Itaúna pode ser melhor

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A performance de Andy Irons em Saquarema foi digna de um provável campeão mundial e deu mais brilho à etapa. Foto: Mauricio Val/Fotocom.net.

É difícil sair do Rio num sábado de sol: mulher em casa, a praia ardendo e aquele compromisso inadiável com o descanso, depois de uma semana de labuta. Mas, naquele dia, brasileiro que gosta de surfe não tinha outra opção que não botar o pé na estrada, rumo a Saquarema.

 

Liguei para um primo e dei a senha: “WCT ITAÚNA”. Hora e meia depois, lá estávamos nós, no meio de um mar de carros e gente, perto da praia onde os melhores do mundo surfavam.

 

“As ondas, cadê as ondas…”. O desânimo na voz do meu camarada, ao ver Luke Egan e Mick Fanning boiando durante meia hora para surfar quando muito duas ondas high score, era justificado. Mais novo o cara viu muita onda naquele pico, sabe que ali não tem enganação.

 

Para aumentar a expectativa, na viagem eu contei a ele que um amigo da Surfing havia escrito uma ode a Saquarema, comparando as ondas de Itaúna às de Sunset. E, fechando o set de boas notícias para deixar qualquer um na pilha, a foto do Andy Irons tirando um tubo nota dez no primeiro dia de evento. “O cara fez média 19,5 em 20 possíveis”, soltei, para piorar as coisas.

 

A realidade de sábado, porém, nada tinha de Sunset. Quebravam direitas de um metro, não mais que razoáveis, mas com um assustador intervalo entre ondas, suficiente para fazer até o fã mais fissurado largar a bateria de lado. Nessas condições, não tenho vergonha de afirmar que o surfe torna-se um esporte absolutamente anacrônico, sem graça alguma para o espectador. 

 

Alendre Almeida também fez bonito em Itaúna ao tirar 9.7 nesta onda. Foto: Tostee/ASP.

Ver duas boas ondas de Taj Burrow editadas num Rip da vida, largadão no sofá de casa, é uma coisa. Ver duas boas ondas de Taj Burrow – se o cara der sorte de encontrá-las – depois de uma hora e meia de viagem e há 30 minutos sentado na areia sob o sol escaldante, desviando de quem atrapalha a sua visão, é outra bem diferente.

 

Saquarema do último sábado me lembrou o GP de Mônaco de F-1, onde quase não há ultrapassagens, a média de velocidade dos carros é ridícula e grande parte dos espectadores só está no principado por causa do glamour do evento. É só substituir reis, príncipes e rainhas por empresários, playboys e gatinhas.

 

Também poderia ser comparado ao Torneio de Wimbledon. Na grama inglesa, a bola não quica e, há quase um século, o jogo se restringe ao chato saque e voleio. O estranho é que, assim como Itaúna estava lotada, há muitos loucos dispostos a gastar centenas de pounds para ver um jogo sem graça de Sampras.

 

Sei, sei, vai ter gente gritando, reclamando, achando que isso é frescura, que o intervalo entre as séries faz parte do esporte… Beleza. Então, vamos combinar que o surfe é um bem exclusivo da garotada mais fissurada – quem nunca pegou ônibus lotado com prancha debaixo do braço num dia flat?

 

O potencial das ondas de Saquarema não pode ser ignorado quando se pensa em fazer uma etapa do WCT no Brasil. Foto: Tostee/ASP.

Todos aqueles nossos outros amigos que pensavam em acompanhar o esporte de perto, até já ouviram falar de Neco Padaratz e Peterson Rosa e cogitavam começar a pegar onda, jamais consumirão o esporte. Isso sem falar da cada vez mais ausente mídia não especializada, que pensa dez vezes antes de exibir um surfista boiando meia hora na água.

 

Qual é a saída, então? Tirar o campeonato de Saquarema? Nem pensar. Nenhum pico é melhor que Itaúna na costa brasileira para realizar um evento do porte do WCT. Mesmo com o swell enfraquecido, nas 63 baterias disputadas os tops do mundo pegaram 85 ondas consideradas excelentes.

 

Destaque para as notas dez de Andy Irons, 9.8 de Dean Morrison, 9.75 de Russell Winter e 9.7 de Alexandre Almeida, o Dadazinho. No primeiro dia – foram os gringos que disseram – o pico deu mostras suficientes de seu potencial. Por isso, votam em Saquarema.

 

Mas os tops do mundo querem mais. E, para mim, contar com a sorte da entrada de um swell nesse período do ano é um equívoco. Não adianta, a costa brasileira bomba no inverno. Sei o quanto o calendário da ASP é travado, sei que alterar uma data de evento é quase tão difícil quanto ganhar uma nova licença, mas não custa pedir.

 

Uma outra sugestão seria criar uma janela ainda maior para cada evento e planejar a data a partir dos, cada vez mais confiáveis, dados de previsão de entrada de swell. Já é hora da ASP contar com essas informações, vitais ao esporte, no seu planejamento anual.

 

Vale tudo pelo sonho de ver o surfe dos melhores do mundo num Itaúna com 12 pés sólidos.   

 

 

Túlio Brandão é repórter do jornal carioca O Globo.

 

 

 

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Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".