A lenda do giro da cabeça biruta

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G-Land, Indonésia. Lá o vento é anunciado pela biruta do surf camp, mas quem fica biruta mesmo são os surfistas com a qualidade das ondas. Foto: Darcy.
A equipe Waves tem o prazer de apresentar o mais novo e ilustre colunista do site: o carioca Felipe Zobaran. Aos 39 anos, Zobaran atualmente é diretor de conteúdo da Abril.com, divisão da Editora Abril para atividades corporativas de Internet.

 

Além disso, é integrante do conselho editorial da revista Fluir. Porém, a história desse jornalista vai além e se confunde com a própria história do surf brasileiro, segmento no qual trabalhou diretamente por 11 anos, entre 88 e 99.

 

Ele foi um dos fundadores do Jornal Now, do Rio de Janeiro, onde trabalhou como editor até 92. Logo depois, virou correspondente da Fluir, no Rio. Dois anos depois, em 94, foi chamado para assumir a direção da revista em São Paulo.

 

Entre 94 e 98, na editora Azul, dirigiu, além de Fluir, as revista Showbizz e Interview. No ano 2000, Zobaran foi transferido para a Abril.com, onde está até hoje. No tempo em que esteve na Fluir, viajou o mundo inteiro, conheceu os picos mais famosos, entrevistou grandes surfistas e trabalhou com os melhores jornalistas e fotógrafos do meio.

 

Ele também foi o criador da coluna Lendas e Tribos, de grande sucesso na Fluir, cujo espírito pretende resgatar escrevendo para os leitores do site Waves. Dono de um quiver formado por cinco pranchas, Felipe continua um surfista fissurado e desce todo final de semana para o litoral norte de São Paulo e, sempre que pode, investe numa surf-trip.

 

 

Sexta-feira. Lá vou eu de novo despencar morro abaixo rumo à praia. Morar e trabalhar em São Paulo e ser surfista não é mole. A praia mais próxima fica a uns 100 quilômetros. Eu, que nasci no Rio e vivi lá até os 30 anos, e que moro em Sampa há oito, acho essa viagem um sacrifício.

 

O ideal seria que todos os surfistas, todos que têm a fissura de viver em contato com o mar, morassem em frente ao pico. Não há nada como estar próximo das ondas.

Lembro de uma passagem do livro do Greg Noll, aquele surfista casca-grossa que pegou uma onda gigante em Makaha, Hawaii, no swell histórico de 69. Ele conta que, quando era garoto e morava na Califórnia, seu humor estava estranhamente ligado às condições do mar.

 

Se era um dia nublado, mar mexido e feio, sem ondas, ele se sentia macambúzio, sorumbático. Se o sol saía e as ondas ficavam lindas, a alegria tomava conta.

Nós, surfistas, queremos estar sempre ligados ao mar. De qualquer jeito. Às vezes nem é preciso ver as ondas. Há outras maneiras de se conectar.


Quando eu era moleque, no colégio, a galera do surf tinha um jeito especial de saber se o vento era terral. Se entrasse soprando pela porta da sala, em vez de pela janela na parede do outro lado, a surfistada já se ouriçava, ansiosa pelo fim da aula para correr em busca da onda perfeita.

 

Em Gradjagan (ou G-Land, na Indonésia), no surf camp que fica dentro da mata sem vista para o mar, quem dá o sinal é uma biruta. De manhã cedo, sem vento, a onda fecha um pouco mais. Quando entra o terral, geralmente entre 10 e 11 horas, a biruta do camp começa a girar que nem doida.

 

Como lá é Gradjagan, ninguém fica ansioso. Todo mundo sabe que tem onda de sobra, todo dia. No giro da biruta começa o ritual que provavelmente vai levar àquele tubão da vida.

 

No meu escritório paulista, que fica a uns 16 mil quilômetros de Gradjagan, as janelas nem abrem, por causa do ar-condicionado. Sentir o vento é uma utopia. Mesmo se desse, não adiantaria. Aqui o vento não é o mesmo que sopra no litoral. Mas não tem importância. Tenho Internet para me conectar.

 

Segundo as previsões, não devemos nos entusiasmar muito com esse próximo fim de semana. Vai ter umas ondinhas, nada demais. Vi as fotos de hoje e está flat no litoral norte, meu destino. Mas a Internet nem sempre sabe tudo.

 

Talvez a frente fria prevista para domingo faça as ondas chegarem um dia antes. Já vi isso acontecer mais de uma vez. Pensar assim dá ânimo e esperança, a mesma alegria que Greg Noll devia sentir ao ver o mar alinhado em frente de casa.

 

Se houver umas ondinhas bonitas, ninguém vai se sentir sacrificado por morar em São Paulo. Vamos nos sentir privilegiados, isso sim, por sermos surfistas e ainda podermos encontrar o mar. Mas, se a sorte sorrir e o mar estiver clássico, o que vai girar como a biruta de Gradjagan será nossas cabeças, de alegria. É nossa natureza.