Leitura de Onda

A pior onda do ano

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Matt Wilkinson tem ótima apresentação em Steamer Lane (EUA) . Foto: © ASP / Kirstin.

A lembrança de Santa Cruz na elite me leva a uma final empolgante entre Tom Curren e Gary Elkerton, lá pelos idos de 1990. Mas a memória às vezes nos trai: o que se viu este ano das falésias de Steamer Lane foi um fiasco, ondas congelantes, sem estrutura e continuidade, cheias de armadilhas à boa performance. Qualquer beach break mediano do mundo é melhor.

 

Foi a pior experiência do ano até agora, difícil de ser assistida mesmo por aficionados. Entre os amigos mais fieis, era consenso a opinião: “que evento sem graça, chato”. Santa Cruz pode ter sofrido ainda o mal da ressaca depois da prova lusa. Portugal foi polêmico, mas inesquecível. 

 

Mesmo Taj Burrow, o vencedor, admitiu, em entrevista, que achou a onda um lixo, difícil de ser surfada. Teve que pedir

Visual de Steamer Lane. Foto: © ASP / Rowland.

ajuda aos locais, que lhe ensinaram alguns atalhos importantes.

 

O australiano encontrou bons caminhos naquele mar sem corpo, mas não foi o melhor surfista do evento. Matt Wilkinson, com seu backside polido e consistente, sobrava. Taj venceu a final com justiça, diante do erro do conterrâneo Wilko na última manobra da última onda. 

 

Coisas do esporte, diriam alguns. 

 

Aliás, é o que tem afirmado também Kelly Slater, sempre que perde para Adriano de Souza. Nas últimas sete baterias, ele foi derrotado em cinco oportunidades. Mas, sempre que isso acontece, sai da água com o discurso: “perdi para ele porque não veio onda”. 

 

Tem tudo para ser campeão de novo, mas continua entrando de borda fora d’água.

 

Desta vez, na verdade, Slater mostrou comportamento estranho ainda dentro d’água. Depois do fim da bateria, pegou uma esquerda e foi com tudo na direção do brasileiro, que teve que afundar e deixar a prancha de lado para não ser atropelado.

 

Não acho que o americano teve a intenção deliberada de atingir Mineiro, mas, assumiu o risco de fazer isso ao escolher um caminho inevitável de choque, numa onda inútil, depois do fim da bateria. Se fosse um acidente de trânsito, muito juiz interpretaria como dolo eventual.

 

Depois de Santa Cruz, Slater está numa posição invejável para chegar ao 12º caneco. Joel Parkinson não aproveitou a enorme janela aberta após a derrota do americano e também ficou pelo caminho em Steamer Lane. 

 

Pesa a favor de Slater ainda o critério dos descartes, que o coloca em ligeira vantagem para Pipe. E chegar ao Havaí tendo como missão ser melhor que o americano é difícil. Parkinson não é um Andy Irons, e John Florence não tem chance de título.

 

Mas a maturidade tem feito bem ao australiano em Pipe. Ano passado, ele surfou muito bem, num ano de ondas encorpadas. Ficou atrás apenas de Kieren Perrow. Nada é impossível.

 

Adriano venceu Slater novamente, mas sai de Santa Cruz com a triste notícia de que não tem mais chance de titulo em 2012. O quinto lugar não foi suficiente para mantê-lo vivo. Já Gabriel Medina mostrou estar recuperado da banda levada em Portugal: surfou com criatividade para igualar o resultado de Adriano como melhor brasileiro na prova.

 

Agora, para os brasileiros, resta afiar os cascos nos corais de Pipeline e fazer bonito.

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe. 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".