Leitura de Onda

Sobre drogas e doping

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Neco Padaratz: primeiro atleta da ASP punido por doping. Foto: Ricardo Alves.

Dizem que o perigo mora na subjetividade da lei. Não é preciso sair do universo dos surfistas para provar a tese: um PM corrupto usa a permissão de revista em blitz desde que haja “fundada suspeita”. É fácil subverter o conceito: fundada suspeita virou prancha no rack.

 

Policiais mal intencionados sempre seguiram à risca uma lei tácita, consagrada por um velho delegado brasileiro, conhecido pelo preconceito contra surfistas e artistas na época da ditadura. Ele dizia que “nem todo maconheiro é surfista, mas todo surfista é maconheiro”.

Quando, por acaso, após vários tiros na água, maus policiais encontram um surfista maconheiro, agem como vencedores. “Eu já sabia”, dizem. E enquadram o garotão numa lei muito mais perversa do que o efeito da droga que ele gosta de consumir.

Em caso de pessoas públicas, atletas ou não, há um terror ainda maior: o dano de imagem. O corte seco da imprensa transforma, no dia seguinte, a celebridade em vilão drogado.  

Em 2005, Neco Padaratz tornou-se o primeiro atleta da ASP punido num exame anti-doping. Caiu na malha da WADA (World Antidoping Agency) durante a etapa do WT da França, país que obriga a realização de testes em todos os eventos esportivos mundiais.

Neco havia usado esteróides durante um tratamento para um sério problema nas costas que teve na carreira. Uma ressalva: no surfe – quem está na água sabe – nem sempre a condição física extrema é determinante. Mick Lowe permaneceu muitos anos no tour para provar que o talento muitas vezes prevalece sobre o corpo.

O duro golpe foi sofrido por Neco quando ainda estava no topo da carreira competitiva. Mais que o afastamento, na época, a notícia gerou um dano de imagem para a carreira do atleta.

Na mesma época, outros dois surfistas fizeram exame de doping: foram encontradas, na urina de ambos, traços das tais drogas recreativas, que incluem álcool, maconha, cocaína e outros narcóticos. Os nomes dos envolvidos não foram oficialmente divulgados pela ASP.

Particularmente, não entendo a inclusão de álcool e maconha na lista da WADA, salvo para esportes excepcionais, como automobilismo e motociclismo. As duas substâncias não trazem qualquer benefício para o rendimento físico do atleta. Ao punir o uso do álcool e da maconha, as entidades interferem na privacidade dos atletas.

Mas, sete depois do drama de Neco, a ASP resolve, em pleno 2012, introduzir oficialmente o exame anti-doping em todas as etapas. O regulamento da  entidade inclui, na lista de substâncias dopantes conhecidas, as tais drogas recreativas indicadas pela WADA.

Diz o texto que, nas três primeiras violações no exame para essas substâncias, a pena pode variar de uma simples reprimenda a dois anos de suspensão. A punição contempla ainda, se necessário, períodos de reabilitação do atleta.

A divulgação da punição de atletas flagrados com drogas recreativas dependerá de avaliação do Comitê de Regras e Disciplinar da ASP (ARDC – Athlete Rules & Disciplinary Committe).

A ARDC determinará ainda o número de testes realizados por resultado (entre os primeiros colocados na prova), o número de testes aleatórios e – o mais importante – que surfistas terão que fazer o exame anti-doping em cada evento.

Não há termo de comparação entre PMs corruptos e membros do comitê disciplinar da ASP, mas o perigo, em qualquer circunstância, mora na subjetividade da lei. A entidade máxima do esporte terá que trabalhar na linha fina (e de difícil equilíbrio) do bom senso para evitar injustiças na aplicação de suspensões. 


Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".