Bom de bico

Macumba da boa

0

O circuito brasileiro de longboard foi encerrado no último dia 22/11 com o Petrobras Longboard Classic. O campeonato mais tradicional da modalidade no Brasil rolou como de costume na praia da Macumba, Rio de Janeiro (RJ), um grande palco do longboard nacional que dificilmente nega fogo quando a nata dos pranchões aterrisa por lá.

Muita coisa estava em jogo nessa última etapa e tudo indicava que a competição aconteceria em condições medíocres. Contrariando todas as previsões, no sábado, quando os tops entraram na água, as ondas foram aumentando consideravelmente e ao final do terceiro round já chegavam aos 2 metros. Ondas sólidas e massudas quebraram por dois dias seguidos e quando o campeonato terminou, como num passe de mágica, elas sumiram.

Se foi macumba, benção ou sorte ninguém sabe, mas toda a atenção que estava voltada para a possibilidade do Picuruta conquistar seu décimo título brasileiro foi dividida a cada bateria, devido o alto nível de surf apresentado com a chegada do swell. Destaque para Alexandre Wholters e Jefson da Silva, o Jejé, que surfaram com muito estilo no bico e fizeram uma das disputas mais bonitas da competição. Outro que esbanjou técnica e estilo foi o André Luiz Deca, mostrando muito conhecimento do pico onde é local.

Outra bateria que merece ser mencionada foi entre Marcelo Freitas e o Gato, válida pelas oitavas-de-final. O Marcelo é um competidor casca grossa, muito técnico e com estilo moderno. O Picuruta sabia da pedreira que tinha pela frente, ainda mais com o Freitas surfando em casa. Na primeira onda eles se chocaram e o Gato ficou com a culpa. A onda surgiu como um pico para os dois lados, com o “Maori” Freitas querendo surfar para a esquerda e o Picuruta querendo a direita. Depois do choque ela definiu melhor a esquerda, isso deve ter influenciado a decisão dos juízes. Na segunda onda, os dois remaram juntos de novo e dessa vez foi o Marcelo quem se deu mal, pois acabou ganhando uma interferência de bloqueio. No final, o Véio saiu com a vitória, numa bateria que como ele mesmo disse, foi a mais tensa da sua carreira.

No dia decisivo, as quartas-de-final foram pra água às sete da manhã, com o Phil vencendo o talentoso Jeferson da Silva na primeira bateria. Na sequência eu peguei o Rodrigo Sphaier, segundo do ranking, que naquelas alturas era o único que poderia tirar o título do Véio. No meio dessa disputa estava eu, amigo e fã do surf dos dois, mas longe de estar em algum tipo de dilema. Meu objetivo era passar as baterias, uma a uma, até a final. Encontrei duas ondas boas no começo da bateria e com o Diguinho não dando muita sorte, consegui certa tranquilidade, mesmo tendo quebrado minha segunda prancha no campeonato.

Com a eliminação dele, ninguém mais poderia alcançar o Picuruta no ranking. Quando saí da água, o Picuruta estava entrando para sua bateria bastante emocionado. Fiquei amarradão em poder participar de um acontecimento tão importante para o longboard brasileiro. O Sphaier é um dos melhores longboarders do mundo hoje e ainda vai dar o que falar. Quando o Véio saiu da água, veio com um papinho de que tava cansado e que ano que vem seria seu último no WLT, mas quem conhece o bicho sabe que isso não vai acontecer. Vamos ter que aguentar ele por mais um bom tempo!

As quarta-de-final entre o Gato e o Rodrigo Saci também foi importante, mesmo com a derrota do 10 vezes campeão. Importante pela consolidação da nova geração, que vem mostrando não ser fogo de palha, evoluindo a cada ano e marcando presença nos pódios. O Saci é mais um filho da praia da Macumba e tem tudo para continuar o legado dos grandes longboarders cariocas. Na última bateria dessa fase, o Deca passou pelo Mulinha, numa bateria com boas ondas onde quem errou menos levou a melhor.

A primeira semi foi entre o Phil e eu, e a história foi mais ou menos parecida com a fase anterior. Com boas ondas, mas poucas séries, dei dois tiros certos antes da metade da bateria e me garanti na decisão com mais uma boa no final da bateria. O “Jogador” não encontrou as boas e deu adeus ao evento. Na outra semi, um duelo local emocionante, o Deca venceu o Saci, com muitas ondas surfadas no final da bateria, deixando dúvidas sobre quem teria vencido.

A final começou pegando fogo. Eu surfei a primeira da série e o Deca a segunda. Ele marcou um 8.67 e eu um 7.17. Logo depois ele achou um bom complemento para me deixar precisando de uma nota alta, marcando um precioso 6.33. Não demorou muito e achei outra esquerda que atravessou a praia, mas o 7.43 não foi suficiente para reverter a situação. Depois essa onda o oceano parou e o caneco ficou com o Deca, para alegria da galera local.

Feminino A baiana Aline Chaves levou o título brasileiro numa disputa acirrada com a bi-campeã Mainá Thompson. Grávida de quase três meses, a local da praia da Macumba não conseguiu presentear-se com o terceiro título, mas mostrou garra e vontade, que para quem conhece a Mainá, servirão de alimento para uma volta triunfal.

Mais uma vez o mar ditou o ritmo para as meninas e algumas se deram mal quando o swell atingiu seu ápice no final da tarde de sábado. Foi cogitado mais uma vez a paralisação da última bateria, mas as condições estavam limpas, com grande intervalo entre as séries e o diretor de prova mandou a garotas pra água. Também passava longe de estar perigoso, mas é preciso cuidados básicos num esporte que lida com forças da natureza, como alimentação adequada em dia de competição e preparo físico para aguentar situações adversas.

Na primeira semi, a jovem Chloé Calmon eliminou a Mainá e assim a Aline passou a depender apenas dela para levar o titulo brasileiro. A bateria entre Aline e Shayana foi tranquila para a baiana, que não teve problemas para alcançar a final e garantir o tão desejado caneco.
Se a semi final foi fácil para a baiana, na final ela encontrou uma situação bem mais complicada. Chloé impôs um ritmo forte, e com Aline fazendo interferência, a carioca passeou na bateria para garantir sua primeira vitória no circuito profissional.

O Brasil tem o melhor circuito nacional do mundo, com boa infra-estrutura e nível técnico diferenciados. Além do circuito brasileiro, tivemos dois eventos do LQS (Longboard Qualifyng Series) que contaram com a maior premiação entre países como Austrália, EUA, Hawaii e Europa. Foram dois eventos de US$ 15 mil cada, que juntamente com o circuito brasileiro, fizeram de 2009 um ano digno da grandeza do longboard brasileiro. Que venha 2010!