Leitura de Onda

Itaúna é de primeira

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Itaúna por dentraço. Foto: Daniel Smorigo / ASP South America.

Kolohe Andino, talentosa aposta americana, não segurou a onda, ao ver, esta semana, longas esquerdas escorrendo pela bancada de Itaúna, em Saquarema. Postou uma foto definitiva do Instagram com a legenda: “Reverse J-Bay? #goodlookingplaces”. Kai Otton manteve o tom no Twitter: “10 foot Brazil. Hahaha. Who woulda tought?”

 

Novidade zero. Andy Irons já tinha rasgado elogios ao pico dez anos atrás, depois de surfar um tubo perfeito em 2002, ano em que a lona dos melhores surfistas foi montada em Saquarema. 

 

No Brasil, competição naquela onda é papo de botequim desde 1975, quando o primeiro festival da cidade revirou do avesso a juventude brasileira. Raul Seixas e Rita Lee cantaram, mas dentro d’água foi o surf de Betão que falou mais alto.    

 

Saquarema tem uma onda potente, que aceita o swell mais pesado sem perder a linha, como talvez nenhuma outra praia do Brasil. Saquarema tem onda mesmo em swells fracos de Leste. Saquarema mantém a vibe de pequeno balneário, ainda não completamente dominado pela fúria da especulação imobiliária. Todo brasileiro que já teve prancha reverencia aquele pico.

 

Por tudo isso e mais um pouco, os organizadores do Coca-Cola Quiksilver Pro, importante prime num ano de poucos eventos no Brasil, insistem no pico. E fazem muito bem.

 

Para muitos, no entanto, não é o suficiente. Boa parte da torcida do surf quer ver os melhores do mundo em ação naquele pico. Esta semana recebi alguns e-mails sobre o tema. 

 

Um articulado leitor conta que mora em São Paulo, mas pegou as melhores ondas da vida em Saquarema. Outro pergunta por que insistimos em fazer uma etapa em Waikiki, se temos um North Shore tupiniquim chamado Saquarema.

 

Concordo com cada palavra, mas tento entender os organizadores. Eles lutam, de todas as formas, para equilibrar o business com o esporte, porque o show não pode parar. De longe, pode parecer fácil, mas, num cenário de crises e incertezas, com várias marcas internacionais promovendo demissões em massa e cancelando eventos, realizar a prova no Rio é vitória. 

 

E, cá entre nós, o Postinho este ano teve bons momentos, não? 

 

Outra pedra diante de Saquarema: em 2002, a falta de infraestrutura e de preparo das autoridades para o evento assustou a ASP. Corre nos corredores da entidade a famosa história de um dirigente australiano que, parado nas velhas blitzes pega-surfista da Polícia Militar na estrada a caminho da cidade, passou o constrangimento de ficar nu durante uma revista. 

 

Nenhum dos obstáculos, entretanto, é suficiente para ofuscar a qualidade da onda de Itaúna e a saborosa relação da cidade com o surf. Com vontade, é possível realizar ajustes na infraestrutura local para que Saquarema volte a ser a mais importante sede do surf no Brasil. Não duvido que, à moda dos velhos festivais, a praia encha mais em Itaúna que na Barra.

 

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".