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Medina é filho do tempo

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Gabriel Medina exibe um repertório moderno e consistente para vencer o Quiksilver Pro 2011 na França. Foto: Quiksilver.

O tempo é um senhor impiedoso, que oprime e aposenta surfistas em grande forma. Alguns resistem por anos à pressão, mas não tem jeito: uma hora ele vence. Vez por outra, este senhor manda ao Planeta Terra um emissário para impor, para fazer valer as suas vontades.

 

Gabriel Medina é o novo filho do tempo. Está desde já na seleta lista de surfistas abençoados que impuseram ao mundo competitivo uma revisão de valores, de limites do esporte. Há alguns reticentes, que ainda preferem esperar por mais resultados, por outras ondas, mas esses estão perdendo tempo. O garoto já está fazendo história.

 

A parada francesa era a apenas a segunda de sua carreira como titular do World Tour. As estrelas do espetáculo deram azar, porque Medina se sente especialmente seguro na costa bleau, blanc, rouge.

 

Alejo Muniz também deixa ótima impressão com o quinto lugar na prova. Foto: Divugação Quiksilver.

Já colecionou uma montanha de títulos, sabe que o seu surf se encaixa naquelas ondas e tem, graças a performances passadas, uma forte torcida local.

 

Mas a ASP, com sua natural tendência a reverenciar surfistas eleitos, com anos dedicados à entidade, títulos ou prestígio no mercado, quase dá uma banda brutal em Medina.

 

No primeiro duelo contra Kelly Slater, o brasileiro deu um moderno nó no adversário, mas os juízes seguraram grosseiramente a pontuação e preferiram celebrar a velha velocidade do americano na onda. Ace Buchan, o terceiro nome da bateria, apenas assistiu à primeira edição de uma das mais emblemáticas batalhas de geração dos últimos tempos.

 

Todos sabem que, em esportes subjetivos, o bônus por prestígio existe. Mas tudo na vida tem limite. Público, surfistas e até os comentaristas oficiais da ASP ficaram envergonhados com o resultado. Slater ainda é um surfista brilhante, genial, e não precisa de ajuda para vencer.

 

Sorte que a bateria não eliminava ninguém e, na repescagem, Medina não precisou competir porque seu adversário, Jeremy Flores, estava machucado.

 

O grosseiro empurrão dos juízes no round 4 parece ter feito mal a Slater e bem a Medina. Nas quartas, no segundo duelo contra o brasileiro, o americano estava perdido na água. Parecia espiritualmente derrotado, o que, para ele, costuma ser fatal. O brasileiro não perdoou: carimbou uma combinação vergonhosa no 10 vezes campeão.

 

Foi uma porrada seca em Slater. Mais uma vez, o tempo joga o americano no córner do ringue. Mas não ouse duvidar que o cara seja capaz de voltar, a qualquer momento, com um repertório ainda mais atualizado para competir contra a geração de Medina.

 

Mas o mais provável mesmo é que ele permaneça entre os mortais apenas até seu iminente 11º título, no fim desta temporada. Está cada vez mais perto do caneco.

 

Um parêntese justo para Alejo Muniz, que apresenta um surf cada vez mais sólido, veloz e competitivo. Perdeu nas quartas-de-final em bateria apertada contra Jordy Smith. Trava uma bela disputa pelo título de rookie do ano com seu colega de equipe, Julian Wilson.

 

Se Medina atropelou Slater sem piedade, o que ele faria com o surfista da mesma geração que o extraterrestre, mas sem o mesmo talento? Taylor Knox foi trucidado na semi. Perdeu por uma diferença de mais de 12 pontos, mas, sempre tranquilo e bem humorado, saiu da água dizendo ter sido eliminado para a companhia Medina Airlines.

 

A final foi contra o nervoso Julian Wilson, surfista em ascensão aguda no WT, que combina bem o carving com manobras modernas. Mas Medina, a esta altura, estava iluminado. Só seria derrotado para ele mesmo. Quase cometeu esse erro, ao pegar uma onda em que Julian tinha a prioridade e passar na frente dele. Mas os juízes, encantados, não viram interferência. Interpretaram que Medina não chegou a atrapalhar o trajeto do australiano.

 

Troféu na mão, o garoto tem a dura missão de, aos 17 anos, se reinventar. A ASP vai cobrar dele uma variedade ainda maior, a surpresa, para que ele continue no topo. E, claro, a entidade espera que ele se posicione como um fora de série também nos tubos.

 

Curioso foi ouvir a análise dos comentaristas da ASP sobre a performance de Medina em ondas mais pesadas. Um deles, diante da dúvida sobre o rendimento do brasileiro nessas condições, disse já tê-lo visto em ondas sólidas, de 6 a 8 pés. “Ele também dava aéreo nessas condições.”

 

É. Nasceu o novo filho do tempo.

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

 

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".