Leitura de Onda

O dilema dos tubarões

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Movimento que defende o extermínio de tubarões ganha força em Pernambuco e tem apoio de surfistas. Foto: Jacques Dequeker.

Na Austrália, Taj Burrow é um dos defensores da pesca predatória de tubarões. Foto: © ASP / Kirstin.

Taj Burrow está assustado. O australiano cresceu nas águas do país que detém o segundo maior índice de ataques na história. São cerca de 700, com 219 mortes, segundo levantamento global do Museu de História Natural da Flórida (EUA). Taj jamais foi atacado, mas decidiu assumir o apoio à política de morte aos tubarões do Governo do Oeste da Austrália.

 

“Não acho que ‘abater animais’ seja a expressão certa, mas eu não seria contra pessoas que pescam tubarões que ameaçam a população”, disse Taj, recentemente, em entrevista ao site The West Australian. “Eles têm me assustado um pouco. Jamais pensei em tubarões durante o tempo em que eu cresci nessas ondas – nenhuma vez. Mas agora eles estão na minha cabeça em quase toda a caída”, admitiu.

 

Ao lado da Austrália, os Estados Unidos aparecem como o país preferido para o ataque de dentuços – talvez também pelo fato de possuírem série histórica e capacidade de registro há muitas décadas. São cerca de mil ataques, mas um número muito menor de mortes: 36.

 

A estatística, obviamente, não inclui o Havaí, arquipélago cercado de tubarões.Lá, foram registrados, segundo o site Hawaii Sharks, apenas entre 2001 e 2013, cerca de 70 ataques. O preocupante é que o número de incidentes praticamente dobrou em relação à média nos últimos dois anos – foram 11 ataques em 2012 e assustadores 14 em 2013.

 

O Brasil concentra seu problema no litoral Pernambucano, particularmente numa faixa de 30 quilômetros da Região Metropolitana de Olinda, Recife e Jaboatão dos Guararapes. Lá, foram registrados 85% dos 59 ataques ocorridos no estado de Pernambuco desde 1992. A última morte aconteceu na urbana Praia de Boa Viagem, em 2013, bem na frente dos banhistas.

 

Como na Austrália, há um movimento crescente em Pernambuco pelo extermínio sistemático de tubarões, com o envolvimento de surfistas. Não é difícil entender a motivação dessa reação. Afinal, deve ser assustador viver numa praia em que uma singela sessão de surf tem chances reais – fora das curvas estatísticas mundiais – de terminar em sangue e morte.

 

Mas há outras perspectivas nessa história. Do ponto de vista estritamente natural, o mar é a casa, ou melhor, o reino dos tubarões. Não dos homens. Além disso, pesquisadores apontam que aumentos abruptos no número de ataques, como no Recife, são normalmente causados pelas interferências humanas no ambiente. Ou seja, culpa nossa.

 

O caso do Recife é notório: tudo aponta para a degradação ambiental gerada pelo complexo portuário de Suape, ao sul do Recife, construído nas décadas de 80 e 90.

 

A solução, portanto, passa pela busca do reequilíbrio, e não pela ampliação do desequilíbrio. O extermínio de tubarões é prático, mas certamente desencadeará outros problemas no quintal de casa e em outros quintais. É quase como tirar o sofá da sala para evitar o namoro da filha.

 

Passou da hora de cobrarmos de forma mais veemente ações que desencadeiem equilíbrio ambiental. O problema não é o sofá. Ou melhor, o tubarão. É a gente.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".