Leitura de Onda

Um SUP entre dois pontos

0

Bezinho Otero rema em Búzios (RJ), no evento disputado no último fim de semana. Foto: Eduardo Chalita.

Nos dias mais tensos, recorro à preciosa janela das Ilhas Cagarras. Gasto sem culpa um precioso tempo com o olhar perdido para o vazio do mar que rodeia o arquipélago.

 

De uns meses para cá, passei a reparar, no caminho entre a cidade febril e aquelas plácidas ilhas, pequenos pontos solitários remando em pé sobre pranchas enormes.

Senti uma ponta de inveja e a certeza de que aquelas pessoas viviam, no meio do oceano, numa frequência totalmente diferente do ritmo frenético das metrópoles.

 

Estavam cercadas de água, luz e de imagens líquidas móveis, apenas indo de um ponto ao outro.

Um desses era o amigo Bezinho Otero, bom surfista em todas as pranchas, que agora dedica boa parte de seu tempo-água sobre um Stand Up Paddle (SUP).

 

Em pouco tempo, ele se tornou um dos melhores do Rio com a prancha grande e o remo na mão. Nas ondas, já dá rabetada e vira com a facilidade de quem tem uma fish sobre os pés.

 

Mas essa nova modalidade me prende não exatamente pelo que faz na zona de impacto. Pode ser que mais adiante, em cima de um SUP, eu mude de ideia.

 

Por enquanto, o que me fascina nisso é a travessia, o desafio solitário, é cortar o mar em busca de um ponto distante.

Bezinho mora na Barra, e volta e meia escolhe as Ilhas Tijucas como meta. “Em dias de água mais clara, paro para mergulhar numa fenda que existe nas ilhas. O SUP me leva a um paraíso de verdade, e ainda vejo a cidade ao fundo”, conta Bezinho.

Muitas viagens até as Tijucas serviram de treino para o evento Rei de Búzios, realizado no último fim de semana numa das penínsulas mais bonitas do país. Os surfistas, ou supistas, saíram da Praia Brava e remaram até Manguinhos.

 

No meio do caminho, pegaram vento contra, vento lateral e o melhor dos ventos, o chamado downwind, quando a prancha segue junto com o vento e chega a entrar em pequenas ondulações. 

 Bezinho ficou em terceiro, depois de percorrer 12 km em cerca de 1h30m de prova, atrás apenas de Candinho Bisneto e do campeão, Alessandro Matero. “O corpo se enche de endorfina, você vai embora. Eu prefiro não me ligar na disputa com adversários quando estou na água. Boto um som no ouvido, miro num ponto e simplesmente remo”, diz Bezinho.

Tudo para sair de um ponto e chegar ao outro. Cansado da rotina massacrante, outro dia parei novamente na janela que dá vista para as Cagarras. Vi mais um solitário sobre prancha, a caminho do arquipélago.

 

Percebi que ali – e na vida – o importante não é a menor, e sim a melhor distância entre dois pontos. É hora de remar num SUP.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".