Leitura de Onda

Todo poderoso Mineiro

0

 

Adriano de Souza vence em Portugal e entra na boca do povo no Centro do Rio. Foto: © ASP / Cestari.

Saía de uma bateria estafante de reuniões de gravata do mundo real quando um advogado gente boa, de alma leve, me parou no corredor: “Você viu?” Fiz cara de paisagem, e ele emendou, certeiro: “O Mineiro acabou de vencer o WT de Portugal! Matou o Slater na final!”

 

Primeiro veio o orgulho. Adriano tinha ganhado, ali, o status de time de futebol: virou assunto de corredor de firma. A vitória foi contada com um leve ar de surpresa, como se o garoto fosse um time menor a atropelar impiedosamente o favorito. Kelly Slater entrará na água sempre com a vantagem de simbolizar a maior equipe, o surfista que todos sonham derrotar.

 

Meus olhos continuaram brilhando de orgulho também porque, até o momento em que eu pude acompanhar ao vivo, o evento vinha sendo realizado num mar de tubos infinitos. Os gelados salões portugueses proporcionaram uma das médias de pontuação mais altas da história do circuito mundial – a quantidade de notas acima de 8 lembrou o The Search do México, vencido pelo inesquecível Andy Irons.

 

Na primeira janela que tive para escapar do mundo real, recapitulei todo o evento, bateria a bateria. Foi um evento realmente espetacular: vários surfistas perderam fazendo somas de duas ondas superiores a 17 pontos.

 

Adriano chegou na casa dos 17 pontos em apenas uma bateria, mas venceu o WT de um dos jeitos que seu adversário da final mais gosta: sem fazer alarde, sem ser o surfista do evento, sem atrair o holofote, com maturidade, talento e tática. O mais importante numa competição é surfar o suficiente para derrotar o adversário, e o brasileiro fez isso com maestria.

 

Quando precisou, arrancou a fórceps de juízes sua primeira nota 10 no WT, com um tubo de jogo de videogame. Na final, botou Slater na parede com uma nota 9 – pediu, com paixão, um 10, mas os juízes estavam com o achatador de notas Tabajara ligado, já que a bateria era contra o cara prestes a conquistar seu 11º título mundial.

 

Ainda no corredor da firma, fui assaltado pela sensação de admiração. Adriano tem uma cabeça absolutamente poderosa. O mundo – e isso naturalmente inclui o colunista que vos fala – o deixou de lado nas últimas etapas. Primeiro, pela disputa pelo título do ano; depois, pela renovação aguda promovida pela novíssima geração, com Gabriel Medina na ponta.

 

Por tudo isso, a bela luz de outono em Portugal apontava para outras direções: Gabriel Medina, Julian Wilson, Kelly Slater, Owen Wright, não necessariamente nesta ordem. Mas o melhor surfista da história do Brasil no circuito mundial acendeu a sua própria luz. A determinação está no olho dele, e a usina que a mantém acesa é o coração.

 

É um pouco como o grito das arquibancadas. Para ser o “todo poderoso”, basta acreditar nisso, repetir como mantra. E o corintiano Adriano acredita.

 

Kelly Slater sabe disso. Digo mais: tem raiva, reage quando nota a paixão no olho do brasileiro. Ao ser derrotado, deixou claro, como sempre, o discurso de mau perdedor. Não admitiu ter perdido porque seu adversário surfou melhor, e sim por um erro no jogo de prioridades.

 

Adriano, em vez de se importar com a declaração, alimenta-se dela. Volta com mais gana ainda, para desespero de seus adversários.

 

Com o título, Mineiro começa a consolidar seus sinas de grandeza. Primeiro, encosta em Fábio Gouveia no recorde de vitórias em etapas do WT. Está a apenas uma de igualar o feito do paraibano. E, na sequência, e ainda mais importante, caminha a passos largos para se igualar ao bom Victor Ribas, terceiro no circuito em 1999, como brasileiro mais bem colocado numa temporada.

 

Sentado num hall antes da próxima reunião de gravata no mundo real, bateu uma leve angústia por não estar acompanhando de perto um dos anos mais brilhantes dos surfistas brasileiros na história do WT. Relembrem: duas vitórias de Adriano, uma vitória de Gabriel, dois pódios e bons resultados distribuídos por Alejo Muniz, Heitor Alves e Jadson André e, por último, mas não menos importante, Raoni Monteiro na nota dez mais incrível do ano, num tubo aterrorizante no dia mais fora de controle da história do WT de Teahupoo.

 

O Brasil ainda tem na manga o talento de Miguel Pupo, que surfou bem em Portugal, e mais uma leva de aerialistas loucos para furar a barreira do WT na próxima rotação do circuito.

 

A secretária anunciou o início de mais uma reunião da firma. Achou estranho me ver com um indisfarçável sorriso no rosto, apesar de estar há horas entre gravatas e metas. Eu estava dentro de um escritório finamente decorado num prédio alto do Centro do Rio, mas por um momento me senti como se estivesse em São Francisco, para ver o emocionante e vivo WT.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".