Casinha do cachorro

Lembranças de Ubatuba

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Anselmo Cachorrão, Natalie, Zé, Meméia, Juquinha, Giesele, Manho e Betinho aproveitam mais um dia em Itamambuca, Ubatuba (SP). Foto: Arquivo pessoal.

Depois da época do Guarujá (SP) como comecei contando em minha primeira coluna, estou voltando à história de onde tudo começou na minha carreira no mundo do surf.

 

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Fiquei afastado do surf por uns três anos, entre 1984 e 1987, pois como minha família não tinha casa na praia, me dediquei ao bicicross.

 

Morava em Sampa e naquela época os garotos paulistanos se deliciavam nas pistas do Ibirapuera e do Morumbi. Fui federado pala federação paulista de ciclismo por dois anos e levei o esporte bem a sério. Foi uma fase muito legal.

 

Porém, quando completei 16 anos conheci um amigo do meu bairro (Vila Galvão) que se chama Fernando Filoni. Ele era um cara muito maneiro. Curtíamos Raul Seixas, Led Zepellin, Pink Floyd, Rush, New Order, The Cure, The Smiths. Ele andava em sua moto XL 250

Cachorrão com a molecada local de Ubatuba (SP). Foto: Arquivo pessoal.

vermelha e praticava um esporte que sempre me chamou a atenção: apnéia e mergulho.

 

Como ele tinha uma casa em Ubatuba, começamos a ir de jipe muitos finais de semana, era sempre uma aventura, levávamos horas pra chegar, e se chovesse durante a viagem entrava água por todos os lados, mas era diversão garantida.

 

Mergulhávamos todos os finais de semana e aquilo começou a me reaproximar novamente do mar, algo que havia anos que não acontecia por causa do bicicross.

 

Porém, lá para os meus 17 anos reencontrei uma prima que não via havia 10 anos, a Suzi, ela pirou quando me viu, e não acreditou em como havia me transformado num homem de 1,90 metros.

 

A última vez que nos vimos eu tinha 7 anos, era uma criança. Ela me convidou para passar um final de semana na casa dela, fui visitá-la e comecei a morar na casa da minha prima na praça Oswaldo Cruz, bem no comecinho da avenida Paulista.

 

Ela era produtora de moda e, na época, trabalhava com fotógrafos conceituados – Paulo Rocha, Bob Wolfenson – e também fazia muitos trabalhos com Sérgio Saraiva.

 

Foi dela a idéia de me colocar na fotografia, como assistente de Sérgio Saraiva. Fizemos um trabalho no estúdio dele e fui como assistente de produção da minha prima. Porém, depois do trabalho, ele e minha prima conversarem e como ele estava precisando de um assistente, me convidou para uma semana de teste.

 

Aceitei o trampo na hora e no dia seguinte fui ao estúdio começar o teste de uma semana. Naquela época estava curtindo a vida entre colegial, namoricos e finais de semana em Ubatuba.


Até aquele momento não tinha noção do que era ser assistente fotográfico. Mas fui aceito pelo Sérgio Saraiva e o negócio começou a funcionar. Fazíamos vários trabalhos de estúdio e algumas externas e fui me ambientando com os equipamentos.

 

Morar com a minha prima foi tudo de bom. Ela era a mais parceira, curtia as melhores baladas da época e eu ficava colado nela. Isso tudo com 17 anos de idade. Entrava batido no Madame Satã, Rose Bombom e freqüentávamos o Frevinho no bairro dos Jardins.

 

Aquilo para mim era um mundo bem diferente de onde eu havia crescido em Guarulhos. Saí da casa dos meus pais para passar um final de semana na casa da minha prima e não voltei mais.

 

Trabalhei uns dois meses com o Sérgio Saraiva e peguei gosto pela arte da fotografia, mas todos os finais de semana que não havia fotos eu descia pra Ubatuba com meus amigos para mergulhar.

 

Eu namorava uma garota que morava em Guarulhos e bem em frente à casa dela havia dois vizinhos que todas as sextas?feiras saiam de casa com as pranchas em cima de um Gol GT.

 

Eu me perguntava sempre: onde será que eles estavam indo surfar todos os finais de semana?

 

Meses depois, no dia que terminei o namoro, saí na rua em frente à casa da namorada e vi um dos vizinhos andando de skate. Pedi para dar uma volta e acabamos nos tornando amigos. Perdi a namorada e ganhei um novo lifestyle. O nome dele era Zé Carlos e ele me chamou pra ir a Ubatuba junto com seu irmão Beto.

 

Os dois eram bem enturmados com a galera local e isso fez com que eu também fosse bem recebido pela comunidade de surfistas locais de Ubatuba.

 

Foi uma época de ouro em Ubatuba. Na casa do Zé e do Beto só ficava a nata do surf de Ubatuba, Osvardeira, Demos Pinóia, Richinha, Ricardinho Toledo, Costinha, Mariano Tucatti, Marcelo Mello, entre outros.

 

Acordávamos todos os dias bem cedo e já saímos com destino ao north shore de Ubatuba: Felix, Itamambuca, Praia Brava da Almada, Vermelha do Norte. Cada final de semana era uma nova aventura.

 

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Almoço na casa do Zé e do Beto sempre foi tradição entre a galera. Foto: Arquivo pessoal.

Como havia ficado anos sem pegar onda, não foi fácil a adaptação ao surf, mas ganhei uma prancha do Beto e comecei a praticar. Mas num dia de boas ondas na Vermelha do Norte tomei uma vaca bem no quebra-coco que me fez sair da água vomitando.

 

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Passei o maior perrengue, fiquei meio traumatizado e dei uma desencanada de surfar. Porém, continuei viajando todos os finais de semana e férias para Ubatuba com o Beto e o Zé Carlos.

 

Foi naquele período também, entre 1998 e 1999, que o pai do Zé e do Beto comprou uma câmera de vídeo VHS e eles começaram a levar a tal filmadora para praia. Como eu já trabalhava como assistente fotográfico assumi a função de câmera e de ficar filmando a galera.

 

Cachorrão, de jeans, acompanha o fotógrafo Marcos Lopes, sentado na Kombi, em mais um trabalho no Guarujá (SP). Foto: Arquivo pessoal.

Foi naquela época também que por meio de um amigo, Enio Cross, surgiu a possibilidade de trabalhar como assistente para dois fotógrafos que compartilhavam um estúdio na rua Irerê – Haroldo Nogueira e Marcos Lopes. Haroldo foi um dos primeiros fotógrafos de surf brasileiros.

 

Já Marcos Lopes era fotógrafo de rali e estava começando a focar mais em moda. Porém, como seu irmão era na época o dono da Town & Country, ele acabou entrando no mercado publicitário, fotografando várias campanhas na época.

 

Lembro também que fizemos várias fotos para o livro ?A História do Surf no Brasil?. Aquilo era um sonho para mim. Trabalhava no estúdio da Irerê, ia aos finas de semana para Ubatuba e, de quebra, ainda conseguia ter um bom desconto nas roupas da Town & Country, assim podia fazer uma grana extra vendendo algumas peças aos amigos.

 

Era viver pro surf e viver do surf. Lembro de sessions no Felix, de chegar à praia e não ter ninguém na água, só a galera local mesmo.

 

Era normal chegar também à Vermelha do Norte ou à Itamambuca e reconhecer pelos carros estacionados todos os caras que estavam surfando no dia. Não existia haole ou então eles ainda não haviam descoberto Ubatuba. O surf em Ubatuba era um clube para poucos.

 

Itamambuca era tão diferente, ainda reinava o localismo no canto, era um sentimento de respeito entre nós. Não rolava stress com os locais e os haoles nem chegava perto do canto. Foi uma época bem black trunk.

 

Passei três anos indo a Ubatuba todos os finais de semana e férias. Os vídeos de surf rolavam todos os dias, era o clubinho da galera local, uma vez que não havia família pra quebrar a liberdade. Lembro que nossos ídolos na época eram Pottz, Occy, Carroll, Curren e Kong.

 

Quando as condições eram favoráveis, partíamos rumo o Cepílio e rezávamos para não chover, pois naquela época era uma epopéia voltar de lá com a pista molhada. Não existia asfalto e o nome da subida, ?Deus me livre?, deixa claro que a coisa ficava feia.

 

A casa do Beto e do Zé, à rua Maria Alves, era realmente a base dos locais.  Todas as tardes, depois de voltar do surf, Osvardeira, Demon e Beto preparavam o jantar. O cardápio na maioria das vezes era regado a mariscos que nós mesmos pegamos, ou um nhoque gigante recheado que o Betinho fazia, ou de algum tipo de peixe que Osvaldeira sempre arranjava.

 

Os poucos amigos de São Paulo que passavam na casa do Beto e do Zé, e que eram aceitos pela galera local, eram Marcue, Juquinha, Neguinho, Feijão, Dario, Waldomiro Boca, Túlião (Tamburini) e o Jamaica.

 

A casa do Beto era demais e a mulherada também sempre passava por lá. Era o local onde a gente também já fazia os esquentas antes de ir à avenida tomar uma cerveja no Império e ficar dando em cima das gatas que sempre pintavam por ali. Ubatuba naquela época concentrava a nata, tanto do surf quanto das gatas.

 

Até hoje existem algumas fitas de vídeo que gravei em Ubatuba na época que na Vermelhinha do Centro não havia nenhuma casa. Era só mato e altas ondas. Uma hora dessas esse material vira documentário.

 

Lembro do Joel contando suas histórias alucinadas e levando a galera ao delírio com suas pirações. Lembro também do Mané e do Salazar vendendo água numa barraquinha confeccionada debaixo da copa de uma árvore. Também não esqueço do Pablo, Pescador, Rochinha, Frajola, Wagninho, Blanca, Periquito… São tantos locais e tantos amigos na Vermelhinha do Centro.

 

Saía todos os dias à noite e ia à Vemelha do Centro curtir os famosos luaus que rolavam por lá. Muitas vezes voltava a pé, mas a curtição sempre valia a pena.

 

A única preocupação que tinha naquela época era ter algum dinheiro para poder ajudar o Beto e o Zé na gasolina para descer até o litoral. O resto era só alegria.

 

O que mais poderia preocupar um garoto de 18 anos de idade, não é?

 

Na próxima latida do cachorro, vou contar a mudança de vida que me levou ao outro lado do mundo e que transformou minha vida no que é hoje.

 

Até a próxima, au au!