Leitura de Onda

Oh meu Deus

0

 

Kieren Perrow despenca para a vitória no Billabong Pipeline Masters 2011. Foto: Bruno Lemos / Lemosimages.com.

Ao deixar a água, Kieren Perrow só conseguia verbalizar “Oh my God!”, como se tentasse perguntar a Deus por que o destino lhe reservara um momento tão mágico na vida. O australiano acabara de conquistar o maior triunfo de sua carreira, o mítico título do Pipe Masters, num evento com ondas históricas e na frente de sua família.

 

A primeira coisa que fez ao chegar na área reservada foi abraçar os filhos – um garoto de 7 anos e uma menina com uns 2 aninhos – e dar um beijo na esposa. Para KP, não haveria sentido em conquistar o troféu mais desejado do mundo – uma prancha para Pipeline shapeada por Gerry Lopez – como um surfista que abdicou da família para vencer no WT.

 

O aussie fez justamente o contrário em 2004, quando deixou de correr algumas etapas do circuito mundial para cuidar do primeiro filho e, com isso, perdeu a vaga na elite. Nos três anos seguintes, batalhou para voltar ao WT até reconquistar o seu posto em 2008.

 

Em sua segunda fase na elite, não conseguiu os mesmos resultados do início da carreira – em 2003, chegou a ocupar o terceiro lugar no ranking e finalizou a temporada em sexto do mundo – mas se manteve na base da atitude e da diferença de seu surf em ondas mais críticas.

 

KP já poderia ter vencido o Pipe Masters ano passado, quando perdeu na final por um erro de estratégia para Jeremy Flores. O detalhe é que, assim como em 2010, ele precisava desesperadamente de um resultado no Hawaii para se manter na elite. Este ano, novamente na pressão, conseguiu mais que um resultado: fez história.

 

Considerado um surfista quieto, de fala mansa, que em muitos line-ups do mundo sequer seria reconhecido, o australiano se transforma num monstro quando o mar assusta mortais. KP foi um dos desbravadores da aterrorizante Shipsterns Bluff e, sempre que as ondas ganham tamanho, ele cresce na mesma proporção.

 

Nas quartas, o australiano enfrentou Gabriel Medina. O garoto brasileiro baixou a bola dos críticos ao conquistar a quinta posição na primeira vez que disputou o Pipeline Masters. Até chegar à disputa com KP, vinha vencendo suas baterias com estratégia. Surfava com técnica ondas de pontuação intermediária e colocava a pressão nos adversários.

 

Contra Perrow, Medina pegou a sua melhor onda – um 8,6, – e mostrou que vai dar trabalho naquele tubo nos próximos anos. Na areia, surgiu a comparação com o estilo de Rob Machado, que valorizou ainda mais a performance do brasileiro.

 

Mas, contra o australiano, não teve jeito. KP, naturalmente mais maduro que o brasileiro no pico, sobrou nas ondas de Pipe. Fez um 9, um 6,5 e um 8,2 (que poderia ter sido um 10 se o lip não tivesse o derrubado da prancha nos instantes finais da onda).

 

Nas ondas mais agudas do circuito, os surfistas mais maduros encontram o seu espaço. Prevalecem naturalmente. Mas maturidade, no surf, não quer necessariamente dizer idade.

 

John John Florence é um exemplo: aos 19 anos, é veterano nas ondas de Pipe. Se a conta for feita pelo número de ondas surfadas no pico, o havaiano talvez tenha a bagagem de um profissional da elite com mais de 30 anos. Por isso e pelo talento, fez uma ótima apresentação em Pipe e levou a Tríplice Coroa.

 

Só perdeu nas quartas, para Kelly Slater, numa daquelas viradas históricas de Pipe. O americano de Cocoa estava em combinação a cerca de quatro minutos do fim da bateria. Virou o bico para Backdoor duas vezes e construiu um placar de 17,53 para tirar o havaiano do páreo. Slater parou na semi, diante de um inspirado Joel Parkinson.

 

Na outra chave, KP passava sem sustos por Michel Bourez, com direito a uma nota 10 no Backdoor. A final era contra o amigo e ídolo Joel Parkinson. Deus tratou de corrigir o destino e lhe presentear, merecidamente, com as melhores ondas da bateria.

 

A vitória de Kieren Perrow é a vitória do dedicado pai de família e de um dos melhores surfistas do mundo em ondas agudas. Mais que o troféu de Gerry Lopez, ele conquistou o orgulho eterno de seus filhos no maior palco do surf mundial.


Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".