Leitura de Onda

Sobre Mineiro, Pelé e Slater

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Adriano de Souza durante o Quiksilver Pro 2011, Snapper Rocks, Austrália. Post de Mineirinho no Facebook motiva o texto desta coluna. Foto: © ASP / Kirstin.

Dias atrás, li um post no perfil do Adriano Mineiro no Facebook: “Olha só, Tulio Brandão, quantos atletas brasileiros já foram melhores do mundo? Você comparar Kelly Slater com Pelé foi ruim de admitir. Eu sou mais esses atletas aí de cima (ele referia-se à lista de notáveis postada pouco antes, com nomes como Sandro Dias, Torben, Scheidt) porque são brasileiros. Eu valorizo só atletas do meu país. Respeito os estrangeiros, mas dizer que os estrangeiros são melhores, isso não. Kelly, sim, entrou para a história, mas ele nunca será um Rei como o Pelé é para mim e para milhões de brasileiros”.

 

O post, claro, foi comentado por quase 80 pessoas (a maioria esmagadora concordando com a posição do surfista) e curtido por mais de 100. Adriano é um ídolo positivo, o melhor surfista do Brasil, e seria estranho se o resultado de seu post fosse diferente disso.

 

A comparação entre Kelly e Pelé, feita no momento do título mundial de 2010 do americano. Concordo que qualquer comparação entre os melhores de todos os tempos em seus respectivos esportes e o Rei do futebol é de certo modo clichê. Mas diante do décimo título mundial de um surfista de 38 anos que conseguiu se reinventar por duas décadas, não pude driblar o tal clichê.

 

Entendo que a definição de Kelly Slater como melhor surfista de todos os tempos está exclusivamente associada aos seus resultados em competições. Seja no WT ou num Eddie Aikau, não há caminho possível para contestar seus feitos. Se houvesse, eu teria ido adiante.

 

Sobre a comparação com outros atletas brasileiros, não vi necessidade de destacar os feitos de cada um deles até por estar falando de surf. A comparação de resultados era com o maior de todos os esportes, o Pelé, e não com os melhores de cada esporte.

 

Adriano, entendo a sua perspectiva de patriota. Você está na ponta de um esporte dominado pela cultura dos saxões e luta, com espírito valente e vencedor, para ser valorizado num cenário de resistência – para não dizer de eventual preconceito – contra brasileiros.

 

Mas minha perspectiva é a seguinte: cresci no jornalismo, numa cultura em que a neutralidade, apesar de inalcançável, é meta a ser buscada como a cenoura amarrada na frente do burro. Eu não vou conseguir alcançar a neutralidade, mas se não buscá-la a credibilidade das informações que gero vai estar irremediavelmente condenada.

 

Neste contexto, desprezo a visão por vezes enviesada de parte da mídia especializada estrangeira, que volta e meia nos trata como cidadãos de segunda classe do surf. E, sempre que entender que essa perspectiva torta está sendo comprada no julgamento da ASP, vou escrever – como já fiz outras vezes (clique aqui para ler) – sobre o assunto.

 

Mas não dá para aproximar meu lado jornalista do lado torcedor.

 

Fora do texto, tenha certeza disso, torço declaradamente pelos cinco surfistas brasileiros no WT. Volta e meia, me pego gritando sozinho com o computador quando um de vocês se sai bem numa bateria difícil. Ou amaldiçoando os juízes que não fazem a leitura certa das performances do quinteto de casa.

 

Nesta madrugada mesmo, eu estava acordado na sua bateria contra Taj Burrow. Vibrei muito com seus dois 9 e muito, comemorei a consolidação da sua maturidade e quase joguei o laptop longe quando os juízes empurraram Taj para as quartas.

 

Mas essa é a visão apaixonada do torcedor. O jornalista demora mais um pouco a concluir. Antes de escrever sobre a etapa, vou rever algumas vezes as ondas que entraram para o somatório, ouvir a opinião de amigos e refletir. Posso até manter a mesma opinião do torcedor apaixonado – e possivelmente farei isso – mas terá sido em bases bem mais sólidas que as erguidas ali no calor da arquibancada.

 

É curioso notar que nem só de vitórias vivem os grandes atletas. Pelé, a razão deste texto, não fez seus dois gols mais bonitos – um com o célebre chute do meio de campo e outro com um drible de corpo no goleiro, na Copa de 70.

 

Mineiro, Pelé é realmente o Pelé. Mas sua derrota para Taj tem uma cara de vitória parecida com os golaços não marcados pelo Rei. É um desses resultados negativos que entram para a história e pavimentam o caminho para conquistas futuras. Boa sorte em Bells.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".