Leitura de Onda

Os criadores do jogo

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Alejo Muniz, bela estreia no Mundial com um quinto lugar no Quiksilver Pro 2011. Foto: © ASP / Kirstin.

A história começou na década de 70, quando os australianos Ian Cairns e Peter Townend convenceram os havaianos Fred Hemmings e Randy Rarick a criar o IPS, um circuito mundial unindo as principais competições da época. Não havia brasileiros lá, apenas saxões. Eles tinham diferenças, rixas, mas estavam unidos por uma língua nativa em comum.

 

É difícil dizer onde acaba a coincidência e começa o preconceito – se é que há preconceito. O fato é que desde que Townend foi o primeiro campeão mundial de surf, em 1976, todos os títulos foram conquistados por surfistas conterrâneos dos criadores do circuito ou por seus co-irmãos de países da língua inglesa – África do Sul, Estados Unidos e Reino Unido.

 

Foram eles os criadores do jogo.

 

Peter Townend, um dos fundadores do World Tour, rema em Maresias. Foto: Paulo Tracco.

Diz o clichê do esporte que os campos esburacados de pelada e as bolas de meia lapidaram o talento do jogador brasileiro. Tem gente que força a barra para dizer que nossos títulos mundiais de F-1 têm um pouco das ruas e estradas impraticáveis.

 

No surf, a lógica do sucesso como um produto da dificuldade não funcionou até agora. Temos uma costa de mais de sete mil quilômetros de ondas irregulares – aqui e ali se encontra um pico de qualidade, mas é muito pouco.

 

A questão é que beach break ainda não fez a diferença na formação de um campeão nascido no Brasil. Para encostar na elite, o surfista brasileiro teve que ralar muitas vezes nas ondas perfeitas do inimigo.

 

Os caras, além de criarem o jogo, são donos de alguns dos melhores campos.

 

O Brasil tem uma bela história no circuito criado por estrangeiros, que começou ainda em 1976, com a vitória de Pepê no Waimea 5000. Vencemos, perdemos, aprendemos e, agora, temos um dos quadros mais bem qualificados da história.

 

O líder do quinteto é Adriano de Souza, surfista de movimentos agudos, competidor nato e dono de uma incrível capacidade de evoluir na adversidade.

 

Adriano perdeu para Taj Burrow no round 5 da etapa de abertura do circo. Talvez não tenha perdido.  Talvez tenha vencido, mas não levado. Talvez os juízes tenham empurrado um surfista da casa, com anos de bons serviços prestados à ASP. Talvez os juízes tenham aplicado a lei da compensação, depois de darem uma primeira nota alta do brasileiro sem saber que as performances daquela bateria sairiam tanto da curva. Ou talvez o estilo polido de Taj tenha lhe rendido os décimos extras para virar. Talvez não tenha acontecido nada disso.  

 

Ouvi opiniões distintas de gente honesta e entendida. Minha opinião: vi em Taj um surf mais polido e menos contundente que em Mineiro. Se eu fosse juiz, daria a vitória ao Mineiro.

 

Mas e os outros quatro juízes?

 

Mineiro pode ter sido eliminado por fatores subjetivos que extrapolam a sua performance na água, mas o resultado não me causa indignação. Avaliações imprecisas são parte do jogo de um esporte em que a decisão é sempre subjetiva. Se os dois grandes surfistas fizerem o dever de casa – como aconteceu na bateria do round 5 – a escolha do vencedor é uma tarefa duríssima mesmo para espertos no assunto. É nesse momento que ocorrem os erros.

 

Por isso, Adriano fechou com o certo ao não se pronunciar sobre a derrota. Ele sabe – e os seus parceiros brasileiros no circuito também devem saber – que o único caminho para a vitória, quando se disputa com um surfista hierarquicamente mais importante que você, é martelar as ondas até convencer os juízes de que não pode haver outro vencedor.

 

É como um desafiante, quando quer tirar o cinturão de alguém na luta. 

 

O silêncio é recomendado também porque o próprio Adriano conquistou o respeito dos juízes com performances elogiáveis nos últimos anos. E, se desta vez foi prejudicado diante da dúvida do julgamento, em outras baterias seu surf foi justamente valorizado.

 

Kelly Slater venceu a etapa com uma performance mediana para o seu padrão. Não foi o melhor surfista do evento, mas ele não precisa mais disso para chegar às vitórias.

 

Alejo Muniz foi a maior surpresa para os brasileiros fanáticos que se dispuseram a varar a madrugada vendo a evolução da etapa de Gold Coast. Mostrou um surf moderno, insinuante e é capaz de atropelar sem medo surfistas com muitas estrelas do peito, como Taj e Joel Parkinson. Poderia ter vencido Jordy Smith, com um pouco mais de calma.

 

Alejo chegou sem criar muito alvoroço ao WT e, com um quinto na estreia, jogou os holofotes para a sua prancha na próxima etapa. Bells promete para os brasileiros.  

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".