DNA Salgado

Os boardshorts

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Mickey Dora, em Malibu (EUA), 1959. Foto: John Severson.

Se perguntado qual o parceiro inseparável do surfista, muitos de nós sempre e repetidamente responderemos que é a prancha.

Mas, principalmente nós, surfistas brasileiros – que temos o privilégio de surfar em águas quentes de 9 a 10 meses por ano -, podemos pensar que existe um outro parceiro pouco lembrado, mas muito importante e inseparável em nossas diárias sessões de surfe: o famoso boardshort, ou calção de surfe.

Surfo há mais de 40 anos e trabalho no mercado do surfe há mais de 33. Desde o começo da minha carreira, sempre tive muito interesse e uma dedicação especial com os boardshorts, talvez por ser um apaixonado por surfe e gostar de inovar sempre, duas questões importantes para quem quer ser um designer deste produto.

O Surf Trunk, como era chamado no começo dos anos 50, na Califórnia, foi criado visando dar estilo próprio e muita liberdade ao surfe, que era uma tribo diferenciada já naquela época. Logo no começo, os surfistas procuravam as Tailor’s shops ou alfaiatarias para fazerem suas próprias peças. Eram tecidos de algodão (sarja), pesados e com zero de elasticidade. No começo dos anos 60, esse produto começou a se consolidar e não demorou muito até as marcas da época começarem a produzi-los em série. O nome boardshorts surgiu nessa época e é chamado assim até hoje, principalmente no mercado norte-americano.

O boardshort, desde o início dos anos 60, não parou mais de evoluir, tanto em termos de tecnologia, como no visual e estilo.

A revolução nesse produto se deu em meados dos anos 80, na Califórnia, quando uma marca desenvolveu um boardshort que seria chamado de stretch. Desenvolvido em um tecido que esticava, o stretch boardshort revolucionou o mercado da época, mas, infelizmente, por algumas questões de produtividade e valores muito acima do normal, rapidamente sumiria das prateleiras.

Depois de 10 anos voltaria com força total e tomaria conta do mercado, como acontece hoje em dia.

Hoje, considerado o produto mais importante pelas verdadeiras marcas de surfe, o boardshort está dividido em duas categorias: o básico, que, como muitos pensam erroneamente, não é uma peça lisa, mas sim uma peça construída mais para o conforto e liberdade, usando artes de muito bom gosto, e mantendo o mais puro estilo surfe; e o boardshort de surfe, este sim construído com tecidos leves 100% stretch para proporcionar maior conforto e performance na água.

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Greg Noll, Havaí, 1962. Foto: John Serveson.

 
O que faz um boardshort ser melhor que os outros?

O primeiro ponto, e talvez o mais importante, está nos designers que criam e desenvolvem este produto.

Ser surfista de verdade (aquele indivíduo que está na água o máximo possível e que ama o surfe) sem dúvida é um dos ingredientes mais importantes para o sucesso de um boardshort, Esses designers, quando estão surfando, na verdade estão fazendo sua pesquisa de produto mais importante.

Inspirados e formados pelos mares da vida, isso os credencia e facilita a obter um resultado final perto da perfeição, além de fazerem constantes pesquisas e testes de aprimoramento. Estes são os ingredientes que, sem dúvida, trazem para a água o melhor conforto, caimento e performance.

As tendências atuais dos mercados californiano e australiano estão voltadas para o surfista de verdade e trazem para o presente uma reedição dos boardshorts com estilo e modelos dos anos 80, adicionados à tecnologia de desenvolvimento, tecidos de alta performance e artes dos dias de hoje, resultando na combinação perfeita.

E também, sem dúvida, a preocupação com o caimento passa por pesquisas e testes que influenciarão no resultado final da performance na água.

Em uma tendência mundial, os boardshorts estão encurtando, não tendo mais seus comprimentos longos abaixo do joelho, o que os deixavam parecendo tudo, menos um boardshort!

Hoje em dia, as verdadeiras marcas de surfe nacionais e internacionais investem pesado ano após ano em busca da perfeição. Isto é fundamental não só para os resultados internos satisfatórios de cada empresa, mas, o mais importante é a manutenção do esporte como um todo, afinal estamos falando de um produto que nasceu e é exclusivo do surfe.

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Jeff Both, Trestles (EUA), 1989. Foto: The Eighties at Echo Beach / Reprodução.

Atualmente, algumas marcas estão dando voos mais altos, indo buscar artistas e designers surfistas para, em parcerias, desenvolverem linhas denominadas collab que conversem com o surfista de verdade e tragam exclusividade.

Essas collabs trazem resultados muito interessantes nos aspectos surf art, com uma combinação que envolve o passado e o presente, como já citado acima.

A cada dia percebo cada vez mais interesse nestes produtos por surfistas brasileiros.

A cada visita que faço às lojas verdadeiramente “surfe”, vejo a gigantesca diferença entre os verdadeiros boardshorts e os genéricos. Isso me deixa muito satisfeito, pois consigo perceber a reação positiva dos surfistas/consumidores em querer mais do que vestir um boardshort  bonito. Eles querem vestir uma marca de surfe autêntica, pois sabem que aquela peça foi criada e construída por que entende do assunto. Talvez seja este um dos caminhos mais curtos para se manter ativa a comunicação entre surfistas e as marcas de verdade.

Faço aqui um apelo para os surfistas e simpatizantes do verdadeiro surfe. Procurem consumir boardshorts e outros produtos originais feitos por marcas verdadeiramente com DNA salgado.

 

Aloha! 

Kemel Addas Neto
Designer de moda, fotógrafo e artista plástico há mais de 35 anos, fez parte do primeiro staff da revista Fluir e atualmente é o curador de arte da The Board Trader Show. Surfa há mais de 40 anos, possui uma forte conexão com a Califórnia (EUA), com diversas temporadas na bagagem, e é dono do maior acervo de filmes de surfe do Brasil.