O surf teria suas origens na África?

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#Polinésia ou Peru? Ou quem sabe nenhum dos dois. Uma terceira opção para o berço do surf fica por conta da África Ocidental Equatorial, mas precisamente os litorais de Gana, Costa do Marfim, Guiné Bissau e Senegal.

Informações irrefutáveis dão conta de práticas ancestrais do surf moderno nessa região africana, praticamente no mesmo período em que também James Cook se deparou com polinésios surfando. No capítulo primeiro de Legendary Surfers (Surfistas Legendários) – uma gigantesca obra sobre a história da modalidade, desde os seus primórdios – observamos que estudiosos do assunto, como Ben Finney e James Houston, alertam para o fato de terem sido registradas antigas formas de prática de surf nessas duas regiões do globo.

Ao mesmo tempo, porém, descarta-se a hipótese do registro africano (no caso, banhado pelo Atlântico) estar conectado com o Pacífico de alguma maneira, ou histórica ou pré-historicamente. De acordo com o explorador inglês Sir James Edward Alexander, entre os anos de 1835 e 1838, na costa da África Ocidental, em praias do Senegal, Costa do Marfim e Gana, jovens pescadores equilibravam-se em tábuas (pranchas) de até seis pés (cerca de dois metros) sobre a arrebentação.

A narrativa do inglês fala ainda de meninos que se divertiam pegando ondas na Guiné Bissau, no mesmo período. Eles se debruçavam sobre tábuas, esperando pelas ondas. Uma brincadeira muitas vezes perigosa, diante do grande número de tubarões naquela área.

Enquanto isso, na costa norte do Peru, pescadores construíam embarcações de totora, usadas para o desempenho de suas funções quando em alto mar e para a diversão (surf), na volta, já na área de arrebentação. Essa prática é seguramente bastante antiga, conforme justificam peças de cerâmicas e ouro de remotas civilizações peruanas.

Eles também admitem que os barcos de totora das antigas civilizações pré-colombianas eram incrivelmente semelhantes às pranchas modernas, sendo mais largas a partir do seu meio para trás, além de dotadas de uma dianteira mais aguda e de uma parte traseira (popa) menos delgada.

Mas, de qualquer forma, acreditam piamente que nenhum desses registros tenha exercido qualquer tipo de influência sobre a prática do surf na Polinésia. Segundo eles, num período bem mais remoto, os primeiros watermen polinésios já corriam ondas 2000 anos antes do nascimento de Jesus Cristo.

Isso, no entanto, não parece condizer com a realidade exposta a partir de estudos, que estabelecem o ano de 500 da Era Cristã como o ponto inicial para o povoamento da absoluta maioria das ilhas polinésias. Sabe-se, com absoluta certeza, que a primitiva raça polinésia deve ter vindo, espontaneamente ou não, ao sabor das águas ou com a força das velas de uma embarcação qualquer, até essas ilhas longínquas.

Observando os fatos – Uma observação mais atenta – conforme Thor Heyerdahl, em A Expedição Kon-Tiki – dirigida aos habitantes da Polinésia mostra que a vinda deles não pode datar de muitos séculos. “Pois, se bem que os polinésios vivam dispersos sobre uma área de mar que tem quatro vezes o tamanho de toda a Europa, contudo não lograram produzir línguas diferentes nas diferentes ilhas. Há milhares de milhas marítimas, do Havaí no norte à Nova Zelândia no sul, de Samoa no oeste à Ilha de Páscoa no leste, e no entanto todas essas tribos isoladas falam dialetos de uma mesma língua a que demos o nome de polinésio”.

Heyerdahl reforça essa idéia, ressaltando o fato de que, a partir de um estudo com base no culto aos antepassados, presente em todas as ilhas polinésias, chega-se facilmente a uma única conclusão: a maioria das ilhas dos Mares do Sul não foi habitada antes do ano 500 d.C. “Em quase todas as ilhas os homens instruídos eram capazes de citar de cor, a qualquer momento, os nomes de todos os chefes da ilha até o tempo em que ela começara a ser habitada. E para auxiliar a memória usavam muitas vezes um complicado sistema de nós em cordéis retorcidos, como faziam os incas, no Peru.
Investigadores modernos recolheram todas estas genealogias locais nas diversas ilhas e verificaram que concordam umas com as outras, com espantosa justeza, tanto nos nomes como no número de gerações. Deste modo, atribuindo-se a uma geração polinésia uma média de 25 anos, descobriu-se que a região não pode ter sido habitada antes do ano 500 d.C.”

Verificou-se também que uma nova leva de imigrantes alcançou as ilhas por volta do ano 1100 d.C.. E mesmo admitindo-se que os primeiros imigrantes tenham vindo do Oriente, os posteriores, por certo, vieram do continente americano.

A essa conclusão chegamos a partir de uma providencial constatação: essa segunda leva migratória levou para as ilhas polinésias certo tipo de machado de pedra e uma porção de outros instrumentos característicos da Idade da Pedra, e os espalharam por todas as ilhas em que se estabeleceram.

É preciso esclarecer que, por volta do ano 1100, a exceção de um ou outro povo isolado e silvícola e certas raças atrasadas, não havia nenhuma civilização no mundo de qualquer capacidade reprodutora que ainda estivesse no nível da Idade da Pedra, exceto no chamado Novo Mundo. Ali, até mesmo as mais elevadas civilizações pré-colombianas desconheciam por completo os diferentes usos do ferro, e empregavam machado e instrumentos de pedra do mesmo tipo dos que eram usados nas ilhas dos Mares do Sul até a época das explorações.

Alie-se a isso o fato de que as civilizações pré-colombianas, a leste, eram as de parentesco mais chegado aos polinésios. Para oeste viviam apenas os povos primitivos de tez preta da Austrália e Melanésia, parentes afastados dos negros, e além deles estava a Indonésia e a costa da Ásia, onde a Idade da Pedra pertencia a um passado mais remoto ainda, talvez, do que em qualquer outro ponto do planeta.

Mas o que torna a coisa toda ainda mais complexa é saber que existem indícios fortes da presença de africanos na América bem antes das chegada dos europeus.

Influência africana? – Teriam as civilizações africanas migrado para as terras do Novo Mundo e influenciado as culturas americanas, a começar pelos Olmecas?

A semelhança de algumas figuras humanas esculpidas em pedra por artistas de civilizações pré-colombianas, sobretudo na América do Norte e parte da Central, com representantes da raça negra, é enorme.

Alguns estudos, iniciados já na década de 20, têm proporcionado uma coleção enorme de indícios comprobatórios da presença africana em terras americanas.

Da mesma forma, a arqueologia experimental tem demonstrado que barcos construídos a partir de modelos usados por antigos povos do Norte da África e Oriente Médio teriam toda a condição de percorrer milhas e milhas entre, por exemplo, o Egito e a América.

As correntes marítimas também servem para contribuir com a tese da existência de um tráfego intenso de barcos africanos, principalmente pelo Oceano Atlântico.

Em 1920, um dos pesquisadores de Harvard, Leo Weiner, expressou suas conclusões em um livro denominado A África e a Descoberta da América. Era o pontapé inicial para uma longa discussão. Os ortodoxos insistiam em não aceitar essa idéia, muitas vezes apelando para uma linha de pensamento muito mais apoiada em suposições ou conjecturas do que propriamente em provas irrefutáveis.

Uma história distorcida levou-nos a crer, durante muito tempo, que a América fora descoberta por Colombo, durante o período que ficou conhecido como a Era das Grandes Navegações. Alguns admitiam até que antes do navegador genovês, talvez os vikings, liderados por Erik, o Vermelho, estivessem alcançado o Novo Mundo.

Hoje, porém, nos deparamos com relatos e evidências contundentes de um comércio marítimo intenso entre civilizações e culturas africanas, asiáticas e americanas.

Não apenas Heyerdahl e Savoy mostraram através da arqueologia experimental que embarcações produzidas por povos até então subestimados pelo Eurocentrismo pudessem suportar aos rigores de uma navegação transoceânica.

Em 1952, Alain Bombard velejou de Casablanca para Barbados em uma balsa africana. Três anos mais tarde, seria a vez de Hannes Lindemann velejar de Cabo Verde até a costa da América do Sul. Tanto Bombard quanto Lindemann não tiveram maiores dificuldades para concluir suas viagens, saudáveis e prontos para outra. Como já citamos, Heyerdahl, além de provar a possibilidade de um barco pré-colombiano navegar entre o Peru e a Polinésia, deixou claro que balsas feitas de papiro, como no antigo Egito, não teriam dificuldades para cruzar o Atlântico e atingir o continente Americano.

Achados arqueológicos dos mais variados atestam que povos africanos desenvolveram barcos sofisticados, capazes de transportar uma enorme quantidade de mercadorias e até animais de grande porte, como elefantes, além é claro de percorrem distâncias consideráveis.

Acredita-se que, pelo menos, três viagens foram feitas por embarcações de civilizações africanas, em períodos que vão desde 750 a.C. a 1320 d.C.

A primeira teria sido registrada na 25.a dinastia do Egito (entre 751 e 656 a.C.). Atrás de minas de ferro, os egípcios teriam se deslocado inicialmente junto à costa, mas que em razão de uma tempestade teriam se afastado para alto mar, onde teriam caído em uma das correntes que levam direto para as Américas. Isso os teria colocado na mesma região e período da fundação da civilização Olmeca.

As segunda e terceira viagens teriam sido feitas por malineses, entre 1310 e 1311. Segundo relato de Mansa Kankan Musa, imperador de Mali em 1324, o antecessor dele, Príncipe Abubakari II, havia lançado duas expedições para explorar os limites do Oceano Atlântico.

Na primeira, ele enviara 200 navios com guerreiros e outros 200 abarrotados de comida, água e mercadorias para comércio. Um dos barcos teria conseguido retornar e no relato de seu capitão, Abubakari II tomou conhecimento da existência de uma corrente tão forte que mais parecia um rio em pleno Oceano Atlântico. Com base nisso, o príncipe teria levado a efeito outra expedição, desta vez com 1.000 navios carregados de guerreiros e outros 1.000 com mercadorias, comida e água.

Ao atingir o Novo Mundo, Cristóvão Colombo tomou conhecimento pelos nativos da existência de povos cujos guerreiros utilizavam como ponteiras para suas lanças peças de um liga de metal chamada pelos índios de quanin.

Peças dessa liga foram enviadas aos reis de Espanha, que as mandaram analisar, ficando constatado que, de 32 partes, 18 eram de ouro, seis de prata e oito de cobre. A proporção era idêntica à liga forjada na Guiné Bissau. É bom lembrar que foi justamente na costa deste país africano que Sir James Edward Alexander disse ter visto jovens deitados sobre tábuas, deslizando nas ondas.

Cristovão Colombo – Colombo tomou conhecimento de histórias sobre a existência de embarcações africanas que haviam cruzado o Atlântico, carregadas com mercadorias destinadas ao comércio ultramarino.

O navegador genovês ainda observou a presença de descendentes de africanos no Panamá e Honduras, sendo que alguns americanos nativos fizeram relatos de combates e afundamento de barcos africanos em vários pontos da costa.

O espanhol Gregório Garcia disse ter observado a presença de negros em Cartagena, na Colômbia, da mesma forma que Alonzo Ponce afirmou ter visto embarcações mouras nas proximidades de Campeche.

Em sítios arqueológicos de San Lorenzo, La Venta e Três Zapotes, no México, foram descobertas enormes cabeças esculpidas por representantes da civilização Olmeca que apresentavam características marcantes da raça negra, como lábios excessivamente grossos, narizes carnudos e linhas da mandíbula e bochecha típicas de negróides. Em algumas esculturas de figuras femininas, observaram-se tranças típicas da Etiópia.

No Museu de Antropologia da Cidade do México, bem como no Museu Diego Rivera e nas coleções de Josué Saenz e de Alexander von Wuthenau acham-se expostos inúmeros artefatos com características africanas evidentes.

Em fevereiro de 1975, em escavações feitas nas Ilhas Virgens, arqueólogos descobriram os esqueletos de dois africanos, enterrados muito antes da chegada de Colombo à América, segundo estudo de datação feito através do Carbono 14.

Outros fortes indícios da presença de africanos nas Américas antes do século XVI ficam por conta de vegetais de origem africana que apareceram na América sem uma explicação plausível. Como o algodão, feijão, cabaça, inhame africano e a banana teriam vindo para nas Américas antes da chegada dos primeiros navegadores europeus – entenda-se aqueles vindos em naus colocadas a serviço dos reis de Portugal e Espanha.

Existem ainda estudos que relacionam determinados aspectos das primitivas culturas americanas com peculiaridades de civilizações africanas.

O calendário maia, por exemplo, tem muita semelhança com o calendário egípcio. Baseado nos calendários lunar e solar, o maia é extremamente preciso, a ponto de prescindir do expediente dos anos bissextos para que se mantenha ajustado em 365 dias. Ainda quanto aos maias, a matemática por eles adotada corresponde plenamente ao sistema de números dos Bambaras da Guiné Bissau. Outra indicação fica por conta de um sistema de escritura usado na América antiga, denominado Hieróglifo micmac. Ao comparar este estilo de escrever como os hieróglifos egípcios, estudiosos não podem deixar de admitir um grande número de semelhanças. Também se mostram semelhantes os idiomas da África Ocidental e de antigas culturas sul-americanas. Estas semelhanças ficam evidentes em palavras de raiz comum.

As pirâmides de Gisé, no Egito, e de La Venta, no México (a primeira nas Américas), têm as mesmas medidas em suas bases. Tanto no Egito quanto no México elas foram edificadas no eixo Norte-Sul. Além disso, em ambas, verifica-se um duplo propósito: tumba e templo.

Referências:

Stoked, uma história da Cultura do Surf, Drew Kampion
Kon-Tiki, Thor Heyerdahl
Legendary Surfers, Malcolm Gault-Williams
Las Olas del Surf, em busca da origem do surf: uma abordagem antropológica e arqueológica da história deste esporte, Dejair dos Santos