Espêice Fia

Lembranças de Johnny People

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Praia Bela resiste ao tempo e continua com boas ondas e brisa terral. Foto: Fábio Gouveia.

Depois de lesão, Alexandre Henrique “Calcinha” volta ao rip na Paraíba. Foto: Fábio Gouveia.

Ausentar-se do estado natal não é nada fácil, principalmente para quem ama a terra onde cresceu. Nasci na cidade de Bananeiras, distante cerca de 140 quilômetros da capital João Pessoa (PB). Mas considero João Pessoa a minha cidade, pois foi lá que vivi toda minha infância, adolescência e, é claro, onde comecei a surfar.

Na época, as boas ondas da praia do Bessa faziam (e muito) a minha cabeça. Elas davam pilha aos meus sonhos em dias de ressaca, com aquele terral matinal. De lá para outras praias do Brasil – e do mundo – foi um pulo. As amizades que ficaram para trás estavam preservadas e a saudade sempre bateu forte.

Santa internet que, em um simples clic, posso ver o Mar do Macaco, Intermares, Cabedelo, onde meus pais atualmente moram. E foi lá que dei duas caídas em fins de tardes distintos na última semana.

“John People City” não é merecedora de apenas um bate-e-volta, pois a cidade é aconchegante, linda e maravilhosa. Mas em minha correria de surfista profissional, um pit-stop de dois dias vale muito. A ponta de um swell pequeno fez minha alegria e de meu filho, Igor, em um pico exótico do litoral Sul chamado praia Bela.

Nas antigas, levava-se duas horas para chegar até lá, depois de adentrar nas pistas de barro posteriormente desembocadas da BR-101. Era o mais puro rally chegar lá. Não só pelo fato dos buracos, mas também pela velocidade que a galera ia na ânsia de chegar o mais rápido possível, antes que o terral fugisse.

Nos dias de hoje, com o trajeto bem mais encurtado, acordarmos de madrugada e em 40 minutos já estávamos vendo aquele visual, com vento sudoeste e brisa terral. Mesmo cansado da viagem no dia anterior, eu parecia um guri, pois tinha despertado às 3 horas da manhã e não tinha conseguido dormir mais.

Ótima pilha do amigo de infância, Alexandre Henrique, o “Calcinha” (que aparece dando depoimento lá no filme Fábio Fabuloso). Recém-saído de uma contusão, instigado que só ele, revivemos ali sonhos de moleques. Pra ele isso é uma constante, pois é seu pico de surf atual, mas pra mim era um filme sendo rebobinado.

Apesar das facilidades para se chegar ao pico e dos loteamentos nos arredores, aquilo ali ainda está quase intacto, fazendo jus ao nome praia Bela. Apenas poucas casas distantes e um pequeno sítio aparecem na ponta do barranco em erosão, costeado pelo “Maceió”, nome que dávamos ao rio que desemboca ali e que, dependendo do curso, pode transformar totalmente a onda, deixando-a um divertido point break.

Foi assim que surfei por lá, em uma de minhas primeiras vezes, na companhia da galera da AS Surfboards: Anderson Santos (já falecido), Vinícius “bigóivino” Fernnades, Fred e seu irmão, cujo o nome não lembro. Na época, a “Kombosa” que nos transportou até o pico havia ficado pequena de tanto pulo que dávamos quando avistamos a linhas da ondulação entrando com cerca de 1 metro.

Com o curso do rio rumando para o Sul e beirando o barranco, formava-se aquele banco raso para logo depois ficar fundo. Eram direitas longas que proporcionavam muitas manobras das quais nunca mais me esqueci. Desta vez o curso do rio estava no meio termo e as ondas rolavam para ambos os lados, porém com as direitas levemente mais longas. O suficiente para divertir muito aos que se encontravam no pico: Alexandre Lacet (o Bat Mirim), Junior Maximo Serpa, Alexsander “Sargaço”, entre outros que faziam a mala antes de saírem para trabalhar.

Nos dias de hoje já é costume. Não deixo de aproveitar uma empreitada destas para fazer um registro. Fui ajudado por Alexandre Palitot, presidente da PBSurf (Federação de Surf da Paraíba), que nos filmou entre os chuviscos que caíam. Depois troquei a câmera com ele, pois foi a minha vez de filmar. Ainda arrumei um fôlegozinho extra pra cair na água e, mesmo sem pés-de-pato e remando contra corrente, gravei algumas cenas e cujo registro está aqui em fotos clicadas das imagens capturadas.

A session durou algumas horas e ao final da manhã passamos por uma fábrica de pranchas local, a Inject Brasil, do renomado shaper Raul Coelho. Algumas trocas de informações e fotos para posteridade, parti para o almoço na casa de “manhinha”, afinal, o bucho já tava mais que roncando.

 

No meio da tarde, ainda sob o sol forte, aquela visita ao Bar do Surfista de propriedade do Valdir. Aquele que no início da década de 90 tinha um trailerzinho com bons sanduíches e que chamava-se “Rango Loose”. O bar, há bastante tempo, não é apenas sinônimo de encontros para refeições e petiscos, pois projetos sociais tais como aula de surf, reforço escolar e o projeto Tartaruga Urbana, da ONG Guajirú, mantém a edificação e alegria da galera.

Como quase nunca vou a João Pessoa, é pintar por lá e sempre tem algo pra fazer com a imprensa local. Entre um bate-papo com o repórter Kako Marques, da TV Cabo Branco (afiliada da Rede Globo), observava uma galerinha dando aéreo de tudo quanto era jeito. Algumas fotos aqui, umas assinaturas dali e um deles disparou: “Fabinho, vamos fazer uma bateria ali?”. Saí de fininho dizendo que eles estavam muito fortes e que eu só tinha levado a minha fish clássica (risos). Mas quando o sol se pôs, corri e peguei duas ondinhas apenas pra amenizar a saudade e partir amarradão com o passeio e com os amigos que reencontrei.

Abraços pra turma!

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.