Espêice Fia

Session na Laje

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O verão, apesar de maravilhoso em termos da ótima temperatura da água no Sul do Brasil, vinha em banho maria no tamanho das ondas, mas na virada da estação dois swells marcharam com boa consistência. O do começo desta semana teve proporções avantajadas.

À convite da turma da Atowinj, através de Thiago Jacaré e João Baiuka, me piquei pra Jaguaruna na companhia de Luciano Burin, diretor do documentário “A Pedra e O Farol”, e dos fotógrafos videomakers James Thisted e Renato Tinoco. A expectativa era boa quando no domingo (19) à noite nos encontramos com o ex-atleta do WCT Rodrigo Dornelles e o big rider Fabiano Tissot.

Com o sono curto, e o despertar antes do sol nascente, ficava deixava curioso pelo barulho das ondas na praia da Jaguaruna. Com o vento parado, o barulho era alto, e ao olharmos na linha do horizonte, a cerca de 5.5km da costa, avistávamos umas espumas reluzentes correndo. Sinal de que na laje as ondas estavam bombando.

A movimentação era grande na base da Atow Inj, na medida em que caminhonetas chegavam com alguns jets para reforço. João Baiuka chegara da praia do Cardoso com notícias de altas ondas por lá e bombando em seus “lives” no Instagram. Aliado a Luis Casagrande, que vem se especializando em resgate, e contando com o jet da Atow Inj, estávamos bem equipados. Além disso, uma lancha proveniente do porto da cidade de Laguna estava prevista para chegar ao outside às 7:40 da manhã.

Todos a postos à espera da lancha e o nascer do sol – que havia sido esplêndido – dava lugar a densas nuvens seguidas de uma brisa de maral. Mas a turma não desanimou, pois a previsão era boa e sempre depois de chuvas podem vir calmarias.

Na beira da praia, foi a vez de mais um fotógrafo videomaker junta-se ao grupo. Rafa Shot, como é conhecido, vem participando de muitas sessions com a turma da Atow Inj e já está se tornando um expert na laje da Jagua. Às 7:50, a lancha do Capitão Beto e seu “partner” Faust apontam no outside.

Não foi muito fácil atravessar a arrebentação nos jets com os equipamentos para documentação da session, pois as “pelican cases” do Renato Tinoco eram cada uma maior que a outra. As “caixas” eram seguras, mas havia ondas de 2.5 a 3 metros no beach break para serem ultrapassadas.

Deitado no “sled” e em cima de minha gun 9’6”, passei para o outside já com os antebraços doendo, pois o esquema era esse: os jets iam levando de um a um para todos se acomodarem na lancha e seguirmos por cerca de meia hora de navegação. Desta vez havia uma galera, pois além dos já citados, Galdino, André Luiz, Diego e Leo Lobato completavam a barca.

A chegada ao pico é sempre uma expectativa e normalmente observa-se o mar por algum tempo até que a session comece. Fabiano Tissot abre remando para o outside, quando a primeira série na esquerda entra. Neste momento, o sub capitão da lancha (Faust) dispara um foguetão para dar início e a turma fica em um mix de susto e risadas. Ficar em uma embarcação com ondulações oceânicas não é a melhor coisa pra quem mareia. Alguns tomaram Dramim, mas outros fizeram a mesma coisa que eu e partiram pra água.

Tissot, com sua 10’6”, posiciona-se no pico, e aproveitando sua leitura, fico mais abaixo com minha gun, quando João Baiuka entra com sua 10”4”. Luciano Burin teve parte de sua infância e adolescência na praia de Jaguaruna e me contou seu sonho de surfar a onda na remada. Até então ele só havia estado no outside para gravar imagens para seu documentário e aquela session era seu debut. Luciano entrou com uma 8’7”, sem colete flutuador, e ficando mais abaixo da turma das big guns. Aos poucos foi conseguindo pegar as ondas.

As séries estavam demoradas e por um momento pensamos que o swell não iria vingar. Mas depois da chuva, o vento parou e a máquina foi ligada de maneira espaçada. Rodrigo Dornelles entra no tow rebocado pelo embaixador do big surf na Jagua, o experiente  Thiago Jacaré . Aos poucos íamos vendo belas linhas sendo traçadas. O Pedra tem um estilo polido e tá com a manha do tow in. Foi legal de ver e nos empolgou. A única complicação era que misturar tow com remada necessita de atenção redobrada, mas nesse quesito a turma estava esperta.

Outra dupla em outro jet se aventura nas direitas – Luis Casagrande e  Carlos Peri -, e no terceiro jet ficava o fotógrafo Rafa Shot documentando a session de um ângulo diferente, pois James Thisted e Renato Tinoco iniciaram no barco.

As séries começaram a melhorar para a remada, quando Tissot e Baiuka pegam as primeiras boas. Ia prestando bem atenção no posicionamento deles pra que conseguisse pegar uma boa, pois até então não tinha conseguido entrar em uma parede legal. O mar ia ganhando corpo quando uma parede com cerca de 10 pés entra para o Tissot. O gaúcho rema com disposição em seu barco vermelho e vai embora. Drop irado e a galera vibra. 

João Baiuka, mais enérgico, remava em mais ondas e consequentemente pegava mais. Deu bons drops, e um, em especial, sua prancha chegou a levitar duas vezes.

Em determinado momento melhorei meu posicionamento depois de prestar bastante atenção nesta dupla e fui recompensado com uma da serie. Ela entrou ainda mais ao fundo e já veio em minha direção com o lip espumado. Remei forte e fiz meu trajeto em direção ao inside fazendo curvas longas. Um bump quase me derruba em um momento que tentava fixar mais o pé na prancha devido à pouca parafina que havia passado. Mas ao final foi só alegria e agradecimento a essa galera que me colocou na rota do surf de ondas grandes do sul de Santa Catarina.

Seguindo a tradição da turma, comemorei, logicamente, em nome do pioneiro Zeca Sheffer (in memorian). O mar ficou em um mix de brisa de maral, terral e em alguns momentos de calmaria. Foram cerca de 6 horas de surf, rolando de tudo, e até um jet quebrado.

Nesse momento, Thiago Jacaré entra com sua gun Havengueira 10’3”, um espetáculo de prancha. Com algumas fortes braçadas, pega uma da série em um momento que cruzo em direção ao outside, vendo toda a ação de cima do lip. Mais uma grande onda surfada e o cara aparece lá no final da onda com a vibração da galera. Nessa mesma onda, Luciano Burin, que estava mais embaixo, passou um certo sufoco, pois ao tentar varar a onda decidiu soltar a prancha e por pouco não rola um acidente. Graças aos bons deuses, tudo certo.

Saio para repor energias e passar protetor solar, quando vejo Tissot vindo em uma das grandes. O “primão” é derrubado por um bump e capota lá embaixo. Mas valeu o take off e o registro clicado. Nessa, sua gun acaba sendo trincada ao meio, mesmo sendo um material reforçado. Aí é aquela coisa: o cara não usava leash e a lógica era que a prancha fosse arrastada sem quebrar. Mas não tem jeito quando uma massa de água daquela pega de jeito… Bom, no mínimo deu sorte de não ter partido ao meio, pois com um conserto e um reforço em carbono, vai agregar peso e vai é ficar melhor para dias de ventos fortes e de “bumps” nas faces das ondas.

Galdino, André Luiz, Diego e Leo Lobato também pegaram as ondas e se revezaram no tow in quando não estavam na remada, hora rebocando e hora sendo rebocados. O incansável Luis Casagrande, também conhecido com “Sapão”, me convida pra ser rebocado. Aproveito pra testar minha prancha de tow que havia shapeado no ano passado. O mar, neste momento, estava mais picado e acabei soltando a corda em momentos errados, fruto da minha inexperiência nesse outro segmento do esporte. Mesmo assim, deu pra ter as emoções e ver também que o equipamento funcionou, faltando apenas mais quilometragem para mais respaldos na evolução.

Tão logo largo o tow, vejo algumas séries mais constantes e Burin pega uma grande com minha 9’6”. A galera vibrou, mas o bicho levou uma lipada no fim que deu pra sentir a força da Jagua. Pronto, batizado!

Jacaré e Baiuka se revezam em várias ondas e volto pra água. A maré ia enchendo e mudando a constância da ondulação. Baiuka e Jacaré pulam pro tow e fico no outside apenas com Galdino, quando uma série enorme entra. O amigo leva na lata da esquerda e acabo descendo um ladeirão pra direita. Tinoco estava na água, mas posicionado pra esquerda, e perdeu o take de meu drop. Mas a imagem ficou latente em minha memória. Pura emoção, pois por falta de conhecimento no pico, não sabia que tipo de laje iria brotar em minha frente. Adrenalina total.

A galera avista cardumes de peixes. Olhetes, acho que era este o nome da espécie. Fiquei vendo de longe a bagunça quando levantaram uma grande Tuna (atum). Neste momento, mais um foguetão fôra disparado. Fim da session e mais meia hora ate o lineup do beach break da Jagua.

Já na base da Atowinj, João Baiuka e Casagrande davam o trato nas máquinas (jets). Haja trampo! A brincadeira não é fácil, pois logística e muito tempo são gastos para a preparação de um dia de surfe na laje. Algumas geladas abertas e aquela foto tradicional da barca para posteridade. Próxima parada: Cardosão, no dia seguinte. Dale swell! 

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.