Leitura de Onda

Do mesmo mundo

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Gabriel Medina vence Fiji Pro com extrema superioridade. Foto: © ASP / Robertson
 

Gabriel Medina não é um extraterrestre, mas, como diz um amigo, veio do mesmo mundo de Kelly Slater. Aqui não vai qualquer comparação de resultados, nem menção a uma possível supremacia futura do brasileiro. Não sou de predições, embora as conquistas precoces de um garoto de 20 anos faça muita gente arriscar previsões animadas.

O que Medina tem em comum com Slater é uma certeza insofismável da vitória, uma confiança brutal no talento, associada a um talento raro, a uma habilidade reconhecida pelos pares e, a cada novo evento, comprovada numa condição diferente.

Alguns têm o talento fora da curva. Outros têm a confiança, o espírito vencedor.  Slater e Medina têm os dois. Se o brasileiro seguirá destino semelhante a seu par, são outros 500.

Há situações, ainda, em que Medina, como Slater, alcança uma superioridade mágica, um transe que enfeitiça, como se ninguém pudesse apostar em outro surfista. Foi o que aconteceu no dia final da etapa de Fiji, dias atrás. O brasileiro dividiu as ondas com outros surfistas de sua geração, mas parecia em outro patamar. Nat Young, Kolohe Andino e mesmo o cada vez mais sólido Michel Bourez estavam um degrau abaixo.

Medina foi tático, entubou no limite, dialogou bem com a bola de espuma, utilizou muito bem a borda em rasgadas enterradas e, quando foi preciso, usou o jogo de aéreos, com a parcimônia necessária a um campeão.

O resultado do evento foi trágico para a velha guarda, a ponto de sites especializados lá de fora apontarem a etapa como um possível início de transição. Ainda não sei se é isso.

Talvez eles estejam influenciados pelo resultado de Kelly Slater, sabidamente o melhor surfista do mundo em Fiji, pelo menos em condições sólidas.

E não foi só em Cloudbreak. O mito do esporte não faz um bom ano, apesar da posição no ranking. Fora alguns momentos de brilho – obrigatórios a um gênio do esporte – ele não se encontrou em onda alguma. Nas cinco etapas já realizadas, não fez sequer uma final.

Não há como desprezar o sinal de alerta, mas convém ser prudente. Slater e seus colegas acostumados a vencer são surfistas fora da curva em ondas tubulares mais pesadas. Fiji estava de gala aos nossos olhos de beach break, mas a turma da pesada esperava bem mais da etapa.

Não à toa, o próprio Slater disse, em entrevista recente, que o WCT deveria ter pontuação dobrada para etapas em ondas de primeira linha. Claro, ele defende a si mesmo, ao se ver pressionado pela nova geração em ondas ordinárias e perceber que, em alternativas mais agudas, tubulares, ainda está nitidamente fora da curva.

O problema é a imprevisibilidade do surfe. Esperar que Fiji quebre eternamente como no ano passado para vencer é reduzir significativamente as chances de título do ano. O caneco da temporada é conquistado pelo mais consistente, em diferentes condições.

Mick Fanning já nos provou isso três vezes.

Outro grande surfista em Fiji foi Adriano de Souza. Perdeu numa bateria mágica de Kolohe Andino, talvez por ter usado uma tática conservadora num mar com grande intervalo entre séries. Mas provou estar no topo da forma, competitivo e contundente, e era dos poucos que poderia ter pensado em final se tivesse ido adiante.

Bourez, embora não tenha se encontrado no dia final, também está em grande forma. A temporada está muito apertada, mesmo com dois surfistas ganhando quatro das cinco etapas até agora. Mas a consistência apresentada pelo taitiano e pelo brasileiro – com vitórias em condições tão distintas – são indicadores nada desprezíveis.

A etapa de Jeffrey’s Bay marca a metade da temporada. É uma onda que favorece o estilo clássico: exige linha apurada, aceleração, carving afiado, entre outras qualidades.

A prova pode marcar a volta de surfistas maduros, como Slater e Joel Parkinson, com suas linhas precisas e bem executadas. Mas pode ser também o palco perfeito para surfistas como Bourez, Adriano e, claro, o local Jordy Smith. 

Para os goofies, é mais uma dessas provas-tabu. Afinal, na versão atual do evento, nenhum surfista de base canhota venceu. Lembro de um show de Occy (sempre ele), no velho Country Feeling, quando eu era um garoto mirrado, no distante ano de 1984.

No início do texto, eu me esqueci de dizer que Medina compartilha outra característica com o mito Slater: o gosto por quebras de paradigma, recordes e marcas. Medina já ganhou em Snapper, contra as previsões. Será que pode repetir o feito? Não ouso duvidar.

Em tempo:

Alcanço, com este texto, a marca de 200 colunas semanais seguidas para o Waves. Queria agradecer ao site pela confiança no meu trabalho e, especialmente, aos leitores, por enriquecerem tanto cada um dos textos publicados, com comentários ricos. Acredito no processo, no caminho, e acho que estamos construindo algumas novas ideias juntos. Valeu.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".