Leitura de onda

Todos contra leviatã

0

 

Alejo Muniz encara Raoni Monteiro e Adrian Buchan, mas todos lutam contra Kelly Slater. Foto: Aleko Stergiou.

Ninguém aguenta mais ouvir falar de Kelly Slater. Mas os surfistas estão em Bell´s Beach para a segunda parada do ano, e não dá para apresentar o evento sem falar do cara. Ele venceu a etapa do ano passado naquela praia, lidera o ranking do WT deste ano com uma vitória na primeira etapa, detém o maior número de vitórias neste evento (4) e é o atual campeão mundial, com 10 canecos conquistados.

 

Kelly estava na coletiva de imprensa do evento de Bell´s, realizada no último domingo. Há quem diga que esses encontros oficiais são muitas vezes insossos, porque o entrevistado fica travado para soltar informações diante de tantos repórteres. Em entrevistas exclusivas, dizem, é mais fácil arrancar novidades. Pois às vezes é no meio de uma insossa coletiva que salpica a informação que todo mundo quer ouvir – ou, ainda, que ninguém quer ouvir.

 

“Se eu não estivesse faminto para conquistar meu décimo primeiro título, não estaria aqui”, respondeu Kelly, sem paciência, a um repórter que insistia em saber sobre sua aposentadoria.

 

O cara vai mesmo ficar para tentar vencer de novo. Já inclusive reservou um quarto num hotel cinco estrelas na Barra da Tijuca, no Rio, em frente ao pico, para a terceira etapa do WT.

 

Agora, vale mais que nunca a ideia de todos contra o americano. A começar pelos australianos mais experientes, que estão em casa e não engolirão uma nova vitória do americano em ondas aussies, até porque Bell´s este ano comemora seu 50º aniversário.

 

Também é hora da reação da nova geração do tour. Jordy Smith deve deixar de lado o discurso do orgulho de competir contra Kelly num momento histórico, que usou ano passado quando disputava o título com ele, e desta vez tentar atropelá-lo sem piedade. Vale o mesmo para Owen Wright, este sim um iconoclasta típico, responsável por vários reveses do 10 x campeão.

 

O fantástico quinteto brasileiro também vai estar armado para lutar contra o leviatã das ondas. Passadas a esperada boa estreia de Adriano de Souza e a surpreendente performance de Alejo Muniz na primeira experiência de elite, é o momento de, no mínimo, manter a mesma cadência de resultados. 

 

Raoni Monteiro precisa reencontrar o surf moderno que o catapultou à elite no início da década passada. Ele tem no histórico várias manobras capazes de levantar notas na nova ordem da ASP. Precisa apenas recuperá-las e, talvez, experimentar novos equipamentos para buscar alternativas criativas de ataque à onda. Talento, ele tem de sobra.

 

Jadson André, ano passado, deu uma boa estocada em Kelly. Mas segue com a necessidade de apurar a sua linha de surf para conseguir regularidade de resultados na elite. Há quem diga que seu backside tem falhas, o que eu discordo.

 

O problema é a abordagem nas partes fracas da onda: matar baratas, na elite, é um crime punido com notas baixas e preconceito dos juízes.

 

Heitor Alves, mais experiente, recorre um pouco menos a esse expediente, tão comum em beach breaks brasileiros. Seu surf de backside está mais redondo que o de Jadson, o que teoricamente lhe dá uma certa vantagem em Bells.

 

Alejo e Raoni entram na água juntos na bateria inicial do primeiro round contra Ace Buchan, talvez o melhor backside do tour atualmente. Heitor estreia contra dois outros goofies que surfam muito bem de costas para a onda: Bobby Martinez e Owen Wright.           

 

Adriano, na décima primeira bateria, terá pela frente a explosão do novo queridinho Julian Wilson, além do australiano Chris Davidson. E, no último confronto do dia, Jadson joga suas fichas contra os bons americanos Brett Simpson e Patrick Gudauskas.

 

Para enfrentar leviatã – que no imaginário dos navegantes da idade moderna é um monstro de grandes proporções – é preciso superar antes outros peixes médios e grandes do WT.

 

Quando ficar de cara para a fera, cuidado com truques ardilosos: é capaz até de você ouvir que ela te ama. Não acredite nisso: leviatã só quer vencer.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".