Leitura de Onda

Agora não é mais agora

0

 

Para Tulio Brandão, passou da hora de o surfista exercer um novo papel, mais amplo, mais comprometido com o seu ambiente, que seja capaz de alterar, ao seu jeito, o destino do planeta. Foto: Bruno Lemos / Liquid Eye.

O tempo dos surfistas é diferente. Cinco segundos num tubo? Uma vida. Três dias sem surfar? A eternidade. Temos um contrato tácito com a santa natureza que nos permite passar a vida sobre as ondas, a flutuar por cima das aparentemente insignificantes questões mundanas mais urgentes.

 

Esse eterno passe livre, no entanto, agora cobra o seu preço. Nosso histórico desprezo ao engajamento político e comunitário serviu como pólvora para praias e mares em condições ambientais alarmantes.

Os problemas se espalham por todo o litoral brasileiro, em pequenas, médias e grandes cidades, indistintamente. Um número cada vez maior de paraísos com pelo menos um naco de onda e alguns surfistas sofre com mazelas como lançamento de esgoto sem tratamento, lixo descartado indevidamente, ocupação irregular de areia, restinga e encostas, privatização das praias, proliferação de algas e cianobactérias, etc.

Nada disso é novo, mas o dano só aumenta. Alguns destinos avançam firmes rumo ao colapso. Alguns paraísos descobertos por surfistas nas décadas passadas, que estão em nossa memória afetiva, estão irremediavelmente impactados por velhos e equivocados conceitos de progresso.

O tempo é ator neutro nesta história, mas pune severamente quem não sai do lugar. Como dizia um velho amigo, com pressa para a vida, agora não é mais agora.

Passou da hora de o surfista exercer um novo papel, mais amplo, mais comprometido com o seu ambiente, que seja capaz de alterar, ao seu jeito, o destino do planeta.

Engajamento é a palavra. Antes que os mais selfies tenham urticária com a ideia de coletivo, isso não significa necessariamente levantar bandeiras vermelhas para o mundo. Engajar-se é, antes de tudo, entender-se como um ator político, capaz de transformar as coisas à sua volta.

Olhe para o lado, encontre o grupo com quem você compartilha ideias, vá à luta. Pode ser com uma singela associação de surfistas de bairro, pode ser até mesmo uma reunião informal de amigos com boas ideias. Pode ser como quiser. O importante é ter, além da prancha no pé, uma boa ideia na cabeça.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".