Leitura de Onda

O vice não lhe cai bem

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Gabriel Medina destrói em Cloudbreak e fica em segundo, melhor resultado de um brasileiro em Fiji. Foto: © ASP / Kirstin.

Muito se falou sobre o espetáculo de surf nas Ilhas Fiji: o evento paralisado no maior dia, a extraordinária técnica de Kelly Slater e seu discurso venenoso, a polêmica envolvendo limites de competitividade de Adriano de Souza, a disputa entre as ilhas.

 

 

No meio desse mar de informações, algumas palavras foram dedicadas a Gabriel Medina. O destaque talvez não tenha sido maior porque, na lógica dura do jornalismo, não havia uma grande notícia na derrota de uma pérola acostumada a vitórias.

 

Mas, no mundo real, depois de uma sequência de resultados ruins na elite, o vice em Fiji veio na hora certa, em ondas robustas, que consolidam sua posição de surfista completo.

 

Gabriel mostrou desde os rounds iniciais que o resultado de Pipeline ano passado não foi fortuito. Nem o câmera acreditou no tubo nota 10 em que ele se meteu no round 2, para espanto dos comentaristas da transmissão em inglês. A vítima da vez foi a primeira de uma série de vítimas australianas: Yadin Nicol.

 

Na sequência, rolou uma isolada vitória sem champanhe, sobre o bravo parceiro de bandeira Alejo Muniz, que precisa reencontrar a consistência que lhe valeram bons resultados em 2011. 

 

A partir da fase sem perdedores até a semifinal, enfileirou uma horda de aussies ilustres: primeiro, Mick Fanning e Joel Parkinson;  depois, Taj Burrow; e, por fim, Fanning de novo.  

 

Fico imaginando os fãs dos velhos heróis do surf australiano se perguntando como um brasileiro bom de aéreo atropela, sem cerimônia, seus grandes ídolos na perfeição de Fiji. 

 

A resposta, eu não sei, mas acho que passa pelo amadurecimento construído em gerações passadas, uma dose cavalar de talento e dez colheres de sopa de espírito vencedor.

 

Um espírito tão latente que, mesmo diante do espetáculo sem precedentes de Slater em Fiji, desconfiei por um momento que o príncipe Medina incomodaria o velho rei em um de seus altares preferidos caso uma parede pipocasse no horizonte na segunda metade da final. 

 

O americano gosta de dizer que frequenta os canudos fijianos há mais de 20 anos, e que a Ilha de Tavarua é sua segunda casa. O brasileiro surfava pela segunda vez ali. Qualquer outro resultado que não fosse a vitória do mais experiente seria indesculpável.

 

Medina esperou, esperou, esperou, mas a máquina de Fiji parou.

 

Quiseram os deuses que Slater ficasse com aquele troféu-tacape.

 

O vice-campeonato na onda mágica de Tavarua é um resultado que deixaria qualquer surfista da elite mundial nas nuvens, coberto de glórias. Não Medina. Há alguma coisa nele que faz com que só os títulos máximos lhe caiam bem. Ele não nasceu para ser vice.

 

Agora é a vez de Teahupoo. Você duvida? Nem os deuses duvidam mais desse garoto.

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".