Grajagan

Mobral e a baía mística

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Anos depois, Mobral continua afiado em G-Land. Foto: Darcy / Dreamdeliver.com.

O carioca Fabio de Biase, mais conhecido como ”Mobral”, faz parte da história do surf brasileiro. Seu irmão, André de Biase, ficou famoso ao interpretar o personagem ”Lula’, do famoso seriado Armação Ilimitada, sucesso da Rede Globo nos anos 80, a primeira grande produção com foco na cultura surfística.

Mobral foi um dos primeiros brasileiros a fazer seu nome primeiramente nas ondas havaianas, no final dos anos 70 e depois na Indonésia, onde é figura carimbada nos últimos 30 anos.


A mística baía de Grajagan é o grande amor de sua vida, onde passa muitos meses a cada temporada e com sua lancha leva e traz muitos surfistas hóspedes do maior camping local, o Bob’s Camp.

Ele conta que em seus primeiros anos no local pedia para seus amigos irem surfar com ele para não ficar sozinho no mar. Esses amigos foram lendários surfistas, como Peter McCabe, Gerry Lopez e Bob Radiasa.

 

Indagado sobre quem foi o melhor surfista brasileiro que presenciou em G-Land, ele enche a boca para afirmar que foi Antônio Martins. O Ianzinho foi o que mais conhecia essa onda maravilhosa que já foi palco de eventos históricos da ASP nos anos 90 e o pico fechado mais frequentado por brasileiros nas últimas décadas.

Entrevistei o simpático Mobral durante minha última trip para G-Land, onde ele contou parte de sua história no Hawaii, de sua família e afirma: ”O que mais sinto falta dos velhos tempos é que todos se conheciam e se respeitavam no outside’’.

Como sua família conheceu o surf ?

Nos anos 70 uma rapaziada já pegava onda no Rio de Janeiro. Penho, Mudinho e Bocão, que era mais garoto. Eles foram alguns dos primeiros brasileiros a terem destaque no Hawaii. Por causa deles que entramos no mundo do surf.

 

Minha mãe comprou uma prancha para meu irmão e em seguida acabou me dando uma também, ambas foram compradas do meu camarada Parreira. Aquela época foi mágica, todos nós surfávamos no pier do Arpoador e éramos grandes amigos, uma pena que ele foi destruído.

Como seu irmão virou o Lula da Armação Ilimitada? Foi a primeira vez que o surf foi abordado na grande mídia e creio que foi a de maior sucesso até hoje, pois abordou nosso esporte de maneira positiva.

 
Meu irmão estava prestes a embarcar para o Hawaii e o Antônio Calmon um dia o convidou para fazer a Armação Ilimitada. Mas o começo de tudo foi quando meus dois irmãos juntos escreveram o filme Menino do Rio.

 

O primeiro filme dele foi “Nos Embalos de Ipanema”. Ele ainda trabalhou em “Terror e Êxtase”, “A Mulher Sensual” e “Filhos e Amantes”, até viver o surfista valente de “Menino do Rio”, que foi o começo da história dele como artista, depois ele fez algumas novelas e em seguida rolou o programa Armação Ilimitada, que foi um grande sucesso na época.

Quando você começou a dedicar sua vida ao surf?

Eu fui ao Hawaii pela primeira vez em 1978 e fiquei quatro anos lá. Depois fui direto de Oahu para a Indonésia e logo que conheci Grajagan, me apaixonei pelo lugar. Eu e o Ianzinho viemos por terra e no mar dividíamos as ondas com no máximo mais 10 surfistas.

 

Creio que a grande diferença hoje em dia é o crowd, além do coral, que com o passar do tempo foi se quebrando, ele se despedaça com a galera pisando em cima.

Quais as grandes diferenças no surf daquela época em relação a hoje?

 

Quando eu cheguei em Bali todo mundo se conhecia, até no Hawaii era assim. Essa eu creio que é a grande diferença de hoje em dia com o crowd. Eu conheci Grajagan graças a essa interação. O Gade, o surfista balinês mais famoso naquela época me falou sobre G-Land e eu me interessei em conhecer. Naquela época ele falava que era a onda preferida do Peter McCabe e do Gerry Lopez.

Esse lugar tem uma magia. Cada vez que você vem aqui vai conhecendo mais a onda e não é só a onda, o astral do local que é em uma floresta contagia. Para pessoas como eu que gostam de pescar, este lugar é tudo de bom.
 

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Mobral mostra que também não perdeu a disposição para as manobras. Foto: Darcy / Dreamdeliver.com.

Como você estreitou uma amizade com lendas como Peter McCabe, Gerry Lopez e com o próprio Bob Radiasa, dono do primeiro e até hoje melhor camping de G-Land ?

Um dia estava surfando um final de tarde em Padang somente na companhia do McCbe e ficamos conversando durante toda a sessão. Combinamos de tocar para G-Land no dia seguinte. Chegando aqui foi como te disse, estava só aquela galera especial, uns 10 surfistas, entre eles o Gerry Lopez e o Bob Radiasa.

Era íncrível, porque naquela época você pedia para seus amigos irem com você surfar para não ficar sozinho no mar. Hoje você sai escondidinho para não chamar o crowd. (risos)

Como você começou a realizar esse serviço de transportar os convidados do camping do Bob de Bali para Java?

 
Hoje em dia eu passo cerca de seis meses por ano na Indonésia, sendo que 80% desse tempo aqui em G-Land. Bali está com muito trânsito e com vários problemas, mas continua sendo um lugar maravilhoso.

 

Eu já tenho 30 anos aqui e tenho uma grande amizade pelo Bob e amor por esse lugar. Acaba parecendo que eu trabalho aqui, mas na verdade não trabalho. Como eu tenho a minha lancha, trago a galera para o camping e aproveito e passo um tempo aqui, é uma troca entre amigos.

 

Eu gosto de pescar e sempre coloco uns peixes na mesa. Estou conversando com ele sobre as melhorias que precisam ser feitas e tal. (Mobral tem seu próprio quarto reservado no camping)

Você vive do quê?

Quando vim para a Indonésia na primeira vez eu vi que era um lugar que eu amava muito e comecei a levar coisas para vender no Brasil. Continuo com as exportações até hoje. Fui um dos primeiros exportadores, consegui umas licenças especiais, porque antes do presidente Collor era proibida tal prática comercial.

Quais foram os mares mais clássicos que já presenciou aqui?

Eu lembro uma vez que o Made Kasim (local indonesiano) me ligou pedindo que eu levasse o McCabe para G-Land. Lá encontramos com o Gerry Lopez e parece que todos fatores se uniram. As ondas estavam lindas, sem crowd e eles pegaram altas ondas, chegamos lá com o Gerry Lopez passando dentro de um tubo animal na melhor seção da onda que é o Speedies.

Momentos marcantes?

 

Eles são pessoas muito legais e não somente bons surfistas, o que está faltando muito hoje em dia. Os surfistas estão muito mal-educados. Naquele tempo todos esperavam por sua hora de surfar, hoje todos furam a fila e essa filosofia positiva é que nós tentamos passar a todos que vêm aqui para o camping do Bob.

 

O bom daqui é que as pessoas aparecem com os amigos ou familiares, então o clima é mais tranquilo em comparação a outros lugares. O certo é respeitar quem vem remando lá do pico da onda e não manter-se no rabo para querer pegar as ondas. Não importa se você é um grande surfista, ou não, o que importa é o respeito.

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Fabio de Biase está sempre à vontade em meio ao crowd de G-Land, Indonésia. Foto: Darcy / Dreamdeliver.com.

Entre os brasileiros, quais surfistas mais te impressionaram aqui?

Eu vi o Ianzinho (Antônio Martins) surfar muito aqui de backside. Na minha opinião o melhor surfista que passou por aqui. Ele passou meses aqui e conhecia a onda como ninguém. O Pepê Lopes também era um tube rider nato, essa onda encaixava muito com o estilo de surf dele.

(Pepê Lopes foi o único brasileiro a fazer uma final do Pipe Masters).

 

Da nova geração, o Picuruta pegou altas ondas e muitos outros da novíssima geração, mas eu sou meio ruim para gravar nomes. Na verdade eu aprendi na vida que muita gente famosa é muito ruim de se conviver e não podemos achar que só porque é famoso é gente fina, muita gente vem aqui pega altas ondas, são seres humanos excelentes e vão embora.

 

Uma das maiores roubadas que já passou em G-Land?

 

Uma vez estávamos voltando para Bali e meu barco teve um problema. Praticamente afundou no meio do caminho. Por sorte conseguimos encostar no meio da selva, eu, Lopez, McCabe e mais alguns amigos.

 

Chegamos salvos na praia e conseguimos chegar em Bali è moda antiga e depois eu voltei para consertar o barco. Apesar da grande roubada e medo que rolou na hora chegamos amarradões em Bali, afinal todos ali sabem e curtem o gosto da aventura. (risos)

 

Como você vê o crowd que invadiu G-Land em certas semanas?

 

Eu fico feliz que aqui é ainda um lugar de dificílimo acesso e é uma floresta. Só de barco e querendo ou não, temos somente três campings. Existe uma lotação máxima e não se pode acampar aqui se não ficar em um dos campings, então temos certo controle.

 

A capacidade total é de 200 pessoas, mas é raro lotar e nem todos são surfistas e surfam na mesma hora. Outside tem muito espaço, tipo Sunset, não é uma onda que quebra em um só lugar.

Você também tem uma história no Hawaii.

 

Eu me apaixonei pelo Hawaii. Passei boas temporadas lá com o Bocão. Eu sonhava em pegar ondas grandes lá. Na minha primeira queda em Pipeline eu tomei uma vaca animal e perdi dois dentes. Eu não queria cair quando Pipe estivesse pequeno, porque acho ainda mais raso e perigoso.

 

O surfista que não passa uma temporada toda no Hawaii não fez a faculdade, não sabe o que é dropar uma onda de verdade. Sunset, Pipeline e Waimea em todos anos esses anos não perderam a majestade e dificilmente irão perder.

E você ainda pega umas ondinhas com seu irmão no Rio de Janeiro?

 

Muito pouco, meu irmão agora está passando muito tempo trabalhando no mundo artístico. Seus filhos surfam, o Felipe é fissurado e o outro pega onda de vez em quando.

Qual recado que você passar para a galera que está lendo sua entrevista?

 

Acho que aquela história que estávamos falando de paz e respeito no outside, a hora certa de pegar sua onda e de deixar seu colega também pegar. O respeito tem que ser na vida e não só no surf, não importa se você é rico, pobre, famoso ou não-famoso.

 

Conheci muita gente famosa gente finíssima como também más pessoas. O que vale é o que somos e não o que representamos comercialmente.

 

Fiquem com Deus e curtam a vida, que ela é bela e curta!