Bom de Bico

O futuro da nação

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Perdi minha vaga no World Longboard Tour em 2009. Sempre fiz as colunas com facilidade por ter vivido aquilo na íntegra, só que de longe fica complicado.

 

A internet ajuda a ver as baterias, mas não o impacto que a disputa por um título mundial pode causar nas pessoas, no local e na história, por isso pedi ajuda a quem esteve lá. Um time de responsa, formado pelo capitão Amaro Matos, Phil Rajzman, Eduardo Bagé, Rodrigo Sphaier e Jefson Silva.

 

A primeira etapa do WLT 2011, no final de agosto no Sri Lanka, foi vencida pelo atual campeão do mundo, o havaiano Duane DeSoto. Fica até difícil chamar de circuito apenas dois campeonatos para definir um título mundial. O segundo e derradeiro será na Itália em novembro. Tudo bem que são dois eventos, afinal muitas vezes tivemos apenas uma etapa por ano, mas passou da hora do circuito ser repensado, de ter um pouco mais de planejamento.

 

Lugares como Japão, Maldivas e Sri Lanka podem ser interessantes ou agradar pelas ondas, mas a logística é cara e a premiação do terceiro colocado não cobre as despesas. Muitos nomes tradicionais do WLT, como Picuruta e Bonga Perkings não participaram desse evento, um fato que preocupa, pois junto com Duane DeSoto são uns dos poucos remanescentes de mais de 15 de disputas históricas com outros ícones, como Joel Tudor e Kevin Connelly, que saíram de cena anos atrás.

 

Vem acontecendo uma reciclagem nos mundiais, agora restrito a 32 surfistas. O problema é que o nível técnico dos novatos não parece se nivelar ao dos medalhões, dando a impressão que não darão conta de carregar o legado dos ícones Joel, Bonga, Picuruta, etc. O Brasil, no entanto, tem um banco de reservas farto e altamente técnico. Isso deve refletir num domínio para o futuro próximo.

 

Os estreantes Jefson Silva e Spahier comprovam isso. Apesar de ter chamado atenção na estréia, o Jejé ficou na primeira fase, numa bateria bem disputado com o Bryce, herdeiro do legend Nat Young. Conversando com Amaro, que tem loja aqui na frente de casa, na praia do Tombo, Guarujá (SP), ele comentou que o Jejé surfou com muita personalidade e só perdeu na defesa da prioridade ficando muito para dentro do pico. Sem passar a primeira seção, a onda sobrava para o australiano, que assim teve boas chances de reverter o resultado. Do Rodrigo falamos depois.

 

O Bagé não me respondeu o e-mail, mas é um cara que tem a essência dos campeonatos mundiais. Tem muita plasticidade no surf e todas as características que compõem um longboarder moderno, mas nesse evento não teve o sucesso habitual e perdeu na estreia. Soube que teve problemas para se adaptar com as pranchas novas e isso realmente atrapalha, ainda mais num mundial. Não deve ter problemas para se recuperar na etapa italiana.

 

Apesar da ausência do Picuruta, nosso time não ficou sem a figura de uma lenda do longboard mundial. Amaro tem uma das histórias mais sólidas no WLT e não há dúvidas que no próximo ano estará lá de novo para escrever mais alguns capítulos, aparece na zona de classificação, em nono lugar.

 

Nessa conversa que tivemos, ele mesmo reconheceu que tem agora outras prioridades e que a carreira como surfista está feita. O que vem o mantendo no tour até hoje é principalmente o sentimento de viajar pela onda perfeita, aproveitar o desprendimento de sair apenas para surfar e conhecer novos lugares, culturas diferentes.

 

Depois de dizer isso, fez uma pausa, deu um sorriso maroto fazendo uma ressalva que no momento que veste a lycra, a luta pela vitória é a mesma. O brilho no olho comprovou que é verdade. Se manter entre os tops do mundo por tanto tempo também vem sendo importante pelo trabalho com a loja, pois ajuda na divulgação do espaço.

 

Realmente é um diferencial e tanto, afinal quem não quer ser atendido por uma lenda viva do surf, ainda em plena atividade, numa loja que fica na cara de um dos maiores celeiros do surf brasileiro?

 

Com o Phil também falei bastante pelo telefone e vi que está louco para retomar o caneco mais cobiçado do mundo. Pareceu um pouco decepcionado por não ter ido mais longe nessa etapa (ficou em nono). Coisa de campeão. Mas disse que a viagem valeu muito a pena pela cultura do país, rica no lado espiritual, que ele tem como busca. Também elogiou as ondas de Arugam Bay e o alto nivel de todos os atletas. Bom, como antes de ser competidor, ele é surfista, isso já foi um conforto e tanto. A verdade é que a bateria dele foi pra lá de polêmica.

 

Outra real é que ele pegou o Harley Ingleby, australiano que é referência de julgamento para o quadro técnico atual da ASP. O Phil não quis falar muito a respeito, mas conversei pela net com competidores de outros países que estiveram lá e segundo eles ninguém entendeu o resultado final, que deu vitória pro Harley.

 

Apesar de ter confessado que ainda não sabe se irá para a Itália, acredito no surfista que vi ser formado dentro de mundiais. É um cara que cresce quando pega os melhores do mundo e o Brasil precisa dele lá para aumentar bastante nossas chances de vitória.

 

O saquaremense Rodrigo Sphaier chegou na terceira colocação em seu primeiro WLT. Analisando o surf dele, dá pra perceber as melhores características de um longboarder brasileiro. O Diguinho é versátil, anda bem no nose, surfa com pressão na rabeta, tem personalidade e principalmente sangue frio, por isso o pódio na estreia não foi surpresa para quem o conhece bem. Também não seria se tivesse vencido.

 

No e-mail que me respondeu, o mais relevante que disse foi que apenas a cultura do Sri Lanka assustou um pouco, sinal que não sofreu pressão pela competição. Todos elogiaram muito seu comportamento, mostrando-se um companheiro ideal e começou a escrever sua história em mundiais com muita dignidade. Tem tudo para segurar o piano da tradição dos maiores nomes dos pranchões no mundo.

 

As figuras do Picuruta e do Amaro foram determinantes na consolidação da escola brasileira, formando uma geração talentosa e apaixonada em surfar de longboard, que resultou no título mundial de 2007 na França, com o Phil Rajzman. Chegamos perto muitas vezes antes e depois disso. Foi gratificante ter feito parte de uma geração desprendida que se jogou na incerteza do tour por merreca de grana, mais pela vontade de pegar onda de longboard.

 

Anteriormente com Rico de Souza, Cisco Araña, Neco Carbone, Márcio Vilela, Luis Juquinha, Picuruta e Amaro (os dois últimos até hoje), e depois com Augusto Saldanha, Marcelo Freitas, Bagé, Phil, Mica, Danilo Mulinha, Olimpinho, Paulo Kid, Carlos Bahia. Todos já deram boas beliscadas no bolo da ASP. Alguns já ganharam etapas, outros chegaram bem perto, mas o mais importante é que sempre estivemos lá incomodando, com personalidade e humildade para aprender e conquistar.

 

Hoje o Brasil é o país que tem o maior número de surfistas experientes no WLT e com estreantes capacitados, colocando-nos como o referência para o mundo. Isso coroa a trajetória do longboard brasileiro e consolida nossa tradição. O futuro promete as maiores conquistas. 

 

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