Leitura de Onda

O campeão furtivo

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Mick Fanning rema para a vitória no Billabong Pro 2012, Teahupoo, Tahiti. Foto: © ASP / Robertson.

A discrição é uma característica frequentemente usada para surfistas sem brilho, mas pode ser uma qualidade e tanto nas costas de um surfista como Mick Fanning. O cara é um excelente surfista, bicampeão do mundo, domina os tubos do Taiti, já liderava o circuito antes da última parada e, ainda assim, não encabeçava a lista de nenhum amigo fanático antes de a primeira sirene de Teahupoo tocar.

 

Mick tem a capacidade de ser furtivo. De avançar sem ser notado. Isso não é um defeito, como muitos podem pensar. É uma arte, um dom normalmente presente em predadores ágeis.

 

E foi assim que ele construiu a vitória, dando o bote fatal na hora certa. Depois de um início de evento morno, nas baterias finais o australiano elevou suas médias para a vizinhança da quase inalcançável casa dos 19 pontos em 20 possíveis.

 

A primeira vítima, nas quartas, foi o gigante Ricardo dos Santos, brasileiro que deixou a condição de trialista para ganhar o selo de eterno favorito nos tubos taitianos. A bateria foi uma daquelas sem vencedores, em que décimos não traduzem a história. A segundos do fim, Mick virou com uma nota dez. Ricardinho veio na de trás e fez tudo certo, mas ficou no 9,37. 

 

Antes disso, vale o parêntese, o brasileiro já tinha feito o maior de todos os estragos do evento, ao eliminar precocemente Kelly Slater. A derrota foi amarga para o americano, sobretudo depois que Fanning, que já era líder, acelerou para mais uma vitória no ano. 

 

O décimo segundo título mundial ainda não é um sonho impossível, mas vai requerer um esforço maior que o imaginado antes do Taiti.

 

Ricardinho estava pronto para vencer em Teahupoo. Não deu. Mas, por tudo o que fez desde as triagens, acabou levando o prêmio Andy Irons Forever, de performance mais inspiradora nos tubos taitianos. Mais merecido, impossível.

 

Gabriel Medina, o outro brasileiro a terminar em quinto lugar na prova, alternou momentos memoráveis e apagados na prova. Mas o saldo é positivo: ele conquistou mais uma nota dez na carreira, ganhou mais respeito da comunidade por sua técnica em tubos e manteve-se vivo no ranking de 2012. 

 

De volta a Fanning, nas semifinais ele encarou outro super especialista e franco favorito ao título da prova, o conterrâneo Owen Wright. O gigante magricela vinha de apresentações fantásticas, mas ficou para trás também por décimos. Note que Fanning não teve moleza: mais uma vez, os dois surfistas passearam acima da casa dos 18 pontos.

 

Na final, ele encontrou o amigo Joel Parkinson, que abriu dando pinta de que frearia o líder. Parko logo abriu uma combinação de mais de 18 pontos e deixou a armadilha para Fanning. 

 

Mas um bicampeão do mundo não perde seus nervos. Fanning esperou pacientemente a vez e, a menos de nove minutos do fim, pegou a primeira: 9,37. A um minuto da sirene, Joel tinha a prioridade, mas escolheu a onda errada. Mick foi na de trás e marcou 9,50. Venceu. 

 

Parko perdeu, mas não se engane com seus quatro vice-campeonatos mundiais e o atual posto de vice-líder do WCT. Embora não tenha vencido sequer uma etapa no ano, ele tem a consistência necessária para ser forte candidato ao título. Se continuar assim, numa temporada tão cheia de variáveis, é capaz até de levar o caneco sem ganhar provas.

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".