Leitura de Onda

Vitória do renascentista

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Joel Parkinson dropa para a vitória no Billabong Pipe Masters 2012. E ainda volta para casa como campeão do mundo. Foto: © ASP / Cestari.

Venceu o surfista dos arcos suaves e precisos. Fosse Joel Parkinson um artista, seria um renascentista, um surfista capaz de resgatar, recuperar e revalorizar linhas antigas, clássicas, que andaram esquecidas nos últimos tempos, diante da revolução aérea do esporte.

 

Ao dar o título de 2012 a Joel, a ASP parece sinalizar que o surf pode até evoluir, mas será sempre baseado em linhas e curvas bem executadas.  A vitória de Joel é uma reverência a Curren, Gouveia e outros mestres do estilo. 

 

A mensagem é saudável – faz surfistas entenderem que, no surf, a manobra progressiva e rotacional só vale dentro de um contexto específico, desde que respeitada a base.

 

Numa só tarde, em Pipeline, Joel livrou-se de vários estigmas. Deixou para trás a fama de eterno vice, consolidada com quatro temporadas atrás apenas de um campeão. Conseguiu vencer antes de se aposentar, diferentemente de Cheyne Horan.

 

Superou, ainda, a fama de surfista que patina em horas decisivas, ao suportar a pressão imposta por Kelly Slater, fase a fase, numa seara dominada por seu adversário. 

 

Atropelou também o fantasma de surfista que leva o título sem vitórias, que caiu no colo de CJ Hobgood, em 2001, não por culpa do surfista, e sim de Bin Laden.

 

A cereja no bolo de Joel foi a conquista de um troféu que faltava em sua prateleira. Há justiça na vitória – há algum tempo o australiano vem surfando bem a etapa de Pipe.

 

Agora campeão, as lentes certamente se voltarão mais para a figura humana Joel Parkinson. 

 

É curioso saber que alguns amigos envolvidos no tour acham o sujeito uma antipatia. Porque ali, naquela tarde, em Pipeline, as lentes mostraram um cara comum, parecido com todos nós, sofrendo publicamente ao ver os minutos passarem vagarosamente na semifinal de Slater e, depois, vibrando intensamente com a família. As cenas me agradaram.

 

Outra câmera captou a solidão inesperada de Slater, logo após a sirene que sepultou o seu sonho do 12º título em 2012. O americano remava, perdido, sem saber para onde ir. 

 

Qualquer um que tenha acompanhado o cara nas duas últimas décadas sabe que, por estar tão acostumado a vencer, ele não costuma lidar bem com derrotas. Sente o tombo, o peso.

 

No caminho do americano, este ano, tinha uma pedra que o leitor Fábio Dutra chamou de Fator Brasil. A ausência na etapa do Rio lhe custou caro, sobretudo depois que, mais tarde, três brasileiros – Ricardo Santos no Tahiti, Raoni Monteiro em Portugal e Adriano de Souza em Santa Cruz – eliminaram precocemente o americano nas importantes etapas de Teahupoo, Portugal e Santa Cruz.

 

Acostumado a vencer com sobras – em 2011, faltou J-Bay e foi campeão – desta vez lhe faltou um lastro de resultados para descartar a etapa em que esteve ausente. 

 

Entre os brasileiros, quem brilhou na temporada havaiana foi Gabriel Medina. Em Sunset, deixou de vencer por uma difícil conta de centésimos, depois de uma daquelas ondas brilhantes em segundos finais que tanto têm aterrorizado a ASP.

 

Em Pipe, perdeu para a prancha quebrada de Kelly Slater. Precisava de uma nota mediana para vencer o round 4 quando, ao sair de um tubo que provavelmente garantiria a sua classificação direta para as quartas, deu de cara com um pedaço da prancha quebrada de Kelly Slater. Caiu. 

 

Não entendi a interpretação dos juízes. Ele foi derrubado por um objeto externo, de um adversário. Ele conseguiria se manter em pé na saída do tubo se não tivesse atropelado a prancha quebrada de Slater. Mas pontuaram a onda como se ele tivesse simplesmente caído. 

 

Tudo bem, a ASP não tem mesmo o hábito de deixar garotos abusados chegarem no ônibus e já sentarem na janela. Mas ano que vem tem mais.   

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe. 


 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".