Mar doce lar

Natal em paz

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Shane Dorian nem vê o tempo passar em Colas, ilhas Maldivas. Foto: Rick Werneck.
Viajar – ato de ir de um a outro lugar relativamente afastados – é algo que faz parte da minha vida desde os onze anos de idade.


A vontade de me deslocar pelo mundo para conhecer, in loco, as diversas culturas do nosso planeta, me foi transmitida por meus pais, eternos viajantes, e é algo que realmente me move e fascina. 

 

Muito antes de começar a surfar, eu já sentia uma enorme necessidade de viajar. Aliás, foi durante uma viagem ao sul da Inglaterra que tive meu primeiro contato com uma prancha de surfe. 

 

No arquipélago Rick Werneck compôs músicas como Pasta Point. Foto: Arquivo pessoal Rick Werneck.

Mais precisamente na cidade de Newquay, onde, muitos anos depois, rolaram algumas etapas do mundial de surfe.

 

No longinquo ano de 1974, sob um frio de rachar, meu irmão e eu, na época com 12 e 13 anos, respectivamente, convencemos meu pai a alugar uma prancha e nos aventuramos ao mar.


No início, não conseguíamos permanecer em cima da prancha, que teimava em escorregar sob nossos corpos toda vez que tentávamos pegar uma onda.

 

Olhando para as pranchas dos outros surfistas dentro d?água, vimos que, por cima da superfície lisa e brilhante, havia algo parecido com vela derretida. Foi assim que conhecemos a parafina.


Todo surfista tem uma história de uma viagem para contar, ainda que seja apenas para o litoral, no fim de semana, ou para o Sul ou Nordeste, no fim de ano. Viajar é uma sina que todo surfista do planeta carrega consigo.


Obviamente não estou falando de uma pequena fatia de auto-proclamados ?locais? que nunca saem de seus picos e que, por falta de referências, acham que estão surfando as melhores ondas do planeta. Coitados.

 

Para evoluirmos no surfe, é necessário que deixemos de lado o aconchego do nosso lar para experimentamos novos desafios. Como alguém pode aprender a pegar tubos sem viajar, se no seu pico só quebram ondas gordas?


Além disso, com o aumento do número de surfistas no planeta, todos queremos viajar para surfarmos ondas perfeitas, apenas com os amigos.

 

Sim, eu sei que isso já virou um clichê altamente comercial, que serve para vender, desde pacotes em agências de viagem até ingressos de cinema, mas, como já disse, é a nossa sina: com raras excessões, surfista já nasce viajante.


Como viajantes natos, todos temos nossos destinos perferidos. Alguns não conseguem viver sem dar uma passada no Hawaii no final de ano. Outros preferem ondas menos poderosas e mais divertidas.


Para mim, a Indonésia é imbativel pela diversidade, quantidade e qualidade das ondas, mas devo confessar que existe um lugar especial, que habita meu coração desde que conheci, há pouco mais de dez anos.


O primeiro a me falar de umas ondas perfeitas, que davam para encaixar seis ou sete manobras, quebrando sobre bancadas de coral em pequenas ilhas do Oceano Índico, foi Flavio Padaratz.


Teco havia estado lá poucos mêses antes, junto com o fotógrafo John Callahan, e, durante seu relato, não conseguia disfarçar o brilho nos olhos. ?Além das ondas perfeitas, a água é quente e de um azul tão transparente que chega a doer os olhos,? dizia ele. ?E, ainda por cima, não tem crowd!?.

 

Pronto, disse tudo que eu queria ouvir. Seis mêses depois, em abril de 1995, parti, junto com os amigos Pedro Müller e Eraldo Gueiros, para conhecer, surfar e fotografar as ondas das Ilhas Maldivas.


Nossa viagem, que deveria ser rápida, passando pela África do Sul, se extendeu por 48 horas e nos levou até o sudeste asiático, depois que Eraldo se atrasou e nós perdemos a conexão em Johanesburgo.

 

Clique aqui para ver mais fotos da barca para Maldivas

 

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Guilherme Gross prefere andar por dentro a fritar no sol em Chickens. Foto: Rick Werneck.
Chegamos tarde da noite, totalmente arrasados, mas, assim que acordamos e vimos as ondas quebrando insistentemente no quintal, uma bancada bem em frente ao hotel, corremos para dentro d?água, até a hora do café da manhã.


As ondas não passavam dos quatro pés mas avançavam, longas e perfeitas, sobre a bancada, uma atrás da outra, com pequenos intervalos entre as séries.


Lembro que, ainda dentro d?água, pensei: ?Se Walt Disney fosse vivo, surfasse, e passasse uns tempos por aqui, certamente iria querer reproduzir esta bancada no seu parque de diversões?.


Visual de sonho em Pasta Point. Foto: Rick Werneck.

As ondas nas Maldivas não são grandes, já que as ondulações vindas do sul perdem a força depois de percorrerem toda a costa africana. 

 

Em média, elas variam entre 2 a 6 pés e, ocasionalmente, atingem os 8 pés.  Em compensação, é raro ficar totalmente flat e, mesmo nos dias pequenos, é diversão garantida.


Ficamos hospedados no Thari Village (hoje Dhonveli) que tem uma bancada exclusiva para os hospedes, chamada Pasta Point. O número de surfistas é limitado e, por isso, nunca é crowd na ilha. 

 

De lá, além de Pasta Point, que quebra para a esquerda, é possível conferir Sultans (direita) e Honky?s (esquerda), na ilha em frente, e Jails (direita) na ilha seguinte, com binóculos.


Mais distante, a cerca de 40 minutos de barco, quebram Cola?s (direita) e Chickens (esquerda) em duas ilhas vizinhas. No caminho até estas ilhas, quebra ainda uma outra esquerda, Lohi?s, exclusiva para hóspedes do Lohifushi.


Maldivas é um país formado por sete atóis com mais de mil e duzentas ilhas, e a probabilidade de ter outras ondas é enorme. Algumas, nos atóis do sul, ja foram exploradas, mas, tenho certeza que existem muitas mais.


Nessa minha primeira viagem, deixamos de surfar apenas um dos 23 dias que passamos lá, porque fomos pegar o Guilherme Gross, que chegou alguns dias depois, no aeroporto.


Outro que chegou durante a viagem e deu um show de surfe nas ondas perfeitas do arquipélago foi o havaiano Shane Dorian. Ele estava no Panamá, de onde seguiu para Tavarua e emendou direto com as Maldivas.


Surfávamos o dia inteiro, às vezes até à noite, e, antes de partir, Shane me confessou que nunca tinha ficado tantas horas dentro d?água. Nem em Tavarua, onde chegou a ficar oito horas seguidas surfando.


Quando fui embora, prometi a mim mesmo que iria levar minha mulher para conhecer aquele lugar. Seis anos depois, Laila e eu desembarcamos no arquipélago, com uns amigos, para curtir a perfeição das ondas maldivas.

 

Durante 13 dias surfamos ondas cristalinas de 2 a 5 pés, sendo que, em duas ocasiões, havia apenas duas pessoas no pico, Laila e eu. Não dá para querer mais do que isso, né?

 

Se bem que ainda quero poder levar meus filhos e dividir as séries com eles. Nessa viagem, depois de surfar altas ondinhas por quase três horas, acabei descobrindo uma nova veia, e compus ?Ondas de Pasta?, sobre Pasta Point, e ?Maldivas?, a primeira música que gravei. 

 

Desde então, não parei mais de compor, principalmente nas minhas viagens. Em 2003, voltei ainda uma terceira vez, junto com Andréa Lopes, Brigitte Mayer e Cris De Lamare, e, mais uma vez, durante treze dias, surfamos ondas perfeitas sem crowd. 

 

Além de nós, havia apenas dois surfistas da Alemanha, um da Suiça – países que nem oceano têm – e um do Japão. Um sonho! Bem, se você está se perguntando o que tudo isso tem a ver com o título, eu explico.

 

É que o fim do ano chegou e com ele, o Natal, quando pensamos em sonhos passados e futuros. Nesta época, muitos de nós aproveitamos os dias de folga para viajar em busca de novos sonhos, novas ondas.


Se você não conseguiu juntar dinheiro para viajar, e vai ter que se contentar em dividir o seu pico com outros ?trocentos? surfista, ainda assim, como uma pessoa que tem o privilégio divino de andar sobre o mar, seja paciente e compreensivo.

 

Continue sonhando, e promova o que o mundo mais precisa hoje em dia: a PAZ.

 

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