Um papo com Gabriel Riolfi, shaper das pranchas The Board

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#Nosso correspondente no Rio Grande do Sul entrou na sala de shape de Gabriel Riolfi para mandar sua primeira reportagem. E, logo na matéria de estréia, André “Zebu” Corrêa mostra como é o trabalho deste shaper gaúcho, que já chegou a trabalhar na oficina do renomado Gary Linden. Confira a seguir os melhores momentos do papo entre eles.

Como foi seu primeiro contato com o surf?
Foi através do meu irmão. Eu tinha 11 anos de idade e ele fazia as pranchas Dani Surf. Nessa época eu já fazia quilhas, consertos e tive o primeiro contato com a produção de pranchas.

De onde surgiu o interesse em shapear?
Em 85, meu irmão foi para a Califórnia e eu fiquei tomando conta da fábrica, que nessa época já se chamava Yahoo. Ele deixou alguns shapes prontos, mas não foi o suficiente e eu mesmo tive que shapear as encomendas.

Quais eram as tuas funções na fábrica do Daniel?
Eu lixava e laminava as pranchas, enquanto Daniel era o responsável pelo shape. Meu interesse em fazer minhas próprias pranchas partiu daí. Comecei a shapear pranchas para meu uso pessoal aos 16, 17 anos. No ano seguinte, o Daniel retornou para a Califórnia e eu fui junto. Passamos um tempo trabalhando na oficina de Gary Linden, que na época era uma das melhores fábricas do mundo. Na volta, Daniel e eu abrimos uma fábrica em Tramandaí, que inclusive era uma das maiores do Brasil. Mas aquele foi o ano do plano cruzado, do Sarney, que quebrou muita gente, inclusive nós… Depois disso, a gente se separou. Daniel seguiu com a Yahoo e eu comecei a The Board.

Como você conseguiu abertura para chegar na Califórnia e trabalhar com um shaper tão renomado quanto Gary Linden?
Nós saímos do Brasil com a indicação da Clark Foam. É que o Linden já tinha morado no Brasil e falava português, e talvez estivesse precisando de funcionários na sua oficina para a temporada de verão. Fomos até lá, mostramos nosso trabalho e fomos contratados.

Depois desse período trabalhando com Gary Linden, tivestes outras experiências internacionais?
Em 97 tive a oportunidade de ir pela segunda vez para a Califórnia e acabei passando seis meses em Huntington Beach. Trabalhei nesse tempo numa fábrica que laminava várias pranchas de marcas famosas, como Al Merrick, Xanadu, Rusty e outras. Trabalhei também na oficina onde eram feitos os longboards Stewart. Foi um período em que pude dar uma atualizada em termos de design. Aprendi bastante pelo contato com pranchas famosas.

Como é o trabalho nessas oficinas, onde a produção é bem maior do que a maioria das fábricas brasileiras?
Eu entrei lixando prancha, atuando como um “coringa” na oficina. Qualquer setor que apresentasse alguma deficiência, eu ia lá e mandava ver. Com o passar do tempo, fui fazendo algumas pranchas pra mim e o pessoal começou a prestar mais atenção ao meu trabalho. Daí até chegar a shaper foi um processo de evolução gradual.

Você tem idéia de quantas pranchas já shapeou?
Acredito que já tenha shapeado cerca de 5.000 pranchas.

Em termos de shape, como tu vês o design hoje?
Em termos de design as coisas variam muito. Há muitas novidades, como as fishes. Na Califórnia os caras inventam muita coisa. Isso varia muito com o estilo de surf de cada um. Tem cara que gosta de uma prancha mais clássica, básica para que tem um surf mais maduro. É um surf de linha, de uma geração anterior em relação ao que vemos hoje. A molecada gosta de uma prancha para sair desgarrando de rabeta, menor, de repente uma fish…

E as quilhas móveis?
As quilhas móveis são uma boa opção para quem vai viajar. Dá para colocar várias pranchas numa capa só, dá para trocar o tamanho das quilhas na mesma prancha. E, além disso, as quilhas móveis não influenciam na performance da prancha. Mas, a meu ver a grande vantagem está no transporte. Imagina chegar numa trip de quilha quebrada?

E as viagens de free surf?
Fui três vezes para a Califórnia e uma vez para o Hawaii. Essas viagens foram mais para trabalhar que para surfar. O free surf me proporcionou conhecer o Uruguai e o litoral brasileiro, que eu já conheço todo. Quando estava na Califórnia tive a oportunidade de surfar em Baja California (México), uns picos muito bons. Agora, em 99, quero ver se consigo ir para a Indonésia depois do meu trabalho na Califórnia.

Você acha que os shapers locais tem uma vantagem em relação aos outros por conhecerem as ondas onde suas pranchas vão ser utilizadas?
Sim, pois para cada lugar é preciso uma prancha com um trabalho de shape diferente. No Rio de Janeiro, por exemplo, a onda é supercavada, superforte. A prancha precisa de uma borda mais faca. Aqui no sul e em Santa Catarina a onda é mais cheia, a borda precisa ser mais box. No Hawaii dá pra perceber bem isso: para Sunset é uma prancha, para Pipeline é outra. O shaper local sempre sabe de um segredinho a mais.

Seguindo esse raciocínio, então o shaper que surfa tem uma vantagem sobre aquele que não surfa ?
Todo bom shaper tem que ser um bom surfista. Tu tens que saber o que tu vais botar na espuma. Mesmo tendo um atleta na equipe, que testa as pranchas e dá um feedback, o teste pessoal dá um resultado direto. Se eu necessito de uma coisa numa prancha, eu vou ali, boto na espuma, testo e já vejo a diferença. É diferente de alguém tentar passar a informação pra ti. Se tu fores ver, os melhores shapers do Brasil, como Ricardo Martins e Victor Vasconcelos, pegavam onda muito bem até se profissionalizarem, inclusive correndo campeonatos. Isso valoriza muito o trabalho do shaper. Tem muita gente que nem pega onda e tenta fazer pranchas simplesmente pelo lado comercial da coisa. Não têm o feeling, não têm o contato com o mar…

Qual a diferença que tu percebes fazendo produção em grande escala, com a visão voltada somente pra atender o mercado; e aquela prancha estudada, acompanhando o atleta e seguindo uma produção mais artesanal?
Se tu queres fazer uma prancha para as lojas, a produção é maior. Tu não vai ter tempo de ficar medindo e vendo detalhes do shape. Faz-se, nesse caso, uma prancha básica. Mas é um tipo de trabalho que não funciona. A minha produção é em um número menor para poder compensar com um trabalho mais específico, tipo um “personal design”, uma prancha personalizada. O surfista vem até a oficina e me fornece as informações sobre o estilo de surf dele, a altura, o peso, para produzir a prancha adequada para aquele surfista. E depois ele pode retornar com a prancha que utilizou, para a gente analisar, rever as medidas e fazer um acompanhamento do design do surfista. Eu atendo só por encomendas para poder desenvolver um trabalho bem específico.

Você faz esse acompanhamento somente com os atletas da tua equipe?
Não, eu faço com todo cliente que estiver interessado em vir até aqui é bater um papo comigo, trocar informações. Com o pessoal da equipe, todo shaper faz um acompanhamento obrigatoriamente. O que muitos fabricantes estão deixando de fazer é este acompanhamento com o surfista amador, com os clientes.

Qual o tipo de fundo que você mais utiliza?
O tipo de fundo também varia com o tipo de onda. O que mais se tem usado é um single concave no meio da prancha e um double concave no meio das quilhas. A maioria dos shapers estão utilizando esse tipo de fundo, lá fora também, pois é um design que dá velocidade e deixa a prancha solta.

E sobre a tendência instalada pela volta das fishes, de encurtar as pranchas visando ganhar mais controle?
Após o Tom Curren surfar e arrebentar no Hawaii em ondas de tamanho considerável com uma biquilha swallow muito pequena, pegou um modismo passageiro em algumas pessoas. Isso porque uma pranchinha desse tipo é fácil de manobrar e desgarrar de rabeta, mas é uma prancha que não tem muita projeção e velocidade suficiente para o surf atual. Sobre o fato de se encurtar o tamanho das pranchas acho bom para ondas pequenas, pois é possível dar um maior número de manobras por onda. Mas o surfista tem que ficar atento se for usar uma prancha menor e nunca esquecer de compensar na espessura e na largura.

Recentemente o shaper Greg Loher concedeu uma entrevista na revista Surfer falando sobre o desperdício de material gerado pela produção de pranchas. Como tu lidas com essa questão?
Em primeiro lugar, é preciso dar um destino para esse tipo de lixo. Assim como as pessoas estão tentando modificar seus hábitos no que diz respeito ao lixo doméstico, o lixo da indústria do surf deve ser tratado de forma diferenciada. É preciso designar um local adequado. Como os produtos utilizados são líquidos que ficam sólidos depois de processados, a reutilização fica difícil. Algumas pessoas já fizeram pranchas de sobras, mas isso é antiprodutivo. Demora muito e compromete o resultado final. Esse é um problema que deve ser trabalhado junto aos profissionais da química, que sabem mais do que nós designers sobre esse tipo de assunto e podem nos auxiliar no aproveitamento deste material, que chega a ter uma perda de quase 50%. No meu método de trabalho aqui na The Board, acredito que cerca de 60% a 70% do material seja totalmente aproveitado. É preciso adequar o método de trabalho. Tu não vais pegar um bloco 7′ pra shapear uma 6’2″. Tem que procurar fazer a prancha com o limite máximo do bloco, com o maior aproveitamento possível.

Tendo trabalhado na maior indústria do surf, nos EUA, como tu vês essa questão comparando com o Brasil?
Lá eles desperdiçam muito mais. O que ocorre nos EUA é o oposto daqui. O material é mais barato e a mão de obra especializada é muito mais valorizada. Por isso eles não dão muita importância para o material, jogam resina fora. Aqui no Brasil esse desperdício é mais controlado.

Qual é a diferença quando tu fazes uma prancha para um surfista amador e para um profissional?
Olha, o cara que vai surfar só no final de semana vai ser um surfista mais sedentário, com menos preparo. A prancha desse surfista não pode ser tão fina, com pouca flutuação. A exigência sobre a prancha vai ser um pouco maior por parte do surfista amador. Ele tem que ter uma prancha com mais flutuação, para ficar mais à vontade, tanto para entrar na onda como no mar.

Com que base os surfistas amadores escolhem um ou outro tipo de prancha?
O surfista geralmente escolhe a prancha de acordo com a experiência que tem. De repente, se alguém vê um vídeo de um surfista e gosta do estilo, pode ser que ele tente seguir esse estilo fazendo uma prancha parecida. Se tu olhares o Kelly Slater surfando, tu tens que ter a noção de que a prancha dele funciona para ele. Tu não vais sair arrebentando simplesmente por ter adquirido uma prancha semelhante, ou da mesma marca. Cada atleta vai surfar sempre em relação a ele mesmo. Tempo de surf, altura, peso, tipo de onda a ser surfada, a meu ver, são os principais fatores que determinam o tipo de prancha para um surfista.

Quais são os surfistas da tua equipe?
Eu tenho alguns surfista amadores, como o Luís Augusto Corrêa e Maurício Arpini, que estão correndo campeonatos com minhas pranchas. Também estou patrocinando o profissional Fábio Carvalho, de Imbituba, que está se dando bem com minhas pranchas. Ele está correndo o circuito catarinense e vai começar a disputar o brasileiro, o qual esteve um tempo fora, pois estava sem patrocínio.

Como você vê o surf e o shape gaúcho em relação ao restante do país?
O surf gaúcho é um surf mais novo. No Rio e em São Paulo há shapers que trabalham na área há 30, 40 anos, enquanto que os shapers mais velhos aqui têm cerca de 20 anos de shape. A indústria aqui é nova, mas o gaúcho tem uma característica batalhadora, de alguém que vai em busca da perfeição. Estão se formando shapers bons aqui, o pessoal está começando a viajar em busca de aprendizado com o pessoal lá de cima, que é onde o surf começou e de onde ele veio.

Como é a sua relação como os outros shapers profissionais?
Já conversei com muitos shapers aqui do Brasil, mas o contato não é muito freqüente. Acho que faltam oportunidades para troca de idéias. Já troquei idéia com o Ricardo Martins e com o Gustavo Kronig em alguns campeonatos no Rio. Acontece que, assim como os surfistas, cada shaper desenvolve seu tipo de design. Então cabe aos surfistas e shapers manterem uma comunicação que possibilite a maior troca de informações possíveis, adptando estilos e necessidades.

Os shapers do Rio fundaram uma associação de fabricantes de pranchas. Eu gostaria que você fizesse um comentário à respeito.
Eu até não estou muito a par dessa associação. Aqui no RS a gente já teve uma associação dos fabricantes. Mas foi uma coisa que não deu muito certo, rolaram muitos interesse pessoais que comprometeram a idéia. Tomara que essa associação dos cariocas dê certo.

Quantas pranchas você produz mensalmente?
Depende da época, se é verão ou inverno. Eu faço uma média de duas pranchas por dia, três no máximo. Poderia até fazer mais, se eu quisesse. Mas a minha meta é fazer menos pranchas com mais qualidade.

Onde você vende mais?
Vendo mais pranchas aqui dentro do estado mesmo. Estou vendendo muitas pranchas para o Uruguai agora e alguma coisa para Santa Catarina, mas muito pouco. Até devido a minha divulgação ser mais forte aqui dentro do estado e por não ter uma produção muito grande. Às vezes é difícil dar conta só das encomendas do pessoal aqui do RS.

Como você vê as diferenças entre materiais importados e nacionais?
Os materiais utilizados agora também são produzidos no Brasil. A qualidade superior dos materiais importados deve-se aos anos de experiência que possuem, e também por vantagens tecnológicas. O bloco aqui no Brasil já atingiu qualidade internacional. Eles trazem a matéria-prima e depois ela é expandida aqui. O tecido ainda está vindo direto de lá, assim como a resina.

E a velha questão de desenvolvimento versus preservação?
Essa é uma questão de educação. Se tu projetares o desenvolvimento, pensando na ecologia, e tiveres uma estrutura melhor, já vai auxiliar na preservação. As pessoas aqui ainda não têm uma consciência de preservação.