Leitura de Onda

Na onda do repórter

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Renato de Alexandrino conversa com Taj Burrow em 2010 na praia do Rosa (SC). Foto: Arquivo Pessoal.

Repórter de surf tem mais fôlego se também pegar onda. Foto: Arquivo Pessoal.

Ao lado de Coco Ho em 2008 no Rio de Janeiro. Foto: Arquivo Pessoal.

Alexandrino experimenta a perfeição de Mentawai. Foto: Arquivo Pessoal.

Repórter de surf, em grande jornal, tem mais fôlego se pegar onda. Primeiro, pela verve que quem já tirou um tubo consegue ter num texto sobre o esporte. Depois, pela paciência: é preciso ser abençoado pelo balanço do mar para aguentar as inevitáveis piadinhas sobre surfista, feitas para alguns jornalistas desde que Gutemberg inventou a prensa.

 

Basta pintar uma viagem para cobrir etapa do circuito mundial para pipocarem as vozes: “isso não é trabalho, é lazer…”

 

Renato de Alexandrino, 36 anos, gaúcho de Rio Pardo, colorado doente, costuma ser o eleito e o alvo em O Globo. Ótimo repórter, cobre o esporte há dez anos – sete anos pelo jornal e o restante como assessor de imprensa e como editor de um site de surf.

 

Já nem liga mais quando rola uma piadinha antes de uma viagem para Noronha, onde cobre anualmente o Hang Loose. Afinal, ninguém ousa dizer que passar uns dias na ilha a trabalho não é melhor que a maior parte das atividades de lazer existentes na Terra.

 

Às vezes, são os próprios surfistas que escorregam da prancha. Diz aí, Alexandrino: “Melhorou muito, mas volta e meia ainda pintam algumas brincadeiras. Este episódio do erro da ASP com o título do Slater não colaborou em nada, né? Fora as inevitáveis  piadinhas de que  ‘surfista não sabe fazer conta’ diante do mico que os caras conseguiram aprontar.”

 

O que salva Alexandrino é o jeitão tranquilo, sempre de bem com a vida e, claro, seus momentos de férias reais, quando foge para destinos como Indonésia e El Salvador. Nesses picos, gasta o tempo de lazer sobre o seu bobyboard, e não com um bloco na mão. Quando está de folga no Rio, em dias de flat, deixa o uretano das rodas de seu skate longboard em ladeiras como a Vista Chinesa e as Paineiras.

 

Um dos grandes obstáculos ao maior espaço do surf nos grandes jornais impressos brasileiros é a avaliação – nem sempre mensurada – de que o público do esporte não é grande fora da mídia especializada. 

 

O repórter vê um caminho: “Acho que o público cresceria com uma constância maior de bons resultados, como tivemos agora, com as vitórias seguidas de Medina e Adriano. Assim, a tendência é o espaço aumentar e o surf não ficar tanto tempo sem ser publicado. A gente precisa de resultados fortes para ter espaço no jornal.”

 

Alexandrino joga em todas as posições no Globo. Quando não está cobrindo o surf, alimenta o site de Esportes do jornal. E, quando pinta uma brecha nos dois trabalhos, escreve para o blog Radicais, hospedado no site do Globo. Como anda a audiência no blog? “Dá para dizer o seguinte: no mês passado, o Radicais esteve entre os três blogs mais acessados (entre mais de 100) do site todo. O título do Slater e as vitórias brasileiras no WT ajudaram!”

 

Ter mitos no esporte, como o americano 11 vezes campeão do mundo, ajuda: “Slater é personagem, um esportista conhecido por todo mundo. Acho que dá para contar nos dedos quem acompanha golfe, mas quem não conhece Tiger Woods? Slater é a mesma coisa, e com certeza uma etapa vencida por ele tem mais chances de ter um espaço maior do que um campeonato vencido pelo Joel Parkinson, por exemplo.”

 

Mas o que pode virar o jogo definitivamente a favor do surf nas páginas impressas é um mito brasileiro. Gabriel Medina está no caminho. Diz, Alexandrino: “As duas vitórias dele neste ano já chamaram atenção, já renderam bom espaço e despertaram muita curiosidade mesmo de quem não acompanha surfe. Quem é esse moleque de 17 anos que já chegou chutando a porta e ganhando de todo mundo? Acho que ele tem o potencial para ser um ídolo, que é do que esporte mais precisa, alguém nos moldes do que o Guga foi (e ainda é) para o tênis.”

Para Alexandrino, o surf brasileiro está bem posicionado no WT 2012: ”É um dos times mais fortes que já tivemos, senão o mais forte. Já caiu de vez a história de não surfarmos bem em ondas pesadas. Acho que é só encaixar um pouco mais de regularidade – Mineirinho este ano ganhou duas etapas, mas em outras quatro perdeu de cara ou na terceira fase. Estou ansioso para ver Medina desde o começo da temporada. Acho que o Miguel Pupo também vai dar trabalho, o Alejo já mandou muito bem este ano e vai vir mais experiente. Toda esta galera nova vai motivar também o Mineiro a lutar ainda mais do que ele já luta.”

Mas ainda vê uma pedra careca no sapato dos brasileiros: “Acho que teremos Slater também com sangue nos olhos para derrotar a garotada. Ele segue surfando muito – até mais que alguns anos atrás. A geração de Medina, Pupo, John John e Owen é combustível para ele.”

Alexandrino sabe que os colegas  que nunca desceram uma onda na vida têm lá um pingo de razão quando invejam seu trabalho. “O surf já sai em vantagem pelo ambiente. Trabalhar na praia é muito bom, apesar de ser cansativo (e quase ninguém acreditar nisso!). Gosto também da informalidade e da simplicidade da galera. É bem diferente, por exemplo, do futebol, onde o jogador está cercado por assessor pessoal, assessor do clube, empresário etc.”

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".