Leitura de Onda

Os filhos do Arpoador

0

Billabong Rio Pro 2012 traz mágica do surf novamente ao Arpoador, berço do surf no Rio de Janeiro (RJ). Foto: © ASP / Kirstin.

Se o Arpoador fosse um livro, seria um desses romances de formação, chamados assim por mover gerações numa direção. Assim foi com “On the Road”, bíblia americana de Jack Kerouac, assim foi com o Arpoador, único pico original do surf brasileiro.

 

Arpoador é um pico de formação por ter gerado a cultura de prancha do país. E o melhor de tudo é que, ali, o surf brasileiro nasceu do zero, como algo original, sem se espelhar em primos ricos. Nos primeiros anos, quando surgiram as “portas de igreja” e, depois, as primeiras madeirites, o esporte praticado no Arpoador era um movimento quase sem influência externa, que se alimentava simplesmente da explosão criativa dos jovens daquela praia.

 

Enquanto na Califórnia já se produzia pranchas de poliuretano e, no Hawaii, havia competições internacionais como a de Makaha, no Arpoador o surf era inventado à nossa moda. Por um tempo curto, mas mágico, aquele lugar foi tão seminal quanto os primeiros picos polinésios, onde surfistas de alma entenderam que troncos serviam para descer ondas.

 

Pois esse nariz de cera serve a um propósito: reverenciar o lugar em que os melhores do mundo abriram os trabalhos, nesta quarta, na primeira fase do Billabong Rio Pro 2012. Aquela onda, quase nunca valorizada pelos gringos, é a maior responsável pela existência de tantos brasileiros prontos para arrombar a porta e vencer um título mundial.

 

Num certo sentido, todos os surfistas brasileiros descendem do Arpoador. É simples: foi lá que tudo começou para todos nós – dos velhos pioneiros cariocas aos jovens paulistas Adriano de Souza, Gabriel Medina e Miguel Pupo, passando pelo potiguar Jadson André, o cearense Heitor Alves e os catarinenses Alejo Muniz, Tomas Hermes e Willian Cardoso e o paranaense Peterson Crisanto. Isso sem falar, claro, do carioca Raoni Monteiro.

 

O pico, apesar de ser orgulho brasileiro, deu uma mostra de que é muito mais que uma simples rampa de beach break. Ontem, esquerdas divertidas de até 1 metro escorriam pela pedra, bem afeitas a linhas mais clássicas, bem desenhadas. Quase todos os que escaparam do round 2 venceram sem abusar de manobras aéreas. Estão nesse time nomes como Adriano, Mick Fanning, Taj Burrow, Joel Parkinson, Adrian Buchan e Jeremy Flores.

 

Medina perdeu por pouco. Numa bateria de poucas ondas, quem pegou a melhor foi Ace Buchan. Mas o freak brasileiro pintou como um dos preferidos da torcida. Explica-se: suas expressivas manobras aéreas levantam até quem não sabe a diferença entre bico e rabeta.

 

Com Kelly Slater fora – como estará o pé dele? – as vitórias mais valiosas para o ranking serão as de Mineiro, que tem boas chances de escapar na liderança após o evento. O nosso surfista mais maduro para o título parece estar no mesmo ritmo das duas primeiras etapas.

 

Adriano tem, ainda, uma vantagem comparativa sobre os demais competidores. Sabe, como ninguém, tirar proveito da energia e da vibração da torcida local. Oxalá que o evento siga no Arpoador. Lá, além da interação com o público, haverá sempre a mágica do pico. 

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".