Leitura de Onda

O míssil JJ

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John Florence, vitória incontestável do Billabong Rio Pro nas boas ondas do Postinho. Foto: © ASP / Kirstin.

Jeremy Flores deu o tom do espanto da comunidade do surf após a vitória de John John Florence na parada brasileira do World Tour: “JJF é o melhor surfista do mundo neste momento… Tubos, aéreos, carves, ondas pequenas, ondas grandes! Respeito.”

 

Joel Parkinson fez a final com o havaiano e, diante do resultado, pulou na ponta do ranking, seguido por Mick Fanning e Josh Kerr. Atrás deles, corre Adriano de Souza, cuja trajetória na defesa do título do Billabong Rio Pro foi interrompida inesperadamente por Kerr, e Taj Burrow, que começou o ano na frente e, desde então, vem caindo vertiginosamente. 

 

O alento para o torcedor é que Adriano lutou, e vai continuar lutando. Como sempre. 

 

Os cinco surfistas sabem que um míssil desgovernado, magrela e tímido, está prestes a atingi-los. Desde o ano passado, estava na cara que a vitória de JJF escapava por um detalhe. Surfista praticamente imbatível em ondas pesadas e tubulares, ele amadurece a cada dia no competitivo universo das ondas de manobras aéreas.

 

Perdeu algumas baterias recentes simplesmente porque não se importava em jogar tudo conta a banca, em manobras de rotação dificílimas. Não era uma escolha estratégica: de longe, parece que a combinação de afeição ao risco e calma é um traço de sua personalidade. 

 

É o mesmo DNA que o leva a virar baterias a segundos do fim, seja em Pipeline ou na Barra da Tijuca. Em ambos os casos, com tubos definitivos. 

 

Os líderes ficam ainda mais ressabiados ao notarem que JJF já está em quinto, empatado com Taj, e este ano a temporada ainda passa pelos canudos de Fiji, Taiti, Portugal e Hawaii, onde ele é muito difícil de ser batido. E o temor aumenta se pensarmos que, claro, John John também é capaz de vencer em Trestles, Santa Cruz e Hossegor.

 

O ano está tão fantástico que, no meio do texto, Kelly Slater e Gabriel Medina sequer foram citados. Slater é um torpedo conhecido, que já furou o bloqueio dos top 5 no segundo semestre em diversas temporadas e saiu com o caneco na mão. Tentará fazer isso de novo.

 

Medina ainda não estreou no WT em 2012. Depois da espetacular vitória no Prime de Trestles, chegou ao Rio com boleto de favorito, mas não se encontrou no pior mar do evento e ainda foi prejudicado pelo auxílio indevido de um jet-ski. Não sei se conseguiria virar a bateria, diante da boa performance de Peterson Crisanto, mas ele não conseguiu tirar a prova. 

 

O garoto paulista adiou a sua estreia para Fiji. A etapa ganha contornos de teste de fogo já que ele chega muito pressionado por resultados em seu primeiro evento nos tubos de Tavarua, que costumam ser dominados por especialistas e experientes. Não há hora melhor de surpreender o mundo e voltar ao pódio.

 

Os brasileiros, em geral, não foram especialmente bem na etapa carioca. Alguns estavam pressionados demais, outros foram vítimas da inconstância do mar e ainda teve quem não surfasse tudo o que sabe. Alejo Muniz, dono de um espírito competitivo estável que lembra o de Mick Fanning, apareceu como exceção e avançou, assim como Adriano, até as quartas-de-final, optando pelas esquerdas. 

 

Mas os tubos – e as notas mais altas – estavam nas direitas. Aliás, a menção aos canudos vale uma pausa para comentar a coragem da organização do evento. No primeiro dia de competição no Postinho, quando o round 2 foi realizado, o mar beirava o impraticável. Alguns surfistas que ficaram pelo caminho foram nitidamente vítimas das ondas irregulares. 

 

Quando muita gente já condenava a escolha e a pressa em terminar o evento, a organização chamou a competição para o dia seguinte no mesmo pico. Apostou tudo no mar. De repente, fez-se a mágica: as condições foram se modificando até chegarem perto de Backdoor, com uma fartura de tubos jamais vista em mundiais da elite no Brasil.

 

O WT do Rio serviu, sobretudo, para mostrar que 2012 é desde já uma das temporadas mais disputadas da história. Vários novos surfistas amadureceram a ponto de beliscar vitórias e brigar pelo caneco, e os veteranos ainda têm surf para se defender dos ataques. 

 

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".