Leitura de Onda

Liberte-se

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Para Tulio Brandão, Silvana Lima é a bandeira do Brasil. Original, colorida, orgulhosa de suas origens, sem o plástico marqueteiro que iguala e tira o brilho da individualidade. Foto: © ASP / Robertson.
 

Silvana Lima é a bandeira do Brasil. Original, colorida, orgulhosa de suas origens, sem o plástico marqueteiro que iguala e tira o brilho da individualidade. O depoimento acima, dado para um livro (Jakobsson Estudio) que publicarei este ano sobre a história dos esportes de prancha, revela uma ponta importante desta pequena grande surfista brasileira. 

“Comecei a surfar com sete anos. Eu morava na beira da praia, num quiosque em frente à onda de Paracuru, no Ceará. Minha mãe tem uma venda ali até hoje. Meus irmãos já surfavam, então acabei indo na onda deles. Minha primeira vez foi com um pedaço de tábua, uma coisa quadrada, porta de armário mesmo. Muitos surfistas humildes começam assim lá no Ceará. A gente fazia um quilha e prendia atrás para a tábua não escorregar tanto na onda. Aquilo, para mim, era como uma brincadeira de criança, uma diversão. Isso fez diferença na minha vida.” 

Pois esta Silvana, a mesma que chegou duas vezes ao vice-campeonato mundial, a mesma que assombrou a cena do surfe com a abordagem mais progressiva já vista por uma menina, sofreu o mal dos atletas originais, que não são fabricados pela indústria. 

Silvana não é uma Alana Blanchard, e não é preciso botar as duas frente a frente para chegar a essa conclusão. Basta olhar o Instagram da havaiana, com seus mais de 800 mil seguidores em busca de toneladas de fotos sensuais. 

A ideia não é julgar a bela Alana, que é boa surfista, mas tem muito mais seguidores que Kelly Slater no Instagram não exatamente pelo que ela faz dentro d’água. E sim reencontrar e demarcar, com uma linha bem forte, a importância de Silvana para o surfe mundial. 

Um espaço semelhante, por exemplo, ao ocupado pela bicampeã mundial Carissa Moore, que outro dia declarou à revista Surfer: “Eu não uso biquínis pequenos. Esta não sou eu.” 

Nesta busca, Silvana recentemente ganhou um importante apoio. É o projeto Silvana Free, idealizado e desenvolvido por um grupo bacana de mais de 20 publicitários, jornalistas e outros profissionais que identificou o valor da cearense. Eles optaram pelo anonimato, de modo a concentrar a visibilidade em quem interessa.  

A história começou durante o WCT do Rio. No Prêmio Fluir, realizado na semana do evento, a história dela sensibilizou a apresentadora Fernanda Lima, que provocou diversas vezes os empresários presentes na plateia a enxergar o óbvio. 

Na coletiva de imprensa do campeonato, Silvana se mostrou oprimida pelas circunstâncias. Disse que não era exemplo para ninguém, porque nem patrocínio tinha. E, durante sua bateria, competiu com a lycra do lado contrário, num silencioso protesto contra a sua situação. 

Um dos jornalistas responsáveis pelo projeto explicou: “Tudo isso nos fez perceber que, no fundo, ela não precisava de um novo ‘patrocínio’, nos moldes tradicionais, e sim de hospedagem, treinamento, nutrição, passagens, ideias e tudo que não fosse apenas dinheiro.” 

O grupo criou, então, o belo site de crowdfunding no endereço silvanafree.com. O projeto possibilita que ela carregue na prancha um símbolo com o qual se identifica: o público que a apoia, que possibilitará seu renascimento para a cena do surfe mundial. 

Os autores acreditam na valorização do nome de Silvana como marca. “Há muita oportunidade para atletas de alto nível em termos de produção de conteúdo. Eles mesmo podem ser uma marca, que carregue a sua personalidade”, diz o jornalista.  

O projeto prevê a volta da atleta à elite para a disputa do título do WCT em 2015. O segredo disso tudo é a motivação: nada instiga mais Silvana que competir com o apoio genuíno de quem verdadeiramente acredita nela, sem filtros nem biquínis pequenos. 

Temos uma oportunidade de provar que um mundo de verdade, com espaço para uma surfista talentosa e genuína, dona de uma fascinante história de vida, também é possível. 

Não se trata apenas de libertar Silvana. E sim de libertar todos nós.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".