. É mais fácil estar na moda do que ter que enfrentar alguma contestação.

 

Quais as referências atuais e do passado que mais inspiram o teu trabalho? (filmes, livros, shapers, surfistas, artistas…)

 

Uma das coisas que mais me empolga é pesquisar os modelos de pranchas utilizados tanto no passado com atualmente, filmes e tudo que tem a ver com pranchas e a cultura do surf clássico.

 

Meu momento de lazer é pesquisar sites e blogs de outros shapers e assuntos relacionados. Vou citar algumas das milhares de referências que utilizo:

 

Filmes: One Califórnia Day, Sprout, Lines From a Poem…

 

Livros: Greg Noll (The Art of the Surfboards), Leroy Grannis, Stoked, Eddie Would Go…

Shapers: Tom Wegener, Greg Noll, Bing Copeland, Rich Harbour, Hobie Alter, Dale Velzy, Hap Jacobs, Dewey Weber, Gordon & Smith.

 

Da nova geração, gosto das pranchas do Robin Kegel (Gato Heroi), Dave Allee, Paulo Jacinto, Michel Junod. São Shapers que unem com perfeição a linha das pranchas clássicas com algumas características técnicas que favorecem a funcionalidade das pranchas.

 

Surfistas: Alex Knost, Tom Wegener, Rasta, Joel Tudor, Tyler Warren, Jimmy Gamboa, CJ Nelson, Dane Perlee, entre tantos outros

 

Você pode ser considerado um dos pioneiros na fabricação de pranchas de madeira no Brasil e, agora, vem expandindo os horizontes com a produção de skates e camisas de neoprene. Como é o seu ritmo de trabalho atual e quais os planos para a marca Siebert nos próximos anos?

 

Na verdade sou pioneiro, ou um deles, apenas se considerarmos esta nova geração “pós pranchas de espuma”. No Brasil, antes mesmo da chegada das pranchas de blocos, já eram construídas pranchas de madeirite e pranchas ocas, baseadas nos modelos desenvolvidos por Tom Blake, quando estas estavam se popularizando na Califórnia. Vi uma destas, originais, no último Santos Surf Festival em janeiro deste ano, onde tive a oportunidade de expor meu trabalho e conhecer pessoalmente o criador desta prancha, Homero Naldinho.

 

Sobre os outros produtos, assim como as pranchas de madeira, acabei dando início a produção por necessidade própria. Queria um skate longboard para treinar as caminhadas como se faz no surf de longboard, mas nas lojas de skate, “longboard” significa skate de downhill. Daí, juntamente com alguns amigos, fiz alguns shapes de 60 polegadas.

 

Neste ultimo ano estamos com um grande volume de encomendas de pranchas. Estamos criando uma nova linha de skates que em poucos meses já deve estar disponível no site. Temos outros projetos que estamos desenvolvendo, mas ainda não temos uma estimativa de lançamento.

O próximo passo é dar início a exportação já que recebemos muito interesse do pessoal de fora do país, principalmente de Portugal e Espanha. Estamos apenas aguardando alguns ajustes burocráticos para iniciar este trabalho.

 

Clique aqui para conhecer mais sobre o trabalho de Felipe Siebert. 

 

Fonte Surf e Cult