Taiu Bueno

A vida de Taiu Bueno

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Dono de uma trajetória cheia de reviravoltas e um incrível exemplo de superação, Taiu Bueno olha para o futuro com a mesma garra e vitalidade que marcaram sua carreira no surf.

(Entrevista publicada na edição 336, de outubro de 2013)

Por Edinho Leite 

No dia 1º de novembro de 1991, a comunidade do surf brasileiro foi nocauteada com uma notícia improvável e chocante. Um dos principais atletas da época, exímio tube rider e acostumado a enfrentar as grandes e pesadas ondas havaianas com disposição e coragem ímpares, sofrera um acidente em ondas de 1 metro na praia da Paúba, litoral norte de São Paulo. Aos 29 anos, no auge de sua carreira e de sua capacidade atlética, Otaviano “Taiu” Bueno ficou tetraplégico. Depois de uma onda mal completada na rasa bancada de areia, ele caiu de cabeça, quebrou a quarta vértebra cervical e teve traumatismo da medula espinhal, perdendo para sempre os movimentos do pescoço para baixo. Foram anos de adaptação à nova realidade até ele aceitar a condição que o destino lhe reservara, mas Taiu nunca saiu de cena do universo do surf.

Em 2010, quase 20 anos depois do acidente na Paúba, a comunidade do surf voltou a ser surpreendida com uma notícia improvável sobre Taiu. Dessa vez positivamente. Taiu estava de volta ao mar e ao surf. Graças ao esforço conjunto de amigos e colaboradores, ele ganhou uma prancha de SUP adaptada com um assento montado sobre ela para sentir de novo a sensação de deslizar sobre as ondas. Taiu voltou a sentir a vida pulsando dentro de si. Desde então, a prancha foi reformada e melhorada e as sessões de surf se tornaram novamente parte de sua rotina.

Autor do livro “Alma Guerreira”, de 99, ele está finalizando a produção de uma nova obra, “Alma Guerreira II – Na Onda do Espírito”, com previsão de lançamento no início do ano que vem. Ainda, uma equipe de produtores está trabalhando na produção de um filme sobre sua história, e ele pretende enriquecer as filmagens com uma sessão de surf no Hawaii. Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade a FLUIR no apartamento onde vive na praia das Pitangueiras, Guarujá (SP), Taiu, hoje com 50 anos, fala das memórias no surf, do acidente, de seus projetos, de superação, da intenção de investir na carreira política, de sua relação com Deus e outros temas. 

Quando será lançado e o que seus fãs podem esperar de seu novo livro, “Alma Guerreira II – Na Onda do Espírito”?
Estou na fase de correção e a partir deste mês, outubro, o material já estará na editora. Acredito que no início de 2014 será lançado em algumas cidades do Brasil. Esse livro é a continuação do “Alma Guerreira”, que lancei em 1999. Nele, conto de uma forma diferente a minha história, o acidente e tudo que passei e passo até hoje. Se o primeiro livro tinha histórias de surf, este deve abordar mais as minhas experiências atuais, vivendo na condição de tetraplégico, me locomovendo numa cadeira motorizada, o surf adaptado, as loucuras e roubadas que passei. 

Como foi escrever outro livro, 14 anos depois de “Alma Guerreira”?
Escrever um livro é um processo “entortador” de dentes (risos). Eu uso um palito na boca para escrever, e escrever tanto assim exige muitas palitadas. Mas foi uma viagem escrever novamente sobre o acidente, porque dá flashbacks. Eu vivo uma realidade e uma rotina muito diferentes hoje, que acredito valer a pena compartilhar. A minha história e situação hoje podem ajudar muita gente. O livro “Alma Guerreira” é muito útil para quem está sofrendo alguma provação nesta vida. A ideia de lançar outro livro veio a partir de um convite de uma editora, em 2007, para reeditar o meu livro. Achei melhor reescrevê-lo, mas só consegui terminá-lo este ano.

Além dos livros, existe um filme sendo produzido sobre você. Qual a sua expectativa e como tem sido o processo de produção?
Produzir um filme da minha história é algo que sempre quis fazer. Antes de voltar a surfar, já dava para fazer um filme. Mas, depois que surgiu a possibilidade de praticar o surf adaptado, a história ganhou novos contornos. Conheci o Flavio Sinkus em 2010, ele ficou empolgadíssimo com a ideia e começou a trabalhar nisso. O nome inicial do filme é “Aloha”, já existe até um trailer. Nós fizemos uma reunião, contratamos uma empresa de marketing cultural e uma produtora e já estamos com o projeto aprovado na Ancine. O filme vai ser sobre essa história de superação, vai ter muito surf, o impacto do acidente e as consequências, a questão da reabilitação, inclusão e acessibilidade. Pretendo realizar a superação máxima do meu surf adaptado e pegar umas ondas no Hawaii! Ainda estamos no processo de captação de recursos, pois temos a lei de patrocínio incentivado a nosso favor.

Como é a sua rotina hoje, em relação a exercícios físicos, cuidados médicos, família, amigos, programas etc.?
Todo dia tenho uma pessoa treinada que chega pela manhã para me tirar da cama. Ela faz uns exercícios nas minhas pernas e braços, depois tomo banho, visto a roupa e fico pronto, sentado na cadeira motorizada. A partir daí, sou quase 100% independente. Só vou precisar de ajuda para comer, tarefa da minha esposa, Diana, ou então abrir a porta do elevador para descer. Eu tenho acesso ao computador e ao telefone com o palito na boca e ao celular com fone de ouvido com atendimento automático. Com a minha cadeira motorizada faço muita coisa, vou a banco, supermercado, correio, pego ônibus, passeio com os cachorros. Eu sou casado com a Diana há dez anos, ela está sempre ao meu lado quando preciso, mas somos independentes. Ela faz faculdade, já trabalhou, mas sempre está conectada comigo.

Você se considera o exemplo mais literal da expressão “surfista de alma”?
Sim, totalmente! Parei de surfar fisicamente em novembro de 1991, mas a minha alma nunca deixou de surfar. Todas as ondas, alegrias das viagens, emoções das baterias e a fissura sempre continuaram comigo. Agradeço a Deus sempre pela oportunidade que eu tive de viver a vida que sonhei quando garoto por alguns anos, e que foram suficientes. É claro que poderia ser mais, que eu poderia estar surfando até hoje, mas cada um tem seu próprio caminho, e não somos nós que decidimos isso. Surfar com a prancha adaptada, sem fazer força física, é o que eu chamo de “levar minha alma para surfar”. Não tenho palavras para agradecer as pessoas que têm me levado de volta às ondas.

Nesses 22 anos desde o acidente, quais foram suas maiores conquistas?
Foram muitas, mas a maior de todas foi ter sobrevivido. Ter a chance de reaver a minha vida após quebrar o pescoço. Fora isso, a minha maior conquista é saber que tenho reconhecimento, carinho e admiração de tantas pessoas. Uma grande conquista foi ter me casado com a Diana, porque eu corri muito atrás dela! Escrever dois livros também entra na lista, assim como voltar a surfar. Fiquei muito feliz de ter conquistado 3.800 votos de confiança na minha candidatura a vereador em São Paulo. Fico feliz quando faço a locução em campeonatos, ou escrevo um texto impactante sobre algum assunto. 

E quais foram as maiores dificuldades?
Uma delas é chegar aos locais que não têm acessibilidade. Outra é depender das pessoas. Mesmo sem o movimento das pernas, se eu pudesse mexer os braços tudo seria mais fácil. Coisas como escovar os dentes, coçar meu rosto, segurar algum objeto. Essas são algumas coisas que no início me desesperavam. Saber que minhas coisas estavam desarrumadas e eu não conseguiria nem ajeitar uma gaveta ou arrumar meus arquivos e que pra conseguir isso eu teria que depender da ajuda dos outros. Tem pessoas que são tranquilas para fazer as coisas por você, agora tem outras que é difícil, é complicado lidar, tem que ter habilidade. Tem o lado da paciência, de saber pedir, é complicado, mas estamos aí. Eu já estou há mais de 20 anos nessa.

Como você descreve a prática do surf mental?

Essa coisa de surf mental é ficar imaginando as ondas. No começo a frustração de não surfar era grande, a pior sensação do mundo. Depois veio aquele choque de cair a ficha de que eu nunca mais surfaria. Mas, diante das dificuldades em não poder mexer o braço, não poder coçar a cara, comer, fazer as coisas do dia a dia, surfar é o de menos. Se eu pudesse andar e fazer minhas coisas, botar um terno e ir trabalhar, algo que eu tinha pavor, passaria até a pensar que “ser executivo e trabalhar na avenida Paulista não é tão ruim”. Então eu fazia uma espécie de surf mental e começava a imaginar as ondas e viajar, a me ver na onda. Todo mundo pratica surf mental, é uma coisa natural. 

Qual a sensação de estar de novo deslizando nas ondas, depois de tantos anos longe do mar?
A primeira vez que fui para Maresias e olhei o mar, estava rolando 1,5 metro de onda com terral, e os caras que estavam comigo falando: “Vamos cair”. Na época eu ainda não tinha a cadeira motorizada e ficava lá plantado, olhando e pensando: “Meu Deus, por quê?”. Sofria de ficar só olhando. Entre 2005/06 começaram a aparecer as pranchas de SUP, e eu pensei: “Quer saber? Uma hora vai dar pra mim”. Mas não imaginava pegar onda. E, com essa minha prancha adaptada, dá para dar um drops, essa que é a loucura. E eu já dropei umas ondas de responsa e dá muita adrenalina. Porque estou vulnerável e, quando você cai, e eu já caí algumas vezes, você depende dos outros pra te resgatar, passa uns flashbacks na cabeça, é uma loucura.

Como foi lidar com a contradição de continuar amando o universo que te colocou nessa condição? Teve algum momento em que sentiu raiva do mar?
Desde que me acidentei e estava deitado nas areias da Paúba, por mais anestesiado que estivesse, não tinha noção de que era uma lesão na medula e que era irreversível. Eu pensava que ia me recuperar. Durante um ano eu ficava na expectativa que uma hora ia voltar, pois existem pessoas que em três ou seis meses, até mesmo um ano, voltaram. Foi essa esperança que me deu forças. Dizem que não há ferida que o tempo não cure, mas o tempo foi passando e percebi que não é bem assim. Houve uma evolução na minha saúde, eu consigo ficar um tempo sentado, mas ainda há muitos problemas. Depois que saí do hospital, quando voltei pra casa, me deu um mal-estar, o braço formigando, um calor, era verão, eu passava mal, ficava com febre. Pô, o que eu vou fazer da minha vida? Aí veio a revolta. Você não sabe o que fazer, está acostumado a andar. Eu passeava de carro por São Paulo, todo mundo andando pra lá e pra cá e eu ali, imobilizado. É muito estranho no começo. Na real você nunca se acostuma, você se adapta. Senti raiva, sim, mas uma das coisas que me ajudaram a segurar a onda foi a alegria de ter surfado bastante. Na época do acidente eu tinha acabado de voltar de Desert Point e pegado altos tubos. Minha alma tinha muita energia boa. Eu fechava os olhos e ficava lembrando as ondas que peguei, isso me confortava muito. Afinal, eu podia não ter tido essa chance. Mas toda vez que chegava 1º de novembro era um pesadelo, o aniversário do meu acidente. Foi igual na Paúba. Eu tinha o maior trauma de passar ali.##

E você tentou superar esse trauma?
Eu não queria ficar com esse trauma para o resto da vida. Eu pensava na curva Tamburello (em Ímola), onde Ayrton Senna se acidentou e morreu, e imaginava que a família dele deve odiar esse circuito, essa curva. Às vezes eu pensava o mesmo da Paúba, mas depois refleti: “Por que vou ficar com esse trauma da Paúba? Foi lá, mas podia ter sido na Indonésia, ou em qualquer lugar, até um acidente de carro”. Então decidi ir lá ver como seria. Quando entrei deu aquele flashback, fazia dez anos. Reparei que árvores tinham crescido. Havia mais casas. Lembrei que da última vez que estive lá fui dirigindo meu carro, com meu amigo Cebola do lado. Estacionei no mesmo lugar, fiquei olhando o mar. E percebi que não tinha razão para continuar sustentando aquele trauma. Então rolou um lance curioso. Estava rolando uma etapa do SuperSurf e o pessoal da MTV veio perguntar se eu toparia fazer uma matéria com eles na Paúba, seu eu tinha algum problema em ir lá. Eu disse que tinha acabado de eliminar o trauma e topei. Aí eu pedi pra pegarem uma água de coco, fiquei “pagando um sapo”, dizendo: “Essa onda tentou me derrubar, mas não conseguiu, olha eu aqui”. Eu estava mastigando uma bala na hora que me colocaram no carro e comecei a engasgar, o som estava alto e eu sozinho ali. Eu não tenho força pra tossir, tenho que deitar e alguém empurrar minha barriga. A primeira pessoa que chegou não reparou, a segunda viu e perguntou o que estava acontecendo, aí pedi pra me deitar, eles deitaram o banco do carro e começaram a empurrar minha barriga até que a bala pulou. Eu pensei: “Meu Deus, se eu morresse aqui ia ser ridícula a notícia que eu voltei na Paúba e morri engasgado com uma bala” (risos).

Como foi a reforma da sua prancha, a “Jabiraca”?
A prancha é a mesma que foi feita em 2010. Ela tem 14 pés, com bastante flutuação. Já tinha uma estrutura de alumínio que um amigo tinha feito e começamos a desenvolver um novo assento. A casca fizemos com um molde sentado no sofá, você faz o molde de plástico e resina epóxi, fibra no meio, e você senta e tira um molde do corpo. Foi o Cebola que desenvolveu dessa vez. Está muito melhor agora. Foi daí que surgiu o projeto do filme, do sonho máximo que é pegar onda no Hawaii. A princípio eu falei: “Quero pegar onda em Sunset”. Mas se você analisar bem é uma loucura, não sei se vai dar certo. É melhor pegar uma ondinha mais perfeita, tipo Waikiki. 

Com que frequência você tem surfado?
Ah, bem pouco. Depende do mar e do tempo. Mas os caras estão sempre disponíveis, o Jorge Pacelli ou o Danilo “Mulinha”. São os dois pilotos, mas pode ter outros. Quando é um supista, tem que ser um cara habilidoso. 

Você acompanhou e participou do nascimento e do crescimento da FLUIR. Imaginou que uma publicação especializada se manteria ativa durante 30 anos?
Não, eu não tinha essa noção na época. Eu me lembro de quando eu vi a primeira FLUIR. Eu estava morando no Hawaii em 1983, estava na casa do fotógrafo Paul “Gordinho” Cohen, e ele disse: “Olha a revista que lançaram”. Eu lembro que na época tinha a “Visual Esportivo”, do Nilton Barbosa, e quando eu comecei a pegar onda, em 1975, lançaram a “Brasil Surf”, que durou três anos. No Hawaii, você ia na banca e via a “Surfing” e a “Surfer”, eram lindas, com altas fotos. Aí quando eu vi aquela revista brasileira, meio caseira, do Bruno (Alves, um dos fundadores), eu pirei. Porque na verdade eu estudei com o Bruno no mesmo colégio e ele me mostrava as fotos dele no recreio, as viagens que fazia de Kombi pelo Brasil, e eu pensava: “Nossa, esse cara é muito louco, pegou as fotos das viagens que ele fez e lançou uma revista”.

Qual foi sua maior conquista na carreira de surfista?
Não teve uma única, mas entre elas estão as viagens que eu consegui fazer, as ondas que peguei. Teve o swell que peguei em Desert Point um mês antes de me acidentar. Parece que foi Deus dizendo: “Vou dar essas ondas pra você pegar”. Os caras estão indo para Desert Point agora e falando “nossa, que onda” e nós fomos lá 20 anos atrás. Eu queria voltar pra Bali, mas o meu problema é o avião. É muito apertado, mas quem sabe um dia eu volto. Uma grande conquista é o reconhecimento que eu tenho e o fato de ser tão querido. Outro foi quando eu ganhei aquele Campeonato Brasileiro em Ubatuba.

Qual a viagem mais memorável que você fez?
Bom, as que fiz para o Hawaii e as épocas em que morei lá são inesquecíveis. As de Bali também. Indonésia e Hawaii não tem igual, né? Mas também fui para a África do Sul. Europa também foi legal.

E qual foi a maior roubada que já passou numa surf trip?
Felizmente nunca passei tanta roubada, tirando o acidente na Paúba, que foi a pior. Mas teve uma viagem para Bali, em 1985, em que estavam o Cinira, o Dardhal, o Zecão e o Cação, que marcou. Fomos pra G-Land e pegamos um barco que o cara disse que não podia ligar o motor, então fomos com a vela. Quando começamos a viagem, estava aquela calmaria, saímos de tarde e eu lembro que estávamos navegando e os caras apontando os picos: “Ali é Uluwatu, olha o estreito da ilha”, e não tinha vento, estava lindo. De noite entrou uma tempestade que arrancou tudo que era vela. O barco pra lá e pra cá, e não podíamos ligar o motor, então demorou muito e ficamos lá sofrendo na escuridão já em frente a Java. “Olha lá o surf camp, vamos entrar.” E o capitão americano tentando entrar e não era G-Land, ele entrou errado e ficamos perto da costa no meio da tempestade. O perigo era bater nos corais. Aí ele voltou e tinha quebrado as duas velas maiores e sobrado só uma pequena. Então ficou todo mundo enjoado e o Dardhal passando mal. Foi uma viagem de terror, a pior do mundo. Quando a gente chegou em G-Land depois de um tempão, não sei quantas horas, eu decidi ir embora sem nem pegar onda, mas depois que você cai no mar o enjoo some. Eu já estava parado havia um mês, peguei umas ondas e fiquei por lá mais uns cinco dias. E depois na hora de voltar a gente decidiu voltar de ônibus. Chegamos depois de muita canseira e acabamos encontrando o capitão. “Você já chegou?”, perguntamos espantados com a rapidez. Ele respondeu: “É que eu liguei o motor”. Na hora ficamos putos, mas depois soubemos que ele tinha algum esquema com tráfico de drogas, por isso não ligou o motor na ida. Então até que saiu barato.

Quem foram seus ídolos no surf durante a infância e a adolescência?
Logo que comecei a pegar onda o melhor aqui no Brasil era o Paulo Tendas, e eu também era fã do seu surf, Edinho. Mas ídolo mesmo, que a gente via nos filmes, era o Shaun Tomson, que era casca-grossa, tinha Mike Purpus, Larry Bertlemann. Agora o cara mais casca-grossa que eu via que surfava muito era o Picuruta Salazar, mas era aquele cara que só via de longe. Tinha até medo dele e da turma dele, eles eram muito selvagens.

Qual é sua relação com a religião, possui alguma crença ou fé?
Hoje eu sou cristão, sou de Jesus, vou à igreja. Evangélico mesmo. Eu sempre fui católico, estudei em colégio de padre, mas nunca fui praticante. Sempre acreditei em Deus. Eu via o Jojó (de Olivença) nos campeonatos e eu queria ter aquela fé dele, mas não sabia no que acreditar. Depois de muito tempo eu assisti a um filme chamado “O Livro de Eli”, que me tocou muito e mostrou a importância da Bíblia. Eu me transformei e agora eu acredito em algo.

Como foi a decisão de tentar uma carreira na política e quais foram suas principais motivações? Você pretende dar continuidade?
Existem algumas causas pelas quais eu acho que vale a pena lutar, como a questão da acessibilidade. Quando saio pelas ruas eu sinto na pele os problemas dos buracos desta cidade. Minha mãe veio pra cá e levou um tombo, teve que tomar dois pontos no queixo porque a calçada é toda esburacada. Eu já escutei muitas pessoas falarem isso de tomar tombo e se machucar, principalmente pessoas idosas. Uma cidade que é para aposentado, para idoso, para turismo, o mínimo que você espera é ruas e calçadas bem cuidadas, mas está tudo esburacado. E vai falar que não tem dinheiro? Olha o valor do IPTU. É uma política muito viciada, todos já entram no esquema. Tinha que entrar um cara “cabuloso”, que tivesse independência, sem ser bancado por empresa, porque depois fica devendo favores. Eu pretendo, sim, continuar tentando um cargo na política, quero mostrar o meu potencial. Gostaria que essa nova geração que só me conhece de “ouvir falar” ajudasse a me eleger. A nossa chance de mudar alguma coisa é através do voto. Eu ainda não desisti. Fui candidato a vereador em São Paulo e achei que os surfistas da cidade iam me eleger, porque lá tem muitos. Só que na hora eu não sei se entrou um swell e todo mundo foi surfar e eu tive 3.800 votos – o que para mim é bastante, mas faltaram uns 20 mil. Vou continuar tentando porque eu sei que eu vou representar ali uma parte da população. E o maior tesouro que eu tenho é meu nome. Tem que ter uns loucos que nem eu a fim de fazer o bem. O pessoal não tem mais ideal, só quer saber de ganhar dinheiro, as pessoas estão podres. Sinceramente, eu não sei para onde iremos. As coisas tinham que mudar radicalmente. Por exemplo, políticos e seus familiares tinham que estudar em escola pública e ser atendidos no SUS, pois é a única forma de melhorar a saúde e a educação.

Como funcionam suas palestras motivacionais?
Eu já fiz algumas em empresas e escolas, é muito legal. Eu conto minha história, tem as imagens, é uma coisa bem empolgante. Acho que minha história é inspiradora. Teve uma em especial que fiz no Sul para uma empresa de seguros que foi interessante. Eu contei que eu sempre tive plano de saúde, mas logo após o acidente eu descobri que estava sem porque meu pai tinha parado de pagar três meses antes. Quando eu falei isso na palestra, a plateia soltou um sonoro “Oh!”. Por causa disso meu pai teve que vender um apartamento de US$ 100 mil para pagar o hospital. 

Quais foram as principais lições que você aprendeu nesses 22 anos desde o acidente?
Acho que aprendi a ter paciência e saber que a vida passa rápido. É bom aproveitar bastante cada momento. Saber também dar valor aos amigos. Você vê os caras me levarem para surfar, é uma loucura. Eles se sentem felizes também. Tem pessoas que diziam que eu era sacana, mas eu nunca fui sacana. Acho que evoluí como ser humano. Antes eu estaria preocupado com a minha prancha, com o swell que eu ia pegar. É uma coisa que, se você é surfista como eu era antes, não se preocupa com mais nada. Só com sua viagem, com seu patrocínio. O surfista é um cara muito egoísta. Eu lembro que o Martin Potter na época falou o seguinte pra mim: “Eu não sou um cara legal competindo”. Porque você não pode ser legal nem ser amigo dos outros. Nós vivemos em um mundo competitivo.

Quais são seus planos daqui para frente?
No curto prazo, quero realizar o filme, fazer a trip pro Hawaii e finalizar meu livro, além de dar continuidade às palestras motivacionais. Talvez fazer uma faculdade de história. E pretendo me candidatar novamente a algum cargo político. Antigamente, quando eu era surfista e não pensava nisso, eu jamais conseguiria encarar. Mas, hoje em dia, pode colocar o desafio que for na minha frente que eu passo por cima.

(Entrevista publicada na edição 336, de outubro de 2013)