Leitura de Onda

O símbolo de J-Bay

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Jeffrey’s Bay, África do Sul palco de campeonatos históricos. Foto: © ASP / Cestari.

Cheron Kraak é a mãe da tradicional etapa do circuito mundial de Jeffreys Bay, na África do Sul. Sua primeira marca, a caseira Country Feeling, bancou a etapa inaugural da ASP na mais tradicional direita do mundo, em julho de 1984, há exatos 28 anos.

 

 

Ainda naquela época, ela ganhou do amigo australiano Gordon Merchant a licença para produzir a Billabong na terra de Mandela. Nos anos seguintes, a mulher de negócios se tornaria uma das cabeças da empresa do mundo, e contribuiria decisivamente para tornar a marca o império bilionário que, agora, sofre ao lado de outros diante da crise mundial.

 

Cheron sabe mais que todos nós que cortar a própria carne é uma decorrência da crise. Assim, no início deste ano, a Billabong teve que cancelar a etapa de J-Bay, justamente a prova com maior valor emocional para Cheron.

 

Lá, ela montou, numa garagem apertada, a primeira surf shop da região. Lá, ela começou a se destacar como uma empresária que sabia unir delicadamente os sonhos dos surfistas e a cultura de praia ao mundo real do business. Lá, ela viu a construção de algumas das mais belas linhas do surf mundial, como a de seus surfistas Occy e Parko.

 

O trabalho de Cheron mudou o status de J-Bay no mundo: de direita de alta qualidade numa água gelada e cheia de tubarões para um local mágico, com um dos maiores valores simbólicos do surf mundial. Jeffreys virou um santuário do esporte.

 

A Billabong teve motivos para optar pelo cancelamento da etapa do World Tour, embora tenha mantido uma etapa seis estrelas, que terminou esta semana. A manutenção da etapa brasileira, no Rio, com reforço de premiação, também faz sentido, se pensarmos na lógica de um mercado emergente com potencial gigante x mercados consolidados e saturados.

 

Mas fico imaginando como deve ter sido duro para Cheron participar da decisão de tirar os melhores do mundo de sua onda simbólica em nome de uma decisão estratégica acertada para a empresa. É o duelo mais direto entre nossos sonhos e nossa realidade.

 

Cheron cumpriu o papel de líder positiva na imprensa. Ao jornal The Herald Online, disse que estava triste, mas via benefícios na mudança. “Nós curtimos os melhores surfistas do mundo na cidade por 20 anos. A mudança dará a oportunidade a 120 surfistas jovens e velhos profissionais de surfar a melhor direita do mundo. Será ainda uma grande novidade para a economia da cidade e da região, uma vez que a prova atrairá muita gente.”

 

A etapa seis estrelas que permaneceu em J-Bay foi vencida por um surfista do país emergente, Adriano de Souza. Uma vitória importante, numa prova com alguns nomes fortes, como John John Florence e Jordy Smith, que embala o brasileiro para a prova do Taiti.

 

Mas, por um momento, lamentei vê-lo dividindo a final com o francês Joan Duru, e não com um par, uma grande estrela do surf mundial.

 

Às vezes, o que temos a fazer é engolir a seco e nos adaptar ao mundo real. Até a próxima brecha para realizar sonhos, é claro.

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".