Espêice Fia

O buraco é mais embaixo

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Água cristalina e coral à flor da pele podem ser armadilhas em meio ao paraíso taitiano. Foto: Aleko Stergiou.

Desde que comecei a acompanhar a fotografia aquática no surf, sempre fui admirador. Isso já vem da época em que era moleque e devorava as revistas especializadas, muitas vezes do começo ao fim.

 

Em minha primera viagem ao exterior, para o mundial de surf amador em Porto Rico de 1988, adquiri uma Minolta comprida e amarelinha. À prova d’água e com filme Kodak 135, brincava a torto e a direito em muitas sessões de surf.

 

Tenho várias fotos dessa época em caídas divididas com os amigos, ora fotografando, ora sendo fotografado. Posteriormente viajando no circuito mundial e aprendendo a ser um surfista profissional, acompanhei muito o trabalho dos fotógrafos brasileiros e internacionais, muitos deles “monstros” da fotografia.

 

Mesmo em beach breaks como Noronha (PE), os fotógrafos devem estar atentos a todos os fatores. Foto: Aleko Stergiou.

Nunca consegui parar pra aprender sobre as câmeras, nem tive paciência de ler manual ou de repente fazer um curso, mas gosto muito e sempre tenho uma câmera à mão. É bem verdade que hoje está uma moleza com todas essas opções digitais, se compararmos a uns 10 anos atrás, por exemplo. É só botar no automático que dá pra fazer um monte de coisa legal.

 

E muito fotógrafo profissional deve ficar muito “p” da vida, pois é muita gente aspirante na fotografia sem ter ralado nadica de nada. Claro que o trabalho profissional e o bom equipamento difere, porém um belo cenário e com um botãozinho no módulo automático, às vezes da pra disfarçar.

 

Porém os bons profissionais mesmo sempre irão se sobressair. Muitas vezes nós pairamos naquela fotografia aquática na revista ou na web e o momento congelado parece muito simples. Pode até ser simples pra quem tem o dom de posicionamento e de clicar no momento certo, mas o que cerca aquela foto (extra parte técnica) na maioria das vezes é o que pega.

 

Muitas vezes escapa-se de um belo caldo ou de uma pranchada. Se é em um fundo de pedra ou coral, aí é que complica. Atualmente tenho uma câmera Go Pro, esta que agora tá estourando nas vendas. Todo surfista quer ter uma. Mas a bichinha é boa mesmo. Dá pra fazer um monte de brincadeiras, filmar e fotografar com sequência e tudo mais.

 

Fotografando na base dos “se vira nos 30” há um bom tempo entre e durante as sessões de surf, recentemente me aventurei em Teahupoo pra fazer umas imagens. Água cristalina, coral à flor da pele, peixes e tudo de mais belo que o oceano pode proporcionar, muitas vezes têm suas armadilhas.

 

Depois de pegar um bom tubo decidi aproveitar a luz e troquei a prancha pelo pé de pato e a máquina. No canal estava o fotógrafo japonês Kim Kimoto. Passei por ele, mandei um “guenke deska” (não sei nem como escreve, só sei que é um “tudo bem?” em Japonês) e fui indo mais para baixo (dentro) do pico, onde vários brasileiros surfavam.

 

Em meio àquele oceano bonito e sentindo fazer parte daquele habitat, estava leve e solto até que… Bem, em determinados momentos o buraco pode ser mais embaixo. Aldemir Calunga rema na maior da série e nado rapidamente pra tentar gravar a imagem. Quando ele passa por mim, tento seguir com a mão atrás de seu rastro, ao mesmo tempo que meu corpo ficava por dentro da parede da onda.

 

Por um segundo senti aquele rolo compressor querendo me sugar. Quando passou e mergulhei de olho aberto tentando fazer mais alguma cena de Calunga por baixo d’água, vi que o reef estava logo ali me esperando. Acho que escapei por muito pouco de sair rolando e aquele momento me fez valorizar ainda mais a imagem aquática.

 

Em outro momento, querendo pegar uma imagem com um ângulo diferente, veio uma série de Oeste (ondulação que vem do canal de Teahupoo) e me pegou de surpresa. Mergulhei fundo, porém não tão fundo, pois ali a profundidade estava com cerca de um metro. Como sabemos que as ondas em Teahupoo cavam além da superfície, passei em um mergulho de olhos abertos raspando o peito no reef afiado. Mais uma vez escapei por muito pouco e senti que já era hora de sair, ou melhor, pegar a prancha novamente.

 

Em beach breaks, dependendo do beach break e do tamanho do mar, pode ser relativamente mais fácil, mas definitivamente com a natureza não se brinca. Já presenciei muita cena cabulosa de fotógrafos e cinegrafistas aquáticos.

 

Sebastian Rojas já levou alguns grampos na cabeça em sessions no Backdoor havaiano. O videomaker Erick Nagata e o fotógrafo Renato Tinoco também já conheceram o power da Cacimba do Padre em Fernando de Noronha (PE), passando sufocos ao ponto de quase desmaiarem.

 

Tudo que engloba a imagem do surf é lindo, mas o trampo aquático se sobressai e é mais árduo. Sei que os que estão lá, o fazem por puro prazer, pois quando me encontro na pele desses profissionais, me sinto como se estivesse fazendo uma session de surf das melhores.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.