Leitura de Onda

Os recifes de areia

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Marco Fernandez manobra na praia do Forte (BA). Foto: Bruno Veiga / SurfBahia.com.br.

O surfista do Sudeste cresceu ouvindo que, em casa, faltava fundo e sobrava swell e, no Nordeste, acontecia ao contrário. Não por acaso, há um sem número de projetos de fundos artificiais já pensados para o Rio de Janeiro. Nenhum foi adiante por falta de um mecenas que bancasse o custo do empreendimento sem um mar de contrapartidas – alô, Eike Batista!

 

Enquanto não acertam o fundo lá perto de casa, fui descansar com a família na praia do Forte, litoral Norte da Bahia. Sempre ouvi falar do Papa-Gente e da Casinha, duas ondas baianas que funcionam sobre um fundo de recifes que se estende de Salvador ao Mangue Seco.

 

Como é verão e a viagem era versão família, tomei o cuidado de ver a previsão de ondas antes de embalar a prancha. A indicação era a pior possível: swell zero, eu estava prestes a encontrar os tais “cinco dias sem onda”, pelos quais, dizem os locais, esses picos passam durante um ano inteiro. Nos outros 360, diz a máxima local, ondas escorrem no recife.

 

Apesar da falta de ondas, cheguei a descer com a prancha. Mas desisti ao ver o excesso de bagagem no carro, com boias, bonecas e afins. Erro imperdoável: todo surfista com um pingo de fissura leva a prancha a tira-colo onde houver um mar e um sopro de onda.

 

Cheguei já arrependido, pronto para arrumar uma boia para mim, já que as das filhas vieram na mala. Encontrei uma 6’2″ swallow longe do ideal, mas, como o ótimo é inimigo do bom, fechei com o Wesley, um cara gente boa que coordena a base náutica de um hotel local.

 

Parti na manhã seguinte para o Papa-Gente, um fundo de recifes de coral onde quebram uma esquerda e uma direita, ambas bem fortes, em pé, turbinadas pela baixa profundidade.

 

A previsão de ondas da internet anda cada vez melhor. De fato, o swell não deu as caras. Restou ao grupo que partiu para o surf esperar a boa vontade não de Netuno, mas de Iemanjá – hoje é dia da rainha do mar – e bater papo dentro d´água.

 

Conheci o biólogo e bodyboarder Lucas Queiroz, bom de papo como os melhores baianos. Entre outras, ele me contou que ali o fundo não era predominantemente de coral, mas sim de um material chamado siliclástico, mistura de sílica (areia), sal e outros ingredientes.

 

O siliclástico, por ser feito de areia, quebra com mais facilidade. Por isso, diz ele, a fauna marinha não é tão intensa quanto nos recifes de corais. Os animais evitam fazer tocas ali porque o material se despedaça com facilidade. A fragilidade aumenta ainda mais com o uso da área: o siliclástico já perdeu parte de sua superfície nas áreas mais frequentadas do pico.

 

A prosa dentro d´água era tão boa que ninguém sentiu a falta de séries. No fim da caída, ainda deu tempo de achar uma direita regular e seguir o trilho do fundo de siliclástico. Regular não, sendo muito honesto, bem fraquinha. Mas, às vezes, o prazer do surf extrapola o esporte, torna insignificante o desejo de um fundo de recifes – de areia ou coral – na porta de casa.

 

Qualquer hora, volto aqui para encontrar os tais 360 dias de onda por ano da praia do Forte. E, quem sabe, escuto, de dentro d´água, outras boas histórias contadas pelo povo local.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".