Leitura de Onda

Araras azuis na água

0

 

Gabriel Medina sobrevoa a praia da Vila, Imbituba (SC). Foto: Daniel Smorigo / ASP South America.

Fabinho Gouveia e Teco Padaratz abriram a golpes de facão a trilha no mato fechado. Apresentaram ao mundo o exótico surf brasileiro. Ambos chegaram com um padrão estético apurado, eram os mais requintados e sofisticados representantes do Brasil. Com o caminho aberto, vários nativos alcançaram, com disposição e talento, o trem da elite do surf mundial.

 

Mas o outro lado do mundo logo viu que alguns de nossos surfistas tinham vícios incompatíveis com o refinamento dos povos acostumados às ondas perfeitas. Fomos engaiolados por maus resultados, até aprendermos movimentos mais leves, mais suaves.

 

Adriano Mineiro, o aluno mais aplicado do mundo, estudou até a exaustão todos os truques que levavam outros povos

Miguel Pupo durante o Nike 6.0 em Trestles, Califórnia (EUA). Foto: Hilleman.

às conquistas e, dias atrás, conseguiu destroná-los momentaneamente. A liderança do nosso surfista – para eles, exótico; para nós, nativo – parece ter ajudado a desengaiolar definitivamente todas as araras azuis do país.

 

Arara azul é uma espécie de ave ameaçada de extinção, considerada valiosa no louco mercado de criadores de animais. O bicho é encontrado esporadicamente em três de nossos biomas – Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica.

 

Mas também é, no texto, um apelido para os mais novos representantes do surf nacional. São os valiosos surfistas de espécie rara do Brasil, que aprenderam a voar mais bonito que qualquer águia estrangeira.

 

A aparição mais recente de uma arara azul ocorreu na praia de Imbituba. Gabriel Medina deixou o mundo do surf desconcertado no Super Surf Prime, ao voar com naturalidade de ave em ondas perfeitas de 2 metros. Ignorou o veterano australiano Tom Withaker.

 

Dias antes do evento, um gato-mestre diria que naquele mar só havia espaço para o carving e os arcos de Joel Parkinson, e que aéreos funcionariam bem apenas em outras ondas. Pois, se alguém ainda duvidava, Medina provou que é possível surfar qualquer onda de maneira elegante, fluída e com assustadoras manobras aéreas. Uma performance inesquecível.

 

Antes do triunfo do nosso líder Adriano, outro autêntico exemplar de arara azul já tinha aprontado as suas, desta vez em mar estrangeiro. Miguel Pupo, filho pródigo de um dos competidores mais encardidos da história do país, voou alto num evento tratado com reverência pelos americanos: a etapa prime do WQS de Lower Trestles. De novo, as manobras aéreas foram usadas como arma para a vitória, sem perder a linha, em harmonia com a onda.

 

Trestles viu, na verdade, uma inédita revoada de araras azuis. O locutor do evento se perdia com tanto garoto brasileiro para elogiar. No round 4, dos 12 surfistas ainda vivos, oito eram brasileiros: Jadson André, Jessé Mendes, Gabriel Medina, William Cardoso, Thiago Camarão, Júnior Faria, Heitor Alves e, claro, Miguel Pupo.

 

Num release oficial durante a etapa, elaborado pelo povo da Nike 6.0, deixaram escapar o espanto: “o nível de surf apresentado hoje pela nova linhagem de brasileiros redefiniu o surf de ponta. Preste atenção todo o mundo, porque os brasileiros chegaram”.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".