Leitura de Onda

Samba, swell e cerveja

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Marcelo Trekinho (de verde) desponta na direitaça do Leblon no último final de semana. Foto: Fred Schmidt .

O primeiro sinal de que este ano a festa será diferente foi dado no último domingo, quando o Pontão do Leblon e a Laje do Hotel Sheraton, no Rio, acordaram com assustadoras bombas de mais de 4 metros que deformavam o horizonte.

 

Dentro d´água, surfistas administravam o pânico ao ver séries que fechavam constantemente toda a enseada que banha o hotel. Surfistas sacaram suas guns sem vergonha de exagerar: o mar estava repleto de pranchas acima de 8 pés, para viabilizar a remada.

 

O local Marcelo Trekinho bateu seu cartão prime nas maiores do dia. Evaristo “Kiko” Ferreira demonstrou toda a técnica apurada nos anos dedicados às ondas grandes. Foi um dos que sobrou na água.

 

O swell foi um presente atípico, com um intervalo de ondas grande, absolutamente incomum em praias brasileiras. Isso fez com que a onda ganhasse melhor definição, intensidade e volume. Foi o surf do ano de alguns e o perrengue da década de muitos.

 

Várias pranchas se partiram, copinhos inteiros foram arrancados do poliuretano, surfistas foram obrigados a subir pelas pedras para escapar da morte. Fora dali, na Joatinga, o mar raivoso fez suas vítimas: duas turistas e um pescador foram levados por ondas traiçoeiras.

 

Dois dias depois, os melhores surfistas do mundo chegaram ao Rio. Passada a social típica de início de evento, com Mick Fanning visitando o Morro do Cantagalo e Kelly Slater treinando para alegria dos fotógrafos num Meio da Barra de gosto duvidoso, a elite deve entrar em ação.

 

O swell que entrou em ação no último domingo perdeu intensidade e deve oferecer, até o fim de semana, ondulações na casa de 1 metro. Na próxima semana, no entanto, um novo swell de Sul poderia transformar a etapa carioca de 2011 num épico. Não é nada tão grande quanto a ondulação do último domingo, mas o suficiente para fazer as retinas sonharem com a visão dos melhores do mundo em poderosas ondas cariocas.

 

Não sei se os organizadores optarão pelos maiores dia e tampouco se escolherão os picos mais adequados às ondulações de Sul previstas para a cidade. Sei, é muito mais um desejo de jornalista aficionado que uma possibilidade concreta. Mas colunas são feitas para sonhar.

 

De volta ao mundo real do WT, a briga dos peixes grandes deve esquentar pela ponta. O surf de Joel Parkinson, que vem de vitória, não costuma se encaixar em nossas ondas irregulares, mas em ano de título um surfista deve se reinventar – ou contar com a sorte. Kelly Slater, mais camaleônico, sempre foi capaz de vencer em todos os lugares. Taj Burrow, eterno campeão em ondas brasileiras, sonha renascer para o título com mais uma vitória.

 

Se for muito bem, Adriano de Souza pode se aproximar significativamente da liderança. É uma oportunidade aberta, especialmente pela temporada aparentemente indefinida até este momento, sem um surfista despontar muito fora da curva.

 

A etapa do Rio será fundamental ainda à pretensão do quinteto brasileiro no tour, até o ajuste do ranking que ocorrerá após a etapa de Nova York. Alejo Muniz e Jadson André vão buscar mais um bom resultado. Em jogo, estão, em primeiro lugar, uma segurança maior no ranking unificado; e, se o Rio conspirar a favor, a luta por uma posição de destaque.

 

Heitor Alves e Raoni Monteiro precisam se equilibrar entre regularidade e criatividade para descolar dos primeiros rounds com vitórias contundentes. Se um deles avançar três fases, ganha ritmo e pode ir longe. Um bom resultado aqui é fundamental.

 

Seja lá quem estourar a champanhe, tenho uma pá de amigos nostálgicos, muitos com mais de 40 anos, ansiosos por voltar a ver, depois de dez anos, os melhores do mundo em ação no Rio. Todos com uma cerveja na mão, para abrir assim que tocar a sirene da primeira bateria, loucos para que tudo acabe na cadência do samba de um surfista da casa.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".