Leitura de Onda

J-Bay: primeiras pílulas geladas

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Para o site MeSurf, Adriano de Souza comemora demais. Foto: ASP Kirstin / Covered Images.

Esperei o quanto pude pela chegada do swell para escrever a Leitura de Onda da semana. Não deu. Escrevo, na quinta-feira à tarde, já com atraso, antes do início do round 3 do Billabong Pro, em Jeffrey´s Bay. Kelly Slater rasgou o contrato de vez com a ASP e simplesmente faltou a etapa, acompanhado de Bobby Martinez.

 

 

Dos cinco brasileiros na competição, quatro ainda estão vivos. E Jordy Smith, o campeão caseiro do ano passado, aponta como favorito de novo.

 

Como ainda não tem nada definido na etapa, decidi distribuir o texto em pequenas pílulas geladas sobre os assuntos mais quentes do evento e para os brasileiros. 


Adriano tem mais é que comemorar O líder do circuito mundial chegou à África do Sul com o peso de uma nação nas costas e uma injusta carga de insatisfação de parte do mundo saxão, que ainda não engoliu um brasileiro típico na ponta.

 

Não se encontrou no round 1, mas, na repescagem, contra Gabe Kling, surfou com mais consistência. Fez um 8 na melhor onda e passou adiante. Hoje à noite, no horário de Brasília, pega o amigo Alejo Muniz, numa bateria importante para Adriano manter a liderança e importante para Alejo se manter na elite.

 

A reação pasteurizada às justas comemorações de Adriano chegou ao You Tube. O site australiano MeSurf postou na internet um vídeo intitulado “Adriano de Souza – Best Claims of 2011”. No texto que apresenta o vídeo, o MeSurf tenta se posicionar de modo neutro, mas escorrega numa leve ironia no fim do texto. “Vocês vão amar a paixão desse cara.”

 

Alguns aussies não desistem. Dias antes, em entrevista à Stab Magazine, Adriano vestiu luva de pelica para responder aos questionamentos de suas comemorações.  “Realmente gosto do que faço. Se estou feliz, vou mostrar isso, não há outro motivo. Minha opinião é que os juízes estão lá para julgar o que você faz na onda, e não as comemorações. Se julgam comemorações, é uma competição de comemorações, e não de surf. Eu quero ser genuíno, não quero ser uma farsa. Este sou eu”.

 

O outro lado do mundo espera que ele ganhe copiando um modelo que não é brasileiro, do surfista blasé, distante de suas emoções, que tira o tubo da vida como se estivesse fritando um ovo na cozinha de casa. Ele só quer ser original. Tem que comemorar.

 

Kelly gargalha em Fiji Mídia social às vezes pode ser um problema. O cara passou a semana do início da competição em Fiji, num fim de mundo do Pacífico Sul. Mas era como se estivesse em frente ao pico de J-Bay. Pelos bits do Twitter, o mundo acompanhou a decisão do americano não ir ao evento.

 

No início da viagem, ainda garantiu que tinha ido atrás de uma previsão de swell único, raro nas ilhas. Depois, fez piada da ausência: “Ooops…Acabei de assistir à minha bateria, mas estou pegando um tubo aqui em Fiji. Sem desrespeito à ASP ou à Billabong. Ondas pequenas. Se J-Bay continuar até sexta-feira, eu vou. Isso pode significar que eles vão terminar o campeonato no domingo. Haha. Estou brincando… Mais ou menos.”

 

Fosse Slater um Bruce Irons, que jamais escondeu sua aversão ao mundinho das notas e camisas de lycra, todos entenderiam a ausência em J-Bay. Mas o americano é, notadamente, a maior máquina de competição da história. Não aceita perder em Pipeline, na Barra ou numa mesa de pingue-pongue.

 

O descaso com o qual tratou o evento tem vários significados. Um deles seria o protesto contra a volta de etapas em grandes cidades, com poucas ondas, como Rio. A questão é que J-Bay não é o lugar certo para o tipo de manifestação: o pico, historicamente, tem uma das melhores ondas do tour. Esperar swell é do jogo.  

 

Não é o primeiro ato de rebeldia de Slater este ano. Na etapa do Rio, ele ignorou pedidos educados da organização e ficou surfando com a camisa de lycra, após ser derrotado para Bobby Martinez, por mais de uma hora nas pequenas ondas da Barra. A ASP tem que atentar para não perder o controle da situação. Slater parece estar testando os limites da entidade.

 

Heitor, o novo Bobby Os juízes ainda não prestaram a devida atenção no surfe de Heitor Alves em J-Bay. Na ausência do americano Bobby Martinez, o brasileiro é o melhor surfista de backside do evento. Encontrou uma linha absurdamente suave, sem perder a verticalidade e as viradas fortes.

 

Deveria ser mais bem recompensado em notas pela lição de técnica que está dando na África. Foi mal julgado numa das ondas do primeiro round, mas, na repescagem, teve calma para despachar Patrick Gudauskas com uma boa nota nos minutos finais.

 

Agora, enfrenta o outro grande backsider no evento: Adrian “Ace” Buchan. É a hora de mostrar que o surf do brasileiro está mais afiado.

 

Heitor e Ace têm o que Jadson André mais precisa para brilhar em Jeffrey´s: linha. Nos demais quesitos, Jadson dá conta do recado, com sobras. Tem um surf extremamente vertical, potência nas manobras e um espírito competitivo raríssimo.

 

Basta acertar um pouco mais os movimentos para evitar pular sobre a prancha. Tem tudo para despachar Damien Hobgood, americano que tem mais linha e muito menos potência que o brasileiro.  

 

Tulio Brandão é colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou três anos como repórter de esportes do Jornal do Brasil, nove como repórter de meio ambiente do Globo e hoje é gerente do núcleo de Sustentabilidade da Approach Comunicação.

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".