Liberdade, igualdade e fraternidade

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Zobaran depois do surf em Jeffreys Bay, longe das preocupações, perto da liberdade, esmigalha alguns ouriços. Foto: Arquivo Pessoal FZ.
Quando fui convidado a escrever aqui no Waves tive de pensar bastante antes de aceitar. Escrever dá trabalho e toma tempo. Trabalho, já tenho demais. Tempo, me falta até para surfar. Então, por que topei a parada? Basicamente por causa do fórum de leitores. E por um outro motivo que eu conto no fim desse artigo.

 

Esse fórum de leitores me empolga. Sou o tipo de editor que lê todas as cartas de leitores. Sempre considerei que as matérias que edito pertencem mais aos leitores do que a mim. A internet, com ferramentas como esse fórum, possibilitou uma relação melhor, mais imediata e nevosa com você, leitor.

 

Gosto muito de uma frase do filósofo francês Voltaire (1694-1778): “posso não concordar com o que você diz, mas defendo acima de tudo o seu direito de dizê-lo”. Acredito na liberdade de expressão, base da democracia.

 

Minha coluna anterior recebeu alguns comentários que me sacudiram, fossem eles engraçados ou sérios. Teve um cara que roncou, de sono. Foi na veia. Das matérias que publiquei aqui, aquela era a mais fraquinha mesmo. Com as anteriores fiquei mais feliz. Nem sempre a gente está inspirado. Há duas semanas não caio no mar. Deve ser isso.

 

Teve gente que achou quase imoral eu escrever sobre viajar. Gente que pensa na miséria do nosso país, onde a maioria da população não tem grana para comer, quanto mais para comprar uma prancha e pegar um avião. Esses comentários, que têm valor, me jogaram na seguinte questão: surf é esporte de rico?

 

Quando comecei a pegar onda, nos anos 70, surf era esporte de garotos brancos, de preferência loirinhos, da classe alta. Era esporte de rico, sim, sem a menor dúvida. Mas o tempo passou e esse cenário mudou.

 

Hoje, surf no Brasil não é mais esporte só de rico. Há todo tipo de gente na água. Coroas, garotas, crianças nas escolinhas, gente rica e gente mais pobre dividem os picos brasileiros. Meu dentista, que é bem careiro, surfa muito. O cara que toma conta do meu carro na praia também surfa. Os dois são fissurados.

 

Aqui entra o outro motivo que me fez querer escrever essa coluna: falar sobre os surfistas comuns, como meu dentista e o moleque guardador de carros. Caras que têm outra vida além do surf, que trabalham ou estudam, que juntam dinheiro para realizar seus sonhos, que nunca apareceram em revistas, filmes ou sites mas que não vivem sem a energia das ondas.

 

Já tem matéria demais por aí comentando a vida dos surfistas profissionais, o circuito isso, circuito aquilo, Slater, Irons brothers, viagens impossíveis e intrigas do mercado de surf. Nada contra, também já fiz muito disso. Agora estou noutra.

 

Quero tentar falar sobre fatos e sensações que tocam os surfistas normais, como os que escrevem no fórum Waves. Porque, mesmo quando discordam ou não gostam do que escrevo, sei que se nos encontrarmos na praia podemos pegar umas ondas juntos, falar a mesma língua e, quem sabe, nos divertir sem preconceitos de classe, raça, sexo, idade ou credo. Nesse sentido, o surf nos une, apesar do que nos separa.