Leitura de Onda

Fure a fila, Filipe

0

 

Filipe Toledo, um futuro cheio de high scores. Foto: Marina Vivacqua.

Filipinho Toledo acabou de vencer a expression session do primeiro evento do ano, antes mesmo de estrear como integrante oficial do WCT. 

 

A estreia de um surfista talentoso como Filipinho na elite gera sempre uma expectativa no público e na imprensa. A ansiedade do torcedor brasileiro – e, por tabela, da imprensa – por títulos mundiais explode em proporções geométricas a cada temporada em branco. 

 

Filipinho é moderno, ágil, futurista e pega bons tubos. Numa perspectiva dura, sem qualquer devaneio, dá para dizer sem medo que ele vai fazer muitos high scores ao longo do ano e pode ir bem longe em algumas etapas. É, desde já, favorito ao título de rookie do ano.

 

O garoto é mais um de uma safra crescente de talentosos filhos de grandes surfistas. Seu pai, Ricardinho, foi bicampeão brasileiro profissional. Segue Miguel Pupo, filho de Wagner, outro grande competidor dos anos 80 e 90. 

 

Tem muitos nessa lista fora do WCT, mas já com lugar garantido no cenário brasileiro, como Jerônimo Vargas, que como o pai se destaca no Hawaii; Eric de Souza, filho de Rico de Souza; entre vários outros. 

 

Vale até uma reflexão sobre a importância da consolidação da cultura do surfe no Brasil através das gerações. O filho de um surfista estaria mais perto da glória que o de um doutor?

 

Filipinho tem muitas armas, mas o caminho é longo. 

 

Pode parecer contraditório, mas, ao mesmo tempo em que um estreante não pode perder de vista o mundo real, que indica dificuldades certas no ano de estreia e sugere um certo respeito ao estalishment, ele precisa chegar com fome, com desejo de atropelar os outros, de incomodar, de se fazer notar na base da paulada (na onda,é claro). 

 

Os ídolos estão lá para serem vencidos. Eles usam o jogo das palavras (que repercute na imprensa), pressionam juízes e, como se não bastasse, surfam muito, muito mesmo. Mas, no fundo, lá no fundo, temem serem derrotados pelo inexorável tempo. E o estreante talentoso, com armas novas, é a maior representação desse fantasma para as velhas estrelas.  

 

Esse é o equilíbrio sutil do rookie: respeite o processo, mas tente furar a fila que dá direito a um lugar na janela do ônibus do WCT. Se não fizer isso, ninguém fará por ele. Até porque aquilo não é uma fila de verdade, é fake. É uma linha imaginária, sucessória, construída por quem não quer ser surpreendido. Pelo conservador. 

 

Aquilo é, na verdade, competição pura. É faca nos dentes.

 

A abordagem de Gabriel Medina, nesse sentido, é uma boa referência. Deveria virar cartilha para estreantes brasileiros talentosos. Boa sorte no primeiro ano do resto de sua vida, Filipe.  

 

Tulio Brandão é jornalista, colunista do site Waves e autor do blog Surfe Deluxe. Trabalhou nove anos no Globo como setorista de meio ambiente e outros três anos no Jornal do Brasil, onde cobriu surf e outros esportes de prancha. Atuou ainda como gerente de Sustentabilidade da Approach Comunicação. Na redação, ganhou dois prêmios Esso, um Grande Prêmio CNT e um Prêmio Abrelpe.  

 

 

 

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".