Leitura de Onda

Páginas verde e amarelas

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Capa da Surfing destaca o surf brasileiro. Foto: Reprodução.

Perfil de Teco Padaratz estampa página dupla da revista. Foto: Reprodução.

A Surfing já foi mais brasileira. Dez anos atrás – ou quase isso, em novembro de 2000 – a revista mais ianque do surfe publicava uma edição repleta de referências positivas ao Brasil. Era uma época de apostas altas em fichas verde e amarelas.

 

O surfista da capa não era brasileiro, mas o resto, sim. O editor dividiu em dois a palavra “domination”. Num lado, abaixo da expressão “domi”, Teco Padatatz está apresentado num perfil generoso. No outro, seguido por “nation”, aparece o título “Amadores brasileiros mandam no mundo”, numa referência ao ISA Games de Pernambuco, quando a molecada vestiu a amarelinha e, escoltada por alguns profissionais, massacrou os gringos como nunca dantes na história do esporte.

Logo nos primeiros anúncios de página dupla, Peterson Rosa aparece dando um aéreo para vender a linha de shorts Maori da MCD. Bronco era tratado com um respeito hoje raramente concedido a atletas brasileiros que defendem grandes marcas.

Algumas páginas depois, lá está Teco, num sofisticado perfil assinado pelo jornalista Vince Medeiros, um gringo-abrasileirado que sabe driblar palavras duras num texto. Sob o título “The unsinkable brasilian”, algo como “O brasileiro insubmergível”, numa referência à reação improvável do catarinense.

 

Um ano antes ele havia perdido a vaga no WCT e, naquela altura de 2000, ocupava o respeitável terceiro posto do mundo, depois de beliscar pódios de respeito, com um segundo em Bells e um terceiro em J-Bay.

Nas generosas quatro páginas em que o brasileiro foi retratado, são só elogios. “Ele é boa pinta, tem uma mulher bonita, uma casa espaçosa e um paco gordo de dólares vazando de sua carteira. Não apenas isso, mas ele é também o surfista mais bem-sucedido da história a vir do Brasil.” E Teco, dono de uma auto-estima à altura de seu surfe, não se faz de rogado: “Eu me tornei essa incansável máquina de surfe, o que é ótimo porque eu estava surfando bem e ganhei o respeito de todos os gringos”, conta ao jornalista, lembrando de competição no circuito nacional americano, a NSSA.

Perguntado sobre a perspectiva de título, ele responde: “Eu só estou aqui pelo surfe. Vamos ver onde isso vai me levar”. E o autor do texto emendou: “Um surfe que pode muito bem levá-lo ao topo. Vamos apenas esperar e ver.”

 

Meia dúzia de páginas à frente, uma matéria de página dupla anuncia: “Missão impossível – domínio mundial absoluto: Brasil destrói o ISA Games” A matéria começa num tom blue por conta de uma das piores performances da equipe americana na história do evento.

 

Os EUA foram jogados na escória da 10ª posição, atrás de países que a esta altura não tinham qualquer história no surfe, como Nova Zelândia, Espanha, Portugal, Taiti e França.

Lá pelo meio do texto, o autor arrisca: “Os juniores brasileiros – Marcondes Rocha, Bernardo Pigmeu e André Silva – vinham sendo o ponto alto do evento. Cada um desses três garotos vão um dia navegar para cima do ranking do WCT.”

E, antes que a revista acabe, anunciando a próxima edição, uma foto de Neco Padaratz ilustra a apresentação da cobertura do WCT de Huntington Beach, que teve o próprio em terceiro. No ano anterior, Neco vencera, com Fabinho em segundo e Vitinho em terceiro, no melhor resultado da história do surfe brasileiro no WCT.

Desde a fatídica Surfing de novembro de 2000, quase 10 anos se passaram. As apostas se revelaram furadas. Do dia que a revista saiu do forno em diante, tivemos problemas de adaptação em eventos de prime location, grandes ídolos jogados à aposentadoria, renovação insuficiente e, mais que tudo, quase nenhum espaço na mídia americana. Voltamos a vencer há dois anos, com o convidado especial Bruno Santos, e agora, com as novas estrelas, Adriano de Souza e Jadson André.

Algo me diz que os títulos são o prenúncio um novo ciclo de valorização do surfe brasileiro. Mas há quem duvide. Ian Cairns outro dia se disse entediado com a performance de Mineirinho. E Kelly Slater deu a entender que Jadson é apenas mais um excelente surfista de ondas pequenas criado nos beach-breaks brasileiros.

Que fique bem claro: eles não são brasileiros. E Vince Medeiros, subeditor da inesquecível Surfing verde-amarela, foi criado lá nos Pampas.

 

Tulio Brandão é repórter de O Globo, colunista do site Waves e da Fluir e autor do blog Surfe Deluxe

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".