Leitura de Onda

O fim das espinhas

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Danilo Couto põe pra baixo e coloca o Brasil nas alturas. 2011, um ano para nunca ser equecido pela comunidade do surf brasileiro. Foto: Tracy Kraft.

Sabe aquele garoto mirrado da sua rua, que vivia gritando com uma voz estridente, queria atenção e deferência, mas ainda não tinha caixa para ser respeitado? Que dentro d´água adorava quicar em cima da prancha e vivia tentando uma pirueta fora da linha da onda?

 

Então, o nome dele é Brasil. 

 

Um belo dia, você desceu para ir surfar com a galera e o moleque estava lá, diferente. Ganhara peso, maturidade, falava apenas o suficiente. Quando entrou na água, cumprimentou todo mundo, até quem nunca tinha surfado ali, e se posicionou no lugar certo. Na primeira onda, mostrou como ser moderno sem abrir mão de uma linha bonita, universal.

 

Quando saiu da água, todos o viam com outros olhos. Suas espinhas tinham acabado. 

Um garoto chamado Brasil amadureceu em 2011. Enquanto os mais velhos da praia estavam lá, refestelados em suas glórias, as células do pequeno gigante trabalhavam sem parar.

 

Primeiro, foi Marcos Monteiro, surfista que, para manter seu estilo de vida, rala como guarda-vidas em Saquarema. Viajou com a cara e a coragem ao Chile. Com uma prancha emprestada, desbancou monstros como Greg Long para vencer a abertura do circuito mundial de ondas grandes, no Chile. A vitória – primeira de um brasileiro ali – deu a Marcos a ponta do ranking.

 

Foi o ano da redenção de Danilo Couto, surfista que passou a vida equilibrando talento, técnica, disciplina, coragem e caráter em cima de uma prancha. Finalmente foi recompensado pelo trabalho, com o merecido título principal do Billabong XXL, e entrou definitivamente – e agora oficialmente – para o seleto grupo dos maiores surfistas de onda gigante da história. 

 

Adriano de Souza também deixou suas iniciais, marcadas a ferro e fogo, na pele dos gringos. Venceu o Brasil e assumiu a ponta do WT – tornando-se o primeiro brasileiro a chegar lá. Teve um período de baixa e, quando muitos que ele só vencera por estar em casa, empurrado pela torcida e por notas generosas, ele passou por dentro dos tubos em Portugal para vencer uma etapa com ondas históricas, despachando, na final, o velho algoz Kelly Slater.

 

Na etapa de Teahupoo, num mar que separa meninos de homens, Raoni Monteiro encontrou espaço, dentro de um gigante tubo azul, para arrancar, no maior dia da mais assustadora edição da etapa do WT do Taiti, a primeira nota 10. Mostrou, num só impulso, coragem, técnica apurada em condições extremas e um espírito de Bruce Lee.

 

O ano ainda viu o que os estrangeiros chamaram de “revolução brasileira”. A tomada da bastilha começou pela primeira linha de defesa. Caio Ibelli, Yan Daberkow e Filipe Toledo massacraram nos eventos Pro Junior. Gabriel Medina, Miguel Pupo e companhia assumiram o comando das etapas Prime. 

 

Aí, veio a rotação do meio do ano, e uma arma letal chamada Medina paralisou a elite. As mais belas e complexas manobras aéreas de rotação tornaram-se banais, as velhas estrelas de repente se viram empoeiradas, desatualizadas. Kelly Slater foi tratado em duas quartas-de-final como José, tal qual fazia Garrincha com os temidos zagueiros do mundo bretão.

 

O mundo estava de olho na última etapa, em Pipeline, onde os adversários experientes poderiam respirar aliviados com a certeza de que Medina seria apenas mais um excelente surfista de ondas pequenas do Brasil. O mar estava enorme, ele jamais tinha competido naquelas águas, o cenário não era bom para garotos. 

 

Nada para o talento. Medina arrancou um quinto lugar como debutante na arena mais traiçoeira do esporte e deixou os estrangeiros desconfortáveis com o que virá em 2012. 

 

Medina, ainda um garoto com pele de adolescente, tornou-se uma das maiores armas de um país que finalmente atinge a maturidade.

 

Um país que, em vez de gritar e quicar na onda, levanta os maiores troféus do esporte.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".